Revista Exame

O ano da energia limpa

Em um 2025 marcado pela COP30 na Amazônia, o mundo volta os olhos para as fontes renováveis, e o Brasil tem condições de liderar de vez o setor em termos globais

Parque eólico em Camocim, no Ceará: alternativa no vasto cardápio de opções de energias renováveis no Brasil (Carolina Gehlen/Exame)

Parque eólico em Camocim, no Ceará: alternativa no vasto cardápio de opções de energias renováveis no Brasil (Carolina Gehlen/Exame)

Tiago Cordeiro
Tiago Cordeiro

Jornalista colaborador

Publicado em 20 de janeiro de 2025 às 16h00.

Última atualização em 20 de janeiro de 2025 às 16h32.

O ano que mal começou é tratado como decisivo para posicionar de vez o Brasil como protagonista global de um mercado em ebulição. Quando tiver início a 30a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, a COP30, em novembro, Belém, no Pará, estará no centro dos debates a respeito das transformações necessárias para conter o aumento da temperatura global. Na avaliação da ONU, o atual ritmo de mudanças está longe de ser suficiente para limitar o aquecimento global a 1,5 grau Celsius acima do nível pré-industrial, meta estipulada pelo Acordo de Paris, de 2015. Existe uma expectativa de que o encontro, no coração da Amazônia, proporcione avanços mais concretos — para muita gente, é agora ou nunca. Os desafios e as oportunidades sobre energia limpa serão tema do evento Renováveis, que será realizado pela EXAME no fim de janeiro.

“Nas últimas edições, as COPs não têm alcançado decisões relevantes para resolver o problema do clima. O mundo está desistindo de reduzir as emissões e segue um caminho de adaptação. Por outro lado, a diplomacia brasileira é conhecida por sua competência e pela capacidade de estimular debates importantes”, afirma Luiz Augusto Barroso, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e CEO da PSR. “De toda forma, a COP30 vai transformar o Brasil na capital mundial dos debates sobre as mudanças climáticas.”

Pavilhão do Brasil na COP29, no Azerbaijão: expectativa para o evento deste ano, que acontecerá na Amazônia (Leandro Fonseca/Exame)

Essencial para o funcionamento da economia global, o setor de energia é central nesse debate. De acordo com o -Statistical Review of World Energy, do Energy Institute, lançado em mea-dos de 2024, em 2023 o consumo de energia cresceu 2% em relação ao ano anterior e atingiu um recorde. O uso de combustíveis fósseis, que era para estar em queda, aumentou 1,5% e ainda responde por 81,5% do total, em termos globais.

Por outro lado, na Europa, pela primeira vez desde a Revolução Industrial, os combustíveis fósseis passaram a responder por menos de 70% da energia total gerada. E o relatório ainda mostra que 74% da capacidade de produção de eletricidade inaugurada no ano foi resultado dos investimentos em duas fontes, eólica e solar. Se em 2015, há dez anos, os investimentos em renováveis estavam na casa de 1 trilhão de dólares, em 2024 ultrapassaram os 2 trilhões de dólares, segundo a Agência Internacional de Energia.

“Nenhuma indústria existe sem o setor de energia. O momento é interessante, as empresas estão criando uma grande sinergia entre si”, avalia Guilherme Lockmann, sócio-líder para Sustentabilidade e o segmento de Power, Utilities & Renewables da Deloitte.

Crescimento em eletricidade

O Brasil está bem posicionado nesse cenário. Em primeiro lugar, já conta com uma matriz energética muito mais limpa do que a média mundial e com os padrões da maior parte dos países desenvolvidos. De acordo com a EPE, 49,1% da matriz energética brasileira e 86,1% da matriz elétrica são renováveis. Segundo a BloombergNEF, o total de investimentos do país em energia em 2023, 34,8 bilhões de dólares, é o sexto maior do planeta.

O Brasil é um exemplo para o mundo, disse à EXAME Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, durante o Future Mi-nerals Fórum, na Arábia Saudita. “Saindo do seio da floresta, que é o pulmão da sustentabilidade global, o Brasil não só dá exemplos ao mundo mas também reforça a governança climática global. A transição energética e a sustentabilidade são pilares de sobrevivência. E elas vão acontecer, por bem ou por mal.”

Carregadores de carro elétrico em Baidu, na China: mesmo com investimentos na área, uso de combustíveis fósseis vem crescendo (Leandro Fonseca/Exame)

Os avanços em eletricidade são expressivos. Nos primeiros dez meses de 2024, foram instaladas novas usinas que agregaram 9,1 gigawatts para a matriz elétrica centralizada, sendo que 8,87 gigawatts são renováveis, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). As grandes estrelas desse avanço são o sol e o vento. E o uso do sol, em especial, tende a seguir em alta. De acordo com o Plano Mensal de Operação (PMO), do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que estabelece previsões para o período entre 2024 e 2028, a energia solar centralizada deverá adicionar mais 7.372 MW de capacidade de geração centralizada.

Por outro lado, é preciso aumentar a infraestrutura de transmissão, para evitar os casos recentes de desperdício de energia renovável, de fontes solar e eólica, gerada principalmente no Nordeste, já que a produção não acontece nos mesmos horários do pico de -demanda. Dois leilões foram realizados em 2024, o primeiro com previsão de receber 18,2 bilhões de reais em investimentos e o segundo com perspectiva de alcançar 3,35 bilhões de reais. Em 2023, já havia sido realizado outro, de 21,7 bilhões de reais.

“O Brasil está bem posicionado e caminha na direção de diversificar o portfólio. Fizemos uma guinada forte para fontes intermitentes, mas não podemos ficar dependentes delas. Nesse sentido, o leilão para contratar baterias e sistemas de armazenamento de energia, a ser realizado em 2025, representa uma boa notícia”, avalia Lockmann, da Deloitte, fazendo referência a uma ação do governo, anunciada por Silveira em setembro, e que tem por objetivo acelerar a compra de tecnologias de armazenamento desenvolvidas principalmente na China.

Outro potencial do país se baseia na exploração de insumos relevantes para essa indústria, como aponta o ministro na entrevista à EXAME. “Precisamos fortalecer a governança global da exploração dos minerais críticos. Há uma compreensão de que esses minerais, pelo conhecimento do subsolo hoje no mundo, estão muito concentrados. E não há transição energética sem exploração adequada, sustentável e socialmente responsável.”

Uma forma de reduzir a dependência de fontes intermitentes seria investir em pequenas centrais hidrelétricas, as PCHs, argumenta Charles Lenzi, presidente executivo da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel). “Existem mais de 600 projetos aprovados na Aneel em fase de busca por licenciamento ambiental e viabilidade econômica. São usinas que podem ser distribuídas em todo o território nacional, geram emprego e renda e demandam tecnologia que o Brasil domina e equipamentos produzidos por aqui. Em paralelo, grandes empresas do setor têm trabalhado para reforçar o potencial brasileiro de geração de eletricidade. “Acreditamos que o país reúne as condições necessárias para protagonizar a transição energética global”, diz o diretor-presidente da Engie Brasil Energia, Eduardo Sattamini.

A empresa mantém atualmente um conjunto fotovoltaico, um conjunto eólico e dois sistemas de transmissão em implantação. Em janeiro, a -Aneel autorizou a entrada em operação comercial da primeira usina do Conjunto Fotovoltaico de Assú Sol, com 40,5 megawatts. Sua ativação representa 5,4% da capacidade instalada total, que será composta de 16 parques fotovoltaicos. “A previsão da companhia é investir, até 2026, mais de 8,3 bilhões de reais em conjuntos eólicos e fotovoltaicos, além de sistemas de transmissão”, diz Sattamini.

Combustível sustentável

Na frente dos combustíveis, onde o Brasil é case global com o etanol, a grande notícia recente foi a aprovação de uma nova legislação. A Lei do Combustível do Futuro autoriza mudanças importantes no abastecimento dos motoristas brasileiros: a partir de agora, o biodiesel poderá ser acrescentado ao diesel derivado de petróleo, em 1 ponto percentual de mistura, que crescerá anualmente a partir de março de 2025, até atingir 20% em março de 2030. O percentual atual é de 14%. No caso do etanol, a mistura na gasolina, que atualmente vai de um mínimo de 18% a um máximo de 27,5%, vai passar a ser de 22% a até 35%.

O texto também estabelece metas para as companhias aéreas, de forma a incentivar o desenvolvimento do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês), atrelado a metas de descarbonização. Em 2027 e 2028, as companhias aéreas deverão diminuir a emissão de gases de efeito estufa em, no mínimo, 1% ao ano. A partir de 2029, a meta de redução aumenta 1 ponto percentual anualmente até 2037, quando deverá atingir pelo menos 10%.

O SAF está no foco de um ambicioso plano de investimento em energias renováveis da Vibra, uma empresa tradicionalmente vinculada aos combustíveis fósseis, mas que recentemente anunciou a criação de uma vice-presidência de energia renovável e ESG, acompanhada do compromisso de investir 4 bilhões de reais em transição energética, com ampliação do foco em biocombustíveis.

Um passo importante para a diversificação da Vibra foi a aquisição da totalidade da empresa de energia Comerc, que detém 16% de market share na gestão de clientes no Mercado Livre de Energia e opera mais de 100 usinas solares, que somam 1,8 GWp de capacidade instalada, 2,1 GW considerando as eólicas. Formalizado em janeiro de 2025, o negócio foi fechado por 7,05 bilhões de reais.

“A expectativa é que o consumo de combustíveis líquidos ainda deve se manter forte nos próximos dez a 15 anos em todo o mundo. Enxergamos o etanol e outros biocombustíveis como agentes importantes dessa transição”, diz Clarissa Sadock, CEO da Comerc.

A estratégia inclui um investimento no aumento da capacidade de produção de biometano, em uma parceria com a ZEG Biogás, utilizando a vinhaça da cana-de-açúcar para substituir o gás natural. A Vibra também foca a eletromobilidade, com base na startup EZVolt, que desenvolveu uma estrutura de mais de 2.000 quilômetros de extensão, totalizando 15 eletropostos de alta potência nas rodovias.

Esta é uma tendência mundial: de acordo com a empresa de pesquisas Extrapolate, o mercado global de biocombustíveis, estimado em 147 bilhões de dólares em 2023, deve atingir 235 bilhões de dólares até 2031, resultado de uma taxa de crescimento anual composto de 5,8%.

Tendências futuras

O setor de energia tem, portanto, avançado na direção de descarbonizar suas fontes, tanto de eletricidade quanto de combustíveis. Mas não no ritmo necessário, especialmente quando se considera o aumento de demanda previsto para os próximos anos. De acordo com a previsão da empresa norueguesa Rystad Energy, apenas os data centers vão mais do que dobrar a necessidade de energia até o fim da década, alcançando 860 TWh. “Uma parte expressiva da demanda por eletricidade, especialmente em países líderes em tecnologia, como os Estados Unidos, virá de data centers e do avanço da inteligência artificial”, diz Lockmann, da Deloitte.

A demanda por novos investimentos é alta e não vem sendo atendida de forma suficiente. Para o ano que se inicia, é preciso mudar esse cenário com urgência, diz Barroso. “Precisamos instalar as tecnologias e as fontes de produção competitivas e trazer os serviços para a operação do sistema fazer a entrega da melhor forma possível.”

Usina na China: país aposta em energia proveniente de fissão, mas também é líder em investimento em fontes renováveis (Leandro Fonseca/Exame)

Biocombustíveis, acompanhados da eletrificação da frota e da energia eólica e solar, continuam relevantes para apoiar a transformação do setor de energia. Mas o mercado também olha para outras tendências, que dependem de avanços em tecnologia e de mudanças regulatórias. O hidrogênio verde se enquadra no primeiro caso: investimentos já existem, mas ainda há muito a avançar para ganhar escala — um cenário que pode mudar com o suporte regulatório da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, sancionada em agosto, que regulamenta a produção de hidrogênio considerado de baixa emissão de carbono e institui uma certificação voluntária. De toda forma, na previsão da Deloitte, o mercado para a solução deve chegar a 642 bilhões de dólares em 2030, 980 bilhões de dólares em 2040 e 1,4 trilhão de dólares em 2050.

Já as eólicas offshore, que estão no radar das empresas que já operam em alto-mar, dependiam da autorização legal brasileira para funcionar — e ela chegou, em janeiro deste ano, com a sanção do Projeto de Lei no 576, de 2021, que estabelece diretrizes para o aproveitamento para a geração de energia em áreas sob domínio da União, como o mar territorial, a zona econômica exclusiva e a plataforma continental. A lei determina que a exploração offshore de energia se dê por meio de contratos de autorização ou concessão. É um mercado promissor, com 75,2 gigawatts de capacidade acumulada em 2023, com participação importante da China, do Sudeste Asiático e da Europa.

Com biocombustíveis, hidrogênio verde, reforço em energia solar e eólica, e eventualmente em pequenas hidrelétricas, o Brasil tem capacidade para explorar o melhor de cada alternativa do vasto cardápio de opções que as energias renováveis proporcionam. É mais um ponto favorável ao país, a ser explorado na edição número 30 da COP, a ser realizada, de forma tão simbólica, na Amazônia. “No grid de largada para a economia de baixo carbono, o Brasil está bem posicionado. Aqui, a energia mais barata é também a mais limpa. A COP vai ser uma vitrine para o país fazer seu showcase e demonstrar onde mais pode contribuir”, avalia Barroso, da PSR.

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