Revista Exame

Por que 2024 é o ano da queda do juro — e das surpresas econômicas?

A desinflação é o grande tema mundial para 2024 e deve levar à queda a taxa de juro das principais economias

Bolsas americanas: juros elevados pressionam o rendimento dos índices nos EUA e ao redor do mundo (Leandro Fonseca/Exame)

Bolsas americanas: juros elevados pressionam o rendimento dos índices nos EUA e ao redor do mundo (Leandro Fonseca/Exame)

Janize Colaço
Janize Colaço

Repórter de Invest

Publicado em 23 de fevereiro de 2024 às 06h00.

Última atualização em 23 de fevereiro de 2024 às 10h00.

As últimas decisões monetárias de 2023 — sobretudo nos Estados Unidos — sinalizaram que a trajetória dos juros pode ter chegado ao seu teto e caminha para uma descida gradual. No entanto, dados econômicos recentes da maior potência do mundo têm colocado em xeque as apostas do início do corte. No final de janeiro, o Federal Reserve (Fed) manteve a taxa de juro pela quarta reunião seguida e não indicou quando pode iniciar o ciclo de corte. O choque mais recente entre projeções e realidade veio do descompasso entre indicadores dos EUA. De um lado, a inflação de 2023, mensurada pelo índice de preços ao consumidor (PCE, na sigla em inglês), ficou estável a 2,6%, em linha com o consenso. De outro, o payroll, relatório dos dados de emprego, divulgado na primeira semana de fevereiro, apontou a criação do dobro dos empregos urbanos esperados no mês anterior, com taxa de desemprego estável e valorização da hora trabalhada. A indefinição do que esses números dizem fez com que a precificação no corte na taxa de juro, inalterada no patamar entre 5,25% e 5,5% desde julho, prevista para março arrefecesse de 65% para 16% do início de 2024 para cá.

Para Felipe Miranda, sócio-fundador e estrategista-chefe da Empiricus Research, o relatório de emprego americano pode ter causado mais furor do que o necessário no mercado, tendo em vista as volatilidades sazonais que dados mensais costumam carregar. Ele diz que a economia americana passa por uma desaceleração menos intensa que a esperada. “Não acredito na tese de ‘no landing’ [que implica que a economia não entrará em recessão]. É fato que teremos um pouso, mesmo que suave.” Jerome Powell, presidente do Fed, sinalizou que não vai esperar a inflação efetivamente atingir a meta para iniciar o ciclo de corte. “Quanto mais tempo o Fed fica parado, mais o juro real aperta o torniquete monetário. A inflação estava a 5% e a taxa foi para 5,5%. Agora, ela caiu para 2,3% enquanto o juro nominal segue no mesmo patamar”, diz Miranda.

O cenário de taxa elevada pressiona os índices americanos. Economistas destacam que a crise de 2008 desencadeou uma maior dependência das companhias por estímulos de desenvolvimento, em meio a uma demanda menos aquecida. De lá para cá, a correlação entre essas trajetórias costuma ser distinta. Se os juros estão em alta, o mercado de ações tende a estar em baixa. Mas este ano tem trabalhado para contradizer o consenso. O S&P 500, a principal bolsa de valores dos EUA, atingiu máximas históricas e pela primeira vez fechou acima dos 5.000 pontos. Os responsáveis por esse mérito são os lucros das chamadas “Sete Magníficas” (Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla), contabilizados no quarto ­trimestre de 2023. Segundo Yves Bonzon, diretor de investimentos do banco suíço Julius Baer, o aumento acentuado da taxa de juro impulsionou os lucros das grandes empresas com balanços fortes. Além disso, ele diz que essas companhias são as mais preparadas para lidar com problemas na cadeia de abastecimento e a volatilidade dos preços da energia que prevaleceram no mundo pós-pandemia. “As sete magníficas são empresas que operam em setores com enormes mercados e diferentes economias. Os efeitos de escala e de rede são mais importantes e valiosos do que nunca.”

Dada a imprevisibilidade que o início de 2024 trouxe consigo, existe também a cautela com os impactos dos eventos mapeados para acontecerem — ou mesmo que devem se estender — neste ano. A campanha presidencial nos Estados Unidos promete ampliar o déficit do governo e colocar em jogo a sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas. Para o ano fiscal de 2023, a agência de classificação Fitch projeta um déficit superior a 9% do PIB americano, muito acima dos 3,7% reportados no ano anterior. No entanto, a deterioração do balanço orçamentário não tem impedido que os partidos apresentem propostas de cortes de impostos e gastos adicionais. Além disso, o que também tem força para fazer preço na economia, não somente a americana como também a global, é o candidato que será escolhido pelo Colégio Eleitoral e voto popular. Embora essa seja uma disputa acirrada entre o atual presidente dos EUA, Joe Biden, e seu antecessor, Donald Trump, caso o republicano retorne à Casa Branca, algumas peças devem se movimentar no tabuleiro geopolítico e influenciar os rumos da economia mundial.

Felipe Miranda, sócio-fundador e estrategista-chefe da Empiricus Research: quanto mais tempo o Fed fica parado, mais o juro real aperta o torniquete monetário (Leandro Fonseca/Exame)

Miranda aponta para a possibilidade de Trump retirar o apoio à Ucrânia, levando-a a ceder parte do seu território para a Rússia. “É um desrespeito com as fronteiras europeias estabelecidas no pós-1945. Mas, como o mercado é aético e apolítico, pode vir a ser um alívio de curto prazo em relação ao petróleo e seu impacto na inflação mundial”, diz. Na Europa, a promessa é de que o início do corte no juro, mantido desde setembro a 4,5% ao ano, aconteça a partir do verão do Hemisfério Norte. A atual inflação de 2,8% não está muito distante da meta de 2%. Ainda assim, a Zona do Euro precisa se manter alerta com dois riscos geopolíticos próximos. “O primeiro é justamente essa questão da Ucrânia, que impacta o custo da energia. Mas há ainda o conflito no Oriente Médio”, diz Lucas Farina, analista econômico da Genial Investimentos. Isso porque, além da região também afetar as variações do petróleo, no Mar Vermelho está o Canal de Suez, a principal rota marítima que liga a Europa com a Ásia. O desvio gera caminhos mais longos e elevação nos custos de transporte. “O Banco Central Europeu não pode se dar ao luxo de olhar apenas a situação interna de seus países-membros. Ele precisa prestar muita atenção ao que acontece na sua vizinhança.”

Em meio à turbulência na Europa e nos EUA, ventos da China incluem crise imobiliária, demanda enfraquecida e pessimismo no mercado de ações. O gigante asiático apresentou um dos menores PIBs em quase 30 anos, com avanço de 5,2% em 2023. A taxa de juro de um ano é mantida a 3,45% pelo Banco do Povo da China (PBoC) desde agosto passado. Chama também a atenção dos economistas o menor patamar inflacionário em 14 anos, com uma retração de 0,8% no índice de preços ao consumidor durante o primeiro mês deste ano. Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, explica que, sob essa conjuntura, a China tem exportado a deflação para o mundo, incluindo o Brasil. O movimento faz com que os preços dos produtos chineses, que por si só já são competitivos, fiquem ainda mais baixos. E isso inclui não apenas bens finais importados mas também insumos para a produção industrial de diferentes setores. Porém, o economista adverte que uma deflação grande pode se tornar uma problemática para a trajetória do juro por aqui. “Se o PIB chinês crescer abaixo do esperado em 2024, pode atrapalhar as empresas brasileiras que dependem do preço das commodities, como minério de ferro, soja e carne bovina, afetando nossa inflação e o ritmo de cortes na Selic.”

Ainda alimenta a cautela com o principal parceiro comercial do Brasil o aumento das tensões com Taiwan — que sedia a maior fabricante de semicondutores do mundo, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), avaliada em mais de 500 bilhões de dólares. Com isso, a China tem visto o investimento estrangeiro cair paulatinamente. Por sua vez, mercados emergentes como o brasileiro podem se tornar o novo destino desses investidores. Não por acaso, a bolsa de Xangai encerrou 2023 com 6,3% de queda, enquanto o Ibovespa teve o seu melhor desempenho anual em quatro anos, acumulando uma alta de 22,28%. Para Renato Nobile, gestor da Buena Vista Capital, a bolsa de valores brasileira tem margem para subir mais e atingir novos recordes, assim como os observados em dezembro. Ele lembra que o índice brasileiro tem sido negociado em cerca de sete vezes o múltiplo preço sobre o lucro (P/L), abaixo da média histórica, que é de 11 vezes. “A bolsa está descontada, pois mesmo batendo o seu recorde nominal ainda está barata em termos de dólar, e distante da máxima, se ajustarmos a inflação.” Nobile acrescenta que os cortes contratados da taxa básica de juro brasileira deverão atrair e potencializar novos investimentos, principalmente com outros países emergentes passando por momentos de crise, como a Rússia, Ucrânia e China. “O Brasil acaba sendo o preferido do mercado internacional por várias questões macroeconômicas, além de estar muito atrativo em termos de preço”, diz o gestor.

Acompanhe tudo sobre:1260

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda