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O ano da virada para os fundos de investimentos?

Redução da Selic e mudanças na isenção de títulos devem incentivar os fundos de investimento em 2024

Roberto Padovani, economista-chefe do BV: “Conforme cai a Selic, a renda variável tende a ganhar força” (BV/Divulgação)

Roberto Padovani, economista-chefe do BV: “Conforme cai a Selic, a renda variável tende a ganhar força” (BV/Divulgação)

Publicado em 23 de fevereiro de 2024 às 06h00.

Os últimos dois anos foram desafiadores para a indústria de fundos. Em dois anos, mais de 250 bilhões de reais saíram dos fundos de investimento, de acordo com os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Os fundos de previdência e de investimento em participações (FIP) e em direitos creditórios (FIDCs) foram os únicos que emergiram nesse período. Sem eles, a indústria teria perdido 338 bilhões de reais. O maior montante retirado foi dos multimercados, que perderam 220 bilhões de reais. O consenso de recessão nos Estados Unidos não foi confirmado, o que afetou a rentabilidade de muitos fundos. Os próprios gestores admitem que a recente performance aquém do esperado impulsionou os pedidos de resgate. Em 2023, o retorno mediano dos multimercados livres, subdivisão de maior patrimônio, foi de 10,5%. O rendimento ficou abaixo do CDI, que foi de 13% no ano, e do Ibovespa, que subiu 22%. Só que os fundos de ações, que renderam 24% e bateram o principal índice da bolsa, também sofreram resgates. A saída, só em 2023, foi de 17 bilhões de reais, o que sugere razões para além da performance para a retirada de dinheiro dos fundos.

A alta da taxa Selic, que subiu de 2% para 13,75% entre 2021 e 2022, tem um peso grande nessa equação. Isso porque o juro mais alto favorece a renda fixa e, por diversas métricas, reduz a atratividade da bolsa. A economia desaquece, a dívida das empresas fica mais cara e, além de tudo, torna-se mais difícil bater o retorno livre de risco. A boa notícia é que a taxa Selic já caiu para 11,25% e deve seguir em queda, segundo o próprio Banco Central. A mediana das projeções colhidas pelo Focus mostra que o juro deverá terminar o ano em 9%. A expectativa é que, quando essa taxa baixar para um dígito, cresça a busca de investidores por ativos de maior risco, como fundos multimercado e de ações. “Conforme cai a Selic, a renda variável tende a ganhar força. É um cenário positivo para o mercado de capitais. Mas, mesmo com as recentes quedas, a taxa de juro ainda é muito atrativa para a renda fixa”, afirma Roberto Padovani, economista-chefe do BV.

Mesmo que muitos investidores ainda considerem a renda fixa imbatível, dado o menor risco, os fundos especialistas nesse tipo de ativo não foram poupados. De 2021 para cá, eles tiveram captação líquida negativa em 105 bilhões de reais. Desse total, 84 bilhões de reais saíram apenas entre março e maio do ano passado, quando o mercado de crédito passou por turbulências. Mas outro fator, talvez ainda mais relevante, tem sido apontado como o motivo para os resgates generalizados: os títulos com incentivos fiscais a pessoas físicas. Os produtos isentos de imposto de renda são Letra Imobiliária Garantida (LIG), de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), do Agronegócio (CRA) e debêntures incentivadas. Dados da Anbima mostram que, desde 2021, esse tipo de ativo cresceu 120% na carteira de clientes private e varejo. Em termos nominais, o salto foi de 600 bilhões de reais, enquanto retiraram 150 bilhões de reais dos fundos. A concorrência com os incentivados se tornou tamanha que foram classificados como o “maior problema” da indústria por Luís Stuhlberger, sócio-fundador da Verde Asset e um dos gestores mais influentes do mercado. “É mais uma das jabuticabas brasileiras”, afirmou em um evento a investidores.

Os títulos incentivados foram criados para fomentar investimentos em áreas consideradas prioritárias para o desenvolvimento do país, como infraestrutura e moradia. Mas, pelo incentivo tributário, houve um salto nos volumes de emissões, que vinham sendo feitas até por empresas de outras atividades-fim, como o varejo. Desde 2020, o estoque de LCA, LIG e LCI no Sistema Financeiro Nacional cresceu de 250 bilhões de reais para 930 bilhões de reais, enquanto o de CRAs e CRIs foi de 128 bilhões de reais para 311 bilhões de reais. Essa expansão chamou a atenção do Conselho Monetário Nacional, que no início de fevereiro publicou novas resoluções restringindo a emissão desses títulos. No caso dos CRIs, por exemplo, apenas será permitida sua emissão por empresas que tenham o mercado imobiliário como principal atividade. Ainda que recente, a medida já vem sendo apontada como um dos fatores que devem contribuir para a captação dos fundos. A previsão de Ivan Fernandes, head de crédito privado da Kinea Investimentos, é de que mais da metade das LCAs, LCIs e LIGs não poderão ser renovadas de acordo com as novas regras. “Essas pessoas terão de investir em outros produtos. Uma parte deve ir para os fundos de crédito privado, renda fixa e multimercado.”

O otimismo pela volta de fluxo para os fundos tem se confirmado nos primeiros dados da Anbima deste ano. Até o fim da ­segunda semana de fevereiro, a captação líquida era de 42 bilhões de reais. O volume foi sustentado pelos fundos de renda fixa, que estão positivos em 60 bilhões de reais em 2024. Mas, nos multimercados-, a sangria continuou nos primeiros dias do ano, com saída líquida de 17 bilhões de reais. O saldo dos primeiros dias de fevereiro, no entanto, foi positivo em 1 bilhão de reais. Ainda é muito cedo para saber se esse será um ponto de inflexão, mas há razões para acreditar que, pelo menos, o pior já ficou para trás.

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