Revista Exame

2021 será o ano da benéfica transformação?

Para Mohamed A. El-Erian, da Allianz, PIB vigoroso vai exigir mais que vacina

Fábrica de baterias na China: as empresas buscam sair da crise com um melhor equilíbrio entre resiliência e eficiência (Wan Shanchao/VCG/Getty Images)

Fábrica de baterias na China: as empresas buscam sair da crise com um melhor equilíbrio entre resiliência e eficiência (Wan Shanchao/VCG/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 17 de dezembro de 2020 às 05h14.

Última atualização em 11 de fevereiro de 2021 às 14h07.

Para o mundo inteiro, a maior esperança é que 2021 seja um ano de benéfica transformação: economias em rápida recuperação, empresas ansiosas por competir com modelo de negócios “redimensionados” e governos anunciando que vão “reconstruir melhor”. O risco, ainda insuficientemente avaliado, é que os tomadores de decisão acabem gastando a maior parte do ano lidando com os danos existentes e novos do choque da covid-19.

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Há quatro bons motivos para sermos otimistas em relação a 2021. Em primeiro lugar, os cientistas e as empresas farmacêuticas têm trabalhado intensamente para desenvolver uma vacina contra a covid-19, muitas vezes apoiados por consideráveis financiamentos governamentais diretos e indiretos. Há indícios de que inúmeras vacinas serão aprovadas em breve, abrindo caminho para a necessária imunidade coletiva para que as interações econômicas e sociais voltem ao normal.

Em segundo lugar, uma substancial parte do setor privado — apoiado por mercados de capital amplamente abertos que fornecem importante financiamento de baixo custo — tem estado ocupada pensando e planejando o mundo pós-pandemia. As empresas estão procurando sair da crise com um melhor equilíbrio entre resiliência e eficiência, bem como com maior agilidade operacional e mente aberta que foram capazes de adquirir apenas quando forçadas a um paradigma de gestão de crise altamente incerto e desigual.

Terceiro, as dificuldades inerentes de gerenciamento durante a pandemia destacaram uma miríade de deficiências de liderança em empresas e governos locais e nacionais. O choque da covid-19 também expôs grandes falhas de coordenação global e regional e impulsionou uma apreciação melhor e mais ampla de “eventos extremos” de baixa probabilidade e alto impacto. Tudo isso deve servir para acelerar a adaptação tão necessária das estruturas de governança de ontem às realidades mais fluidas de hoje.

Por fim, os vários experimentos naturais impostos a muitos países durante a pandemia promoveram um reconhecimento maior da importância da sustentabilidade, da diversidade cognitiva e da responsabilidade social. Essa alteração pode, por sua vez, permitir a necessária mudança nos modelos operacionais econômicos implícitos em muitas áreas. Em vez de continuamente pedir emprestado ao futuro, podemos e devemos fazer muito mais agora para garantir mais recursos para as gerações futuras, para que elas também tenham uma situação melhor do que seus pais e avós.

Meu medo é que essas quatro possibilidades sejam frustradas por nossa incapacidade de superar os danos causados pela pandemia de maneira decisiva. Certamente não seria a primeira vez que uma jornada imperfeita impede as economias de alcançar um destino promissor. Após a crise financeira de 2008, por exemplo, muitos formuladores de políticas foram tão rápidos em comemorar a vitória sobre a ameaça real de uma depressão global de vários anos que não prestaram atenção em garantir um crescimento robusto, inclusivo e sustentável de longo prazo. Particularmente nos países ricos, esse lapso agravou fragilidades estruturais de todos os tipos — econômicas, financeiras, institucionais, políticas e sociais — e esgotou seu potencial de recuperação.

Para evitar a repetição desse erro em 2021, conforme o mundo emerge da pandemia, os formuladores de políticas devem agir rápida e decisivamente em três áreas. Em primeiro lugar, precisamos garantir que podemos viver melhor com a covid-19. Mesmo que uma vacina seja aprovada em breve, sua produção e disseminação levarão vários meses. Além disso, não há garantia nem de alta taxa de adesão nem de eficácia duradoura. Portanto, podemos não atingir um nível adequado de imunidade de rebanho até o segundo semestre de 2021, e mesmo assim esse calendário é otimista. Muitas economias avançadas precisam restringir urgentemente as taxas de infecção de covid-19 e, ao mesmo tempo, desenvolver recursos essenciais de testagem e rastreamento, aprimorando a terapêutica e melhorando as comunicações. Em particular, os governos e os órgãos de saúde pública precisam fazer muito mais para reforçar a mensagem de que, embora represente dificuldades e sacrifícios, ter cuidado com a covid-19 é a única maneira de proteger a si mesmo, a família e a comunidade.

Em segundo lugar, os governos devem tomar medidas agora (tais como modernização da infraestrutura, investimentos em economia verde, reciclagem e requalificação de mão de obra e reforma tributária) para conter as crescentes pressões de longo prazo sobre o potencial crescimento. Se não agirem rapidamente, o mundo pós-pandemia será inundado por falências de empresas e prolongado desemprego. A concentração corporativa será maior, a globalização diminuirá, a competitividade cairá e a desigualdade de renda, riqueza e oportunidades será pior. A economia global será menos produtiva e mais fragmentada, com maior grau de insegurança financeira familiar. Tudo isso poderá resultar em obstáculos estruturais prolongados e difíceis de ser superados para a recuperação econômica.

Separação de embalagens de plástico para reciclagem: precisamos garantir recursos para as próximas gerações (Piyas Biswas/SOPA Images/LightRocket)

Terceiro, os formuladores de políticas devem abordar a dissociação das finanças da economia real, que se tornou tão radical que o futuro bem-estar econômico está em risco. A última coisa de que a economia global precisa é de uma onda de desalavancagem financeira desordenada em que o desenrolar da tomada de risco excessivo por parte das instituições financeiras não bancárias nos últimos anos danifique ou mesmo atrapalhe a recuperação econômica, por mais fraca que seja.

A falha em agir rapidamente em relação a esses três imperativos aumentará significativamente o risco de que a economia global pós-pandemia fique presa em um paradigma de crescimento insuficiente, desigualdade excessiva, rupturas sociais crescentes e crises periódicas de volatilidade financeira. Muitas pessoas já correm o risco de deslocamento econômico permanente devido às conse­quências relacionadas à pandemia e às mudanças estruturais incipientes. Uma resposta política lenta minará a energia, a criatividade e a adesão da comunidade, itens necessários para garantir uma transição sua­ve para oportunidades novas, produtivas e bem remuneradas.

Projetar uma grande recuperação econômica em 2021 e manter um crescimento forte e sustentável depois disso exigirá muito mais do que uma vacina contra a covid-19. Mas, com medidas ousadas, liderança inspiradora e um pouco de sorte, os formuladores de políticas podem ajudar a colocar a economia global no caminho certo.


*Mohamed A. El-Erian, consultor econômico-chefe na companhia de seguros Allianz, é autor do livro The Only Game in Town: Central Banks, Instability, and Avoiding the Next Collapse (Project Syndicate, 2020, http://www.project-syndicate.org). Tradução de Anna Maria Dalle Luche


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