Sem protesto: para desespero da intelligentsia, os rolezinhos nos shoppings não têm pauta de reivindicação (Ricardo Moraes/Reuters)
Da Redação
Publicado em 12 de fevereiro de 2014 às 05h00.
São Paulo - Nos últimos tempos, os brasileiros descobriram que vivem em um vergonhoso e disseminado regime de apartheid. Vamos aos fatos:
— Em 11 de janeiro, o adolescente Kaike Augusto Batista dos Santos foi encontrado morto no centro de São Paulo. A hipótese inicial da polícia era suicídio. Mas Kaike era negro e homossexual.
Ativistas, em questão de horas e antes de qualquer investigação, acusaram a polícia de encobrir um homicídio com motivação homofóbica.
A eles se uniu a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário. Para ela, o rapaz fora “assassinado brutalmente”, vítima de um “crime de ódio e intolerância”.
— Os rolezinhos, tumultuadas reuniões de jovens da periferia em shopping centers, tornaram-se obsessão para a autoproclamada intelligentsia. As correrias, o funk cantado aos berros e alguns furtos provocaram medo em frequentadores e lojistas.
Os shoppings tentaram impedir manifestações semelhantes na Justiça, com o argumento de zelar pela segurança geral. Foi fósforo jogado em palheiro.
O caso tornou-se um exemplo da divisão de classes e de cor. A ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, disse, em entrevista à Folha de S.Paulo, que os participantes dos rolezinhos eram vítimas de “discriminação racial explícita”, derivada da “reação de pessoas brancas”.
— Após decisão do Supremo Tribunal Federal, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, anunciou, no fim de 2013, o cancelamento do aumento de até 35% do IPTU deste ano. O aumento atingiria 800 000 cidadãos — do sofisticado Jardim Europa à popular Vila Nova Cachoeirinha. “A casa grande não deixa a desigualdade ser reduzida na cidade”, disse Haddad, numa referência à separação do período escravocrata.
É ou não é o retrato fiel de um Brasil sectário? Brancos contra negros. Heterossexuais contra gays. Ricos contra pobres. Tudo muito conveniente quando se buscam culpados para os problemas e as exclusões — estes, sim, verdadeiros — que estão por aí.
O diabo, para os que gritam contra o preconceito da “classe branca, burguesa e conservadora”, é que os fatos costumam ignorar ideologias e jogos políticos:
— Dez dias após a morte de Kaike dos Santos, sua mãe disse que estava convicta de que o filho se suicidara. A morte violenta de um rapaz de 16 anos é uma tragédia em qualquer circunstância. E, ainda que se tratasse de homicídio motivado por preconceito, seria mais trágica do que a morte de Victor Hugo Deppman?
Victor tinha 19 anos, era branco, universitário, de classe média. Meses atrás, levou um tiro na cabeça depois de entregar o celular a um assaltante sem esboçar reação. Nenhum ministro se manifestou sobre o caso.
— Para desespero dos ativistas, os rolezinhos nunca foram movimentos reivindicatórios, segundo seus líderes, agora celebridades. E a reação à bagunça que provocam não é coisa de “pessoas brancas de alto poder aquisitivo”. Uma pesquisa do Datafolha mostra que 82% dos paulistanos — se isso não é maioria, o que é? — que frequentam shoppings são contra esse tipo de comportamento.
Os maiores críticos ganham de dois a cinco salários-mínimos. Mais de 70% disseram não ver traço de discriminação racial na repressão a esse tipo de evento.
— O contribuinte arca com impostos federais, estaduais e municipais que consomem 36% de sua renda. Esse dinheiro todo não tem sido suficiente para aumentar as opções de lazer para os jovens das periferias, garantir a segurança ou prover saúde e educação de qualidade para crianças brancas, negras, amarelas ou pardas, pobres ou ricas, católicas ou evangélicas.
Protestar contra mais um aumento, quando até hoje não se viu contrapartida à altura, é agir como senhor de engenho? Seria mais uma demonstração de “ingratidão” diante de tantos avanços proclamados nos últimos anos?
A torção dos fatos tenta encobrir as reais causas da desigualdade e da exclusão. Boa parte delas já incorporada à nossa paisagem. Há as crônicas, e não vale a pena voltar a elas.
E há as episódicas, e não menos perniciosas: inflação renitente, falta de investimento, apatia da economia — todas com consequências trágicas para os mais pobres. Esse é o verdadeiro apartheid brasileiro. O outro é fruto pernicioso da mente dos que buscam culpados para o próprio fracasso.