Revista Exame

O que o ano de 2018 reserva para o Brasil e o mundo

Eleições no Brasil, mudança no Fed, Tite à frente da Seleção em ano de Copa, uma Rússia pequena para Putin e o mundo dos negócios: o que 2018 nos reserva

Lula: depois do julgamento de 24 de janeiro, existem vários desdobramentos possíveis (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

Lula: depois do julgamento de 24 de janeiro, existem vários desdobramentos possíveis (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 18 de janeiro de 2018 às 06h25.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 10h02.

Desde que o Brasil voltou a ter eleição direta para a presidência da República, há quase 29 anos, o nome de Luiz Inácio Lula da Silva tem participação proeminente na disputa — em duas delas, em 2002 e 2006, foi o vencedor. Neste ano, ele não quer deixar por menos. Se possível, concorrerá diretamente ao Palácio do Planalto. Mas, se for impedido por seus percalços com a Justiça, Lula, ainda assim, tenciona influir na peleja, designando o candidato do PT e empenhando sua popularidade para tentar levá-lo ao segundo turno. No ano em que deve completar 73 anos, porém, o que está em jogo para Lula é muito mais do que a influência na eleição. Está em questão a própria biografia do principal líder da esquerda brasileira nas últimas quatro décadas — algo que, de dois anos para cá, vem se deteriorando na velocidade e na proporção em que avançam denúncias, comprovações de crimes e punições contra membros de seu partido. Para os petistas e demais apoiadores de Lula, a batalha em curso é pela narrativa que vai prevalecer nos livros. Vítimas de um golpe urdido pelas elites — da Justiça à mídia — para interromper a trajetória de um governo popular? Ou apenas parte dos atingidos num processo de evolução da democracia, em que o combate à corrupção e a aplicação da Justiça começam a alcançar qualquer cidadão, mesmo os mais poderosos?

Uma data-chave é o dia 24 de janeiro, quando deve ser julgada a apelação contra a sentença dada pelo juiz Sergio Moro, condenando o ex-presidente a nove anos e meio de prisão. A partir daí, há diferentes desdobramentos possíveis. Lula pode ser absolvido e disputar a eleição presidencial. Se for condenado, pode ser preso. Mas pode também recorrer (ele disse recentemente que faria isso) e concorrer à Presidência até que sejam esgotados todos os recursos — tornando a campanha que está por vir mais conturbada e imprevisível. No meio da confusão, é provável que mantenha o papel de protagonista. Apesar de a Justiça ter colocado o PT no centro de um amplo esquema de corrupção, Lula manteve a dianteira nas pesquisas de intenção de voto feitas até agora. Os resultados das últimas eleições mostram que o PT perdeu espaço, mas Lula preservou boa parte da capacidade de mobilizar eleitores e influenciar o cenário político.

A decisão (ou as decisões) da Justiça sobre o ex-presidente e também sobre outros políticos e empresários envolvidos em denúncias de corrupção se tornou determinante para o destino do país. A Operação Lava-Jato avançou mais do que qualquer brasileiro imaginava, quando, em março de 2014, foram expedidos os primeiros mandados de busca e apreen-são direcionados a doleiros e funcionários da Petrobras — um deles tinha como alvo um posto de combustíveis em Brasília, que deu origem ao nome da operação. Mas o fantasma de sua contraparte italiana, a Operação Mãos Limpas, ainda não foi devidamente exorcizado. Depois de um início auspicioso, as investigações na Itália terminaram com um acordão entre os políticos e com a fixação de penas brandas para muitos acusados — o que, segundo alguns dos juízes que participaram da operação, não diminuiu a corrupção no -país, apenas mudou seus atores. O medo de retrocessos na Lava-Jato fica evidente sempre que acontece alguma mudança na força-tarefa ou nos profissionais ligados às investigações. As decisões em torno do caso Lula poderão também significar a consagração da Lava-Jato ou o encaminhamento para um final frustrante.

Se a viabilidade da candidatura de Lula à Presidência é uma incógnita, o que ele fará se ele próprio ou algum candidato do PT conseguir chegar ao Planalto é ainda mais incerto. Um novo governo petista seria parecido com o primeiro mandato de Lula, de 2003 a 2006, quando a responsabilidade fiscal, o controle da inflação e o respeito a contratos ainda estavam entre as prioridades? Ou seria, como defendem muitos de seus adeptos, intervencionista como o de Dilma Rousseff? Quem seriam seus aliados no Congresso? Depois da recessão recente, o Brasil tem pouquíssima margem para experimentos na economia — e para mais turbulência nos mercados. O novo rebaixamento da nota de risco do país pela agência Standard & Poor’s, no início de janeiro, reforçou a incerteza sobre o cenário que vai prevalecer no próximo ciclo presidencial. A definição de fato começa com o resultado do julgamento de Lula.


POLÍTICA

O TRUNFO DA PACIÊNCIA

Sem estardalhaço, Geraldo Alckmin venceu rivais dentro do PSDB e conquistou o comando do partido. Agora, precisa brigar por votos


Geraldo Alckmin: ele aposta na bandeira do Estado menor e mais eficiente | Alexandre Carvalho/A2img

Esperar foi a arma do governador paulista Geraldo Alckmin para conquistar duas vitórias importantes em 2017. A primeira foi manter a cabeça fria quando seu pupilo, João Doria, prefeito de São Paulo, lançou balões de ensaio para testar uma possível candidatura à Presidência, passando por cima do mentor. Sem entrar no ringue, Alckmin viu Doria ser nocauteado pela própria pressa. A segunda vitória foi, mais uma vez, resultado da paciência. Deixou que os dois grupos que disputavam o controle do PSDB — o de Tasso Jereissati e o de Aécio Neves — se desgastassem e surgiu como o nome de (quase) consenso para presidir o partido e amealhar a candidatura à Presidência da República. Alckmin também não precisou agir para que a candidatura do apresentador de TV Luciano Huck morresse — pelo menos, por enquanto. Dessa forma, e graças a seu histórico de quatro vezes governador do maior estado do país e de candidato à Presidência que levou ao segundo turno uma disputa com o presidente Lula no auge da popularidade, Alckmin começa 2018 como um forte candidato a disputar o comando do país.

Mas, se a paciência o garantiu até aqui, dificilmente será o bastante para levá-lo à vitória. Por ora, o deputado Jair Bolsonaro domina boa parte do campo anti-Lula. Para chegar ao segundo turno, Alckmin vai ter de se expor mais (e evitar que suspeitas de tramoias na licitação do metrô o atinjam). Os primeiros sinais de disposição mais aguerrida já foram dados: Alckmin vai se apresentar como paladino da reforma da Previdência e da responsabilidade fiscal. Ele assume que tem pouco carisma, mas aposta que pode convencer os eleitores com uma pauta de Estado menor e mais eficiente, competitivo e moderno. É esperar para ver.


POLÍTICA

LÁ VEM O MESSIAS

Uma incógnita do ponto de vista econômico e defensor do indefensável, Jair Messias Bolsonaro se esforça para se tornar (ou parecer) menos radical 

Jair Bolsonaro: ele tem fãs no extremo, mas precisa ganhar adeptos no centro e uma base partidária | Christopher Goodney/Getty Images

Quase ninguém chama o deputado federal Jair Messias Bolsonaro pelo primeiro nome. Ele é conhecido pelo sobrenome — mas é o nome do meio que melhor explica o que ele se tornou para parcela significativa do eleitorado: o salvador da pátria, a força vital que se opõe à figura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o porta-estandarte de posições extremadas do conservadorismo, do nacionalismo, do machismo. Num cenário de polarização política, Bolsonaro ocupou o posto de principal opção contra a esquerda, pelo menos antes do início da campanha eleitoral. Apareceu consistentemente no último ano como o segundo colocado nas pesquisas, atrás de Lula. Ex-militar que fez carreira política como uma espécie de sindicalista da caserna, Bolsonaro está no sétimo mandato e caminha para o nono partido político. Defende o regime militar que governou o Brasil até 1985, já fez declarações a favor da tortura, disse sonegar “tudo o que é possível” e fez campanha contra os direitos dos homossexuais. Em sua página na internet, o lema é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Condizente com sua defesa do regime militar, costumava aderir a um projeto econômico de Estado desenvolvimentista — e chegou a se alinhar ao PT de Lula, a quem hoje trata como o diabo. Mas agora sustenta algumas bandeiras liberais, como o corte de subsídios à indústria e as privatizações. É difícil dizer, no entanto, quanto essa conversão é genuína e quanto é cálculo político. Recentemente, Bolsonaro reclamou do fato de os chineses estarem “comprando o Brasil”. Para tentar afastar as dúvidas que ainda pairam sobre suas convicções, declara não entender muito de economia e anunciou um “namoro heterossexual” com o economista Paulo Guedes, liberal respeitado, a quem poderia chamar para o Ministério da Fazenda. Seu desa-fio é livrar-se da pecha de extremista para angariar apoio no centro e entre os liberais clássicos. No campo ético, precisa dar explicações mais convincentes sobre a multiplicação de seu patrimônio desde que entrou na política, em 1988 — segundo uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo, ele e seus três filhos políticos são donos de imóveis avaliados em cerca de 15 milhões de reais.

Por fim, para se candidatar, precisa se entender com algum partido. No início do ano, anunciou que iria para o Partido Social Liberal (PSL), que lhe prometeu o controle do diretório nacional (e, consequentemente, da verba para a campanha). A mudança só deve ser oficializada em março, mas uma ala do PSL, a Livres, já reagiu, retirando-se da sigla. No PSL, assim como no PEN ou no PSC, Bolsonaro terá o mesmo significativo obstáculo. Por serem pequenos, esses partidos têm pouco tempo de TV, um dos fatores decisivos para a eleição. A não ser que consiga formar um abrangente arco de alianças, Bolsonaro poderia ter, segundo projeções, menos de 10 segundos de aparição na TV em cada bloco da campanha. E seria contemplado com parcela diminuta do fundo eleitoral. Bolsonaro sonha em se firmar como opção razoável, e não como um extremista radical, ou um sonegador contumaz, para ter chance de se tornar o próximo presidente. Só aí valeria seu primeiro nome, lembrado por alguns de seus fãs na internet: “É bom Jair se acostumando…”


POLÍTICA

DE CASA EM CASA

Guilherme Boulos, o líder carismático do movimento dos sem-teto, pode ser o futuro da esquerda no país. Mas, para isso, precisa ir além das invasões

Guilherme Boulos: ele diz que só será candidato à Presidência em 2018 se Lula for impedido pela Justiça | Roberto Parizotti/CUT

Aos 19 anos, o paulista Guilherme Boulos deixou a casa do pai, um dos maiores infectologistas do Brasil, e foi viver num acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. Quinze anos depois, está casado com uma militante, com quem tem duas filhas, e mora num bairro da periferia de São Paulo. Nesse ínterim, galgou postos até a liderança do MTST, orquestrando ocupações de terrenos e imóveis. Bem falante, formado em filosofia e psicologia, reflete agora se vale a pena uma tentativa de ocupar um imóvel de 7 000 metros quadrados no coração de Brasília: o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. Boulos tem dito a amigos que só tentará o movimento, concorrendo pelo PSOL, caso o ex-presidente Lula seja impedido pela Justiça de concorrer às eleições. Não que ele endosse os projetos de Lula ou do PT. Boulos está bem mais à esquerda. Admirador de Fidel Castro e de Hugo Chávez, defende a reestatização de empresas, inclusive dos setores de telefonia e energia, e a revogação das reformas do governo de Michel Temer, além de substancial aumento de imposto para “os ricos”. Tudo o que deu errado no governo de Dilma Rousseff, ele quer tentar de novo, com mais ênfase: usar recursos das reservas internacionais e o depósito compulsório dos bancos (dinheiro que é dos correntistas) para fazer investimentos estatais e movimentar a economia, reduzir na marra a taxa de juro, usar os bancos públicos para ampliar o crédito à população de baixa renda e aos microempeendedores. Na visão do movimento Vamos!, do qual Boulos é um dos líderes, essas iniciativas falharam não por ir contra a lógica do mercado, mas por não ter ido mais longe. A ambição do MTST não é reformar o capitalismo, é acabar com ele.

Boulos ganhou importância não só por seu carisma — que atrai jovens idealistas e tem o apoio de vários representantes da classe artística. Ele se beneficiou do crescimento das cidades, o que potencializou o problema da habitação urbana. Foi assim que o MTST ultrapassou em visibilidade o MST que lhe deu origem. Suas várias vitórias, incluindo a bem orquestrada “Copa do Povo”, com invasões perto do Itaquerão, o estádio do Corinthians, em São Paulo, lhe deram projeção extra. Mas também críticas: a tática de pressionar o poder público com ocupações leva o MTST a furar a fila de espera dos programas habitacionais. Assim, segundo o Ministério Público de São Paulo, o movimento cresce porque quem adere a ele é atendido mais rapidamente. Essa estratégia, porém, só faz sentido para favorecer os interesses de um grupo. Para alçar voos maiores, Boulos precisa de um olhar nacional.


JUSTIÇA

O PULSO DA LAVA-JATO

Vista com desconfiança ao assumir a Procuradoria-Geral, há menos de um ano, Raquel Dodge já coleciona embates com o governo

Raquel Dodge: única mulher a chefiar o Ministério Público, ela apoiou o envio à Câmara da denúncia contra Michel Temer | José Cruz/Agência Brasil

Para que o Ministério Público Federal tivesse uma mulher na chefia pela primeira vez, foi preciso que o presidente Michel Temer quebrasse uma tradição que se firmava desde 2003, a de indicar para o cargo o candidato mais votado na eleição interna de procuradores. Raquel Dodge ficou em segundo lugar. É pouco provável que Temer tenha tomado a decisão como um gesto simbólico de igualdade entre os gêneros — a montagem de seu ministério mostrou que essa não é uma de suas preocupações mais prementes. O mais certo é que ele tenha adotado o milenar preceito de que “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”. O inimigo em questão era Rodrigo Janot, o antecessor de Raquel, que colecionou animosidades no correr da Operação Lava-Jato, inclusive com dois pedidos de processo contra o presidente. A rivalidade de Raquel e Janot, porém, era mais de estilo do que de ideologia. Embora ela tenha se encontrado com Temer fora da agenda oficial, alimentando boatos de que frearia a Lava-Jato, seu histórico e seus primeiros meses no cargo indicam que Raquel até poderá seguir num ritmo mais cuidadoso, mas isso talvez seja ainda menos auspicioso para os acusados.

Goiana de 56 anos, católica de ir à missa, Raquel Dodge é descrita como uma pessoa calma, persistente, ambiciosa, tecnicamente competente, capaz de trabalhar várias horas seguidas… e corajosa. Na década de 90, fez parte da equipe que investigou os crimes do deputado Hildebrando Pascoal, conhecido pela reveladora alcunha de “assassino da motosserra”. Única mulher do grupo, ela amamentava um dos filhos quando foi ao Acre tomar depoimentos. Em 2009, coordenou a Operação Caixa de Pandora, que investigou um esquema de corrupção no Distrito Federal, e pediu a prisão preventiva do então governador José Roberto Arruda. Mas Raquel não acredita que o combate à corrupção seja o único papel do MP. Foi autora de um pedido ao Conselho Superior do Ministério Público para limitar a quantidade de procuradores na Lava-Jato, para não sobrecarregar os demais funcionários. Janot se irritou. O Conselho manteve a proposta, mas postergou a entrada em vigor para este ano. Se havia no governo alguma expectativa de docilidade, ela tem sido frustrada. Raquel foi favorável ao envio à Câmara da denúncia contra Temer por obstrução da Justiça e organização criminosa (a acusação acabou barrada em plenário). Também recorreu ao STF para anular o decreto de indulto de Natal de Temer, que beneficiou detidos pela Lava-Jato, e entrou com uma ação contra a decisão do governo de gastar 99 milhões de reais em campanha a favor da reforma da Previdência. Ainda há desconfiança em relação à nova procuradora-geral por parte dos mais aguerridos procuradores da Lava-Jato, insatisfeitos por considerar que o ritmo das investigações caiu. Mas, a esta altura, já parece seguro dizer que o inimigo do meu inimigo pode ser apenas um inimigo diferente.


CHINA

AINDA MAIS PODEROSO

Com suas ideias incluídas na Constituição, e apoiado por Donald Trump, o presidente chinês, Xi Jinping, ganha influência dentro e fora da China

Xi Jinping: sua campanha anticorrupção também atingiu opositores | Fred DUFOUR/POOL/AFP PHOTO

Para quem ainda acreditava que o avanço da economia de mercado levaria a China a um futuro democrático, o ano passado trouxe uma espécie de golpe de 64. Não a troca de um regime democrático por uma ditadura militar, mas o fim das expectativas de uma abertura política. Aos 64 anos, o presidente chinês, Xi Jinping, cimentou seu poder a tal ponto que seus pensamentos foram incluídos na Constituição chinesa — uma honra que só tiveram o pai da revolução comunista do país, Mao Tsé-tung, e o pai das reformas capitalistas, Deng Xiaoping. Tão expressiva quanto a simbologia de carimbar seu nome na Constituição foi a ausência de nomes para sua linha sucessória, um costume do Partido Comunista Chinês (PCC). Ou seja, Xi parece disposto a governar para bem além dos próximos cinco anos. Filho de um revolucionário de primeira hora, Xi viu o pai cair em desgraça durante um dos vários expurgos promovidos por Mao em 1962. Viu de perto, mas acompanhou de longe a queda do pai: aos 15 anos, ele foi enviado a um campo no interior do país, onde passou sete anos em “reeducação”. Quando foi reabilitado, o pai de Xi ajudou a implantar as Zonas Econômicas Especiais, que impulsionaram o fabuloso período de 40 anos de crescimento baseado em mão de obra barata e investimentos ocidentais. Xi se formou engenheiro e foi finalmente aceito nos quadros do PCC. Subiu aos poucos na hierarquia do partido, trabalhando em governos das províncias. Sua trajetória foi lenta, gradual e segura.

A Olimpíada de 2008 consolidou Xi — o supervisor da organização dos Jogos — como o futuro líder do partido, e do país. Em 2012, ele se tornou presidente. Seu maior desafio era lidar com a perda de fôlego da economia, que crescia a um ritmo menos impressionante do que no passado. Sua resposta foi uma espécie de “sonho chinês” — colocar o país no centro do poder mundial. Em suas palavras, agora inscritas na Constituição, trata-se do “pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para a nova era.” Para implantar esse tal socialismo, Xi lançou uma campanha anticorrupção que atingiu mais de 1 milhão de pessoas, de todos os escalões do partido. A ação parece combater também desvios de ideologia: vários dissidentes e opositores de Xi entraram nas listas da polícia. Em seus planos de passar a ser a primeira potência do planeta, a China tem sido ajudada por Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Um de seus primeiros atos no poder foi retirar os Estados Unidos do Tratado Transpacífico, cuja principal função geopolítica era manter a predominância regional chinesa em xeque. Em junho, Trump anunciou que os Estados Unidos sairiam do esforço internacional para conter as mudanças climáticas, abrindo caminho para a liderança chinesa. Se a China conseguir destronar os Estados Unidos, isso ainda levará muito tempo. Mas Xi parece querer ficar no comando do país até lá.


ESTADOS UNIDOS

NA DOSE CERTA

Jerome Powell assumirá o banco central americano com a missão de calibrar a recuperação da economia — e os ânimos de democratas e republicanos

Jerome Powell: o advogado foi indicado por Donald Trump, mas espera-se que ele continue as políticas dos antecessores | T.J. Kirkpatrick/Getty Images

Em fevereiro, Jerome Powell tomará posse como novo presidente do Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos. Será um raro não economista a ocupar o cargo: Powell fez carreira em bancos de investimento, mas é advogado de formação. Sua escolha rompeu uma tradição. Os últimos presidentes americanos acharam por bem manter os líderes do Fed indicados por seus antecessores, mesmo que de partido adversário. Mas Donald Trump sendo Donald Trump acusou a primeira mulher a ocupar o cargo, Janet Yellen, de ser partidária dos democratas e resolveu ele mesmo fazer a nomeação — um direito seu, ainda que o Fed seja um órgão com autonomia em relação ao governo.

Ante todos os nomes que foram aventados, Powell acabou sendo uma escolha moderada. Ele já faz parte do colegiado do Fed desde 2012 (indicado pelo ex-presidente Barack Obama) e, embora republicano, consegue agradar e desagradar aos dois partidos em igual medida. Na sessão de sabatina em que um comitê do Senado o aprovou, Powell respondeu aos democratas que não via necessidade de mais regulamentação no mercado financeiro, mas disse aos republicanos que não pretendia repelir as regulamentações existentes — embora proponha facilitá-las para os bancos menores. Trata-se de uma das questões que dividem o país: a crise de 2008 acarretou uma série de regras restritivas à atividade financeira que os republicanos querem atenuar, enquanto parte dos democratas quer reforçar. Pelo que mostrou até agora, Powell será menos um aliado de Trump do que um continuador das políticas de seus antecessores. Desde que está no Fed, ele jamais se opôs a uma decisão de Janet Yellen nem de Ben Bernanke, que presidiu o BC americano até 2014. Isso incluiu o apoio à elevação das taxas de juro quatro vezes nos últimos cinco anos. Espera-se que ele mantenha a elevação gradual das taxas de juro se a economia continuar dando sinais positivos. Sobre outros temas espinhosos, como a redução de impostos para empresas e para os mais ricos, medida que pode aumentar o déficit federal, ele disse não ter opinião pessoal.

Mesmo que Trump não possa contar com Powell como um aliado, ele ainda terá a oportunidade de mudar a cara do Fed a seu gosto. Além de Yellen, que anunciou que não permanecerá no órgão, outros três, dos sete membros do colegiado que define as políticas monetárias do país, estão de saída.


RÚSSIA

18 ANOS NO COMANDO. E CONTANDO

Criticado no exterior, mas apoiado pela maioria da população russa, Vladimir Putin vai concorrer à Presidência da Rússia pela quarta vez

Vladimir Putin: sua popularidade é de cerca de 85%, apesar da crise | Mikhail Klimentyev/Kremlin/Sputnik/REUTERS

A Rússia pode ser o maior país do mundo, mas parece ter ficado pequena para Vladimir Putin, que está há 18 anos no poder. Nem mesmo interferir nos destinos da Ucrânia, anexando a região da Crimeia, ou estender sua influência na Síria em guerra estava sendo suficiente. Que tal, então, dar uma chacoalhada na maior potência do planeta, o antigo rival russo do mundo bipolar dos tempos da Guerra Fria? É bem possível que Putin, além de governar com mão de ferro seu país, tenha definido os rumos da política dos Estados Unidos. Pelo menos é nisso que acredita a comunidade de inteligência americana, que expressou uma “alta confiança” de que o governante russo tenha pessoalmente ordenado uma campanha repleta de notícias falsas para desestabilizar a candidatura de Hillary Clinton e aumentar as chances do rival, o republicano Donald Trump. Putin nega. Como nega o envenenamento em Londres do ex-espião Alexander Litvinenko, um crítico de seu governo, em 2006, ou como negou a presença de militares russos disfarçados no plebiscito em que a Crimeia votou pela anexação russa em 2014 (recentemente, ele a admitiu).

Com um misto de culto à personalidade, controle de uma máquina de repressão eficiente e populismo nacionalista, Putin goza de uma popularidade próxima de 85% na Rússia — mesmo com o país tendo sofrido uma crise tão aguda quanto a brasileira graças à desvalorização das commodities. Em dezembro, ele anunciou uma disputa que ninguém acredita que possa perder: vai concorrer à Presidência pela quarta vez. Contando um mandato de um ano como primeiro-ministro, os dois mandatos de quatro anos como presidente, um segundo mandato de quatro anos como primeiro-ministro (porque a Constituição não lhe permitia seguir como presidente) e um mandato de seis anos como presidente (depois de reformar a Constituição para esse alongamento), a nova eleição poderá levar Putin a acumular 24 anos no poder, menos apenas do que Joseph Stalin, que governou durante 29 anos.


FUTEBOL

ALÍVIO APÓS O 7 A 1

Sob o comando de Tite, a seleção brasileira se reergueu e pode fazer bonito na Copa da Rússia. A torcida agradece

Tite: para se preparar, ele e sua equipe analisaram 138 jogos e 36 clubes | Leandro Fonseca

É sempre difícil avaliar quanto um líder é responsável pelo desempenho da organização. Mesmo em casos de incontestável sucesso, não há modo de comparar com o contrafactual: qual teria sido o resultado se a equipe fosse outra, quanto houve de esforço coletivo no brilho individual? Em algumas raras ocasiões, no entanto, acontece algo similar a uma experiência controlada: tudo permanece igual, só uma peça da engrenagem muda. Nessas horas, é plausível acreditar que a mudança de peça tenha provocado ou pelo menos influído em alto grau na mudança de resultados. Foi o que aconteceu em 2017 com a seleção brasileira de futebol. Após o vexame das partidas finais da Copa do Mundo de 2014, um novo técnico, Dunga, arrastava o time nas eliminatórias para a Copa seguinte com resultados pífios: 9 pontos em seis jogos, que permitiam vislumbrar uma Copa da Rússia sem participação brasileira. E então aconteceu Adenor Leonardo Bachi, o Tite. Foram nove vitórias nos nove primeiros jogos; 32 pontos em 12 jogos, o primeiro lugar do grupo e certa volta de confiança no time.

Curiosamente, o segredo de Tite é não ser tão autoconfiante quanto Felipão, o técnico da Copa de 2014, que tentou enfrentar a Alemanha de igual para igual e tomou… você se lembra. Mesmo tendo sido Felipão o treinador que o promoveu como jogador, involuntariamente lhe deu o apelido ao confundi-lo com outro atleta e lhe abriu portas como técnico. Tite, desde o início da carreira de técnico, trata de estudar os adversários e testar suas opções. No comando da seleção, ele e sua equipe técnica assistiram a 138 jogos — 73 pelo mundo e 65 no Brasil — e visitaram 36 clubes no Brasil, na Europa e na China. Tudo para observar jogadores e adversários, talentos e estilos, táticas e estratégias.

Tite não é invencível, longe disso. No Corinthians, a torcida pediu sua demissão algumas vezes (especialmente depois da derrota para o Tolima, da Colômbia, na eliminação do time durante a disputa da Libertadores em 2011). Mas suas vitórias foram ainda maiores, como a da própria Libertadores e do título mundial pelo Corinthians em 2012. Ele costuma dar prioridade a uma defesa sólida e à retenção da posse de bola; e se notabiliza por criar um ambiente profissional, exercendo o papel não de “professor”, mas de líder e gestor de equipe. Costuma ser calmo, tanto que suas eventuais explosões viralizam — como a expressão “fala muito”, originalmente dirigida a Felipão, que virou jargão. Sua árdua missão neste ano é ganhar a Copa do Mundo, que será disputada de 14 junho a 15 de julho na Rússia. É algo que não se pode garantir. As apostas são de que o time do Brasil não deve fazer feio na competição. E que sobre Tite ainda vai se falar muito, falar muito.


BANCOS

MISSÃO: AVANÇAR

Sérgio Rial é o executivo por trás da reação do Santander no último ano. Os números melhoraram, os clientes estão menos insatisfeitos. Mas a competição vem crescendo

Sérgio Rial: o lucro do Santander aumentou 35% em 2017 | Germano Lüders

A matriz do banco espanhol Santander sempre teve planos grandiosos para a operação brasileira — e agiu de acordo para concretizá-los. Em duas décadas, gastou 40 bilhões de dólares para comprar uma série de concorrentes no Brasil, entre eles o Banespa e o Real. Em 2009, fez uma das maiores ofertas de ações da bolsa brasileira. Os resultados de tanto investimento, porém, foram modestos até dois anos atrás — em alguns casos, decepcionantes. Em 2015, a rentabilidade do Santander, que é o terceiro maior banco privado do país (e não o maior, como almejava a matriz), foi 45% inferior à do Itaú e quase 40% menor que a do Bradesco. De lá para cá, o banco se transformou, e um dos grandes responsáveis pela mudança — que veio junto com expressiva melhora nos resultados — é o carioca Sérgio Rial. Filho de espanhóis, Rial assumiu a presidência do Santander em janeiro de 2016, depois de ter reestruturado o frigorífico Marfrig, que presidiu entre 2014 e 2015, e de ter chefiado a diretoria financeira mundial da gigante americana de alimentos Cargill.

Sob a gestão de Rial, o Santander deixou de ser um dos bancos mais detestados do país. Ao melhorar o atendimento aos clientes, parou de liderar as listas de reclamações do Banco Central e, mais bem avaliado, conseguiu crescer. Além disso, mudou processos para se tornar mais eficiente e reduziu o tempo necessário para lançar produtos e serviços: de até nove meses para 15 a 30 dias. Também reformulou os sistemas de análise de risco e recuperação de crédito, reduzindo a inadimplência. A participação de mercado de sua empresa de cartões, a Getnet, vem aumentando. Nem todas as melhorias começaram com Rial — parte delas teve início na gestão anterior, do espanhol Jesús Zabalza. Mas Rial imprimiu velocidade ao processo. De janeiro a setembro de 2017, o lucro do Santander aumentou 35%, a maior expansão entre os grandes bancos do país. A rentabilidade chegou a 17% no terceiro trimestre e encostou na do Bradesco, que ficou em 18% (o Itaú obteve quase 22%). Os resultados foram comemorados numa pomposa festa de fim de ano, que reuniu 35 000 funcionários num estádio em São Paulo e contou com shows das cantoras Ivete Sangalo e Fafá de Belém. Fã de aparições performáticas, Rial chegou à festa descendo por uma corda de rapel até o palco, ao som da música-tema do filme Missão: Impossível. No discurso, disse que as metas para 2018 serão mais ambiciosas. Agora, porém, deve encontrar concorrentes com mais vontade de crescer — Bradesco, Itaú e Banco do Brasil passaram os últimos dois anos mais concentrados em resolver os problemas de suas carteiras de crédito. A competição com as startups financeiras também tende a aumentar. É difícil dizer quem vai ganhar a briga. Mas, para os clientes, não importa: quanto mais competição, melhor.


VAREJO

NO SITE, COM CARINHO

Frederico Trajano obteve resultados invejáveis à frente do Magazine Luiza. O desafio é continuar batendo a concorrência

Frederico Trajano: as ações do Magazine subiram 511% em 2017 | Germano Lüders

Todo o setor de varejo se beneficiou da, por enquanto, tímida recuperação da economia brasileira. Mas nenhuma grande varejista se deu tão bem quanto o Magazine Luiza. Suas ações, que haviam subido 500% em 2016, valorizaram mais 511% no ano passado. A alta coincide com o início da gestão de Frederico Trajano, o Fred. Mas não é mera coincidência. Boa parte do avanço se deve às estratégias adotadas pelo novo presidente, cujos resultados vieram acima do esperado. No terceiro trimestre de 2017 a dívida diminuiu em 722 milhões de reais e as vendas totais aumentaram 27%, para 3,4 bilhões de reais. O resultado foi puxado pelo comércio eletrônico, que já responde por 30% das vendas. Trata-se de uma vitória pessoal de Fred. Ele bancou uma estratégia na contramão dos concorrentes: integrar as lojas físicas com a plataforma de vendas digitais, em vez de criar um negócio online separado. A ideia vem desde 2001, quando ele entrou na empresa, aos 24 anos, depois de ter passado pelo mercado financeiro. Numa época em que os smartphones não haviam se disseminado, Fred montou quiosques eletrônicos para que os clientes comprassem sem precisar ir à loja. Como presidente, ele diz que sua missão é transformar o Magazine Luiza numa “empresa digital com pontos físicos e calor humano”. Seguindo a tendência do mercado (e especialmente como reação à expansão da Amazon no Brasil), lançou um marketplace, plataforma para vender produtos de terceiros, que oferece 1 milhão de itens.

Ao contrário do que se costuma dizer quando uma empresa passa por uma inflexão dessas, Fred não representa uma ruptura. Ele foi preparado desde 2014 pelo antecessor, Marcelo Silva, um executivo com larga experiência no varejo (Silva é agora vice-presidente do conselho de administração). E tem o apoio de sua mãe, Luiza Helena, presidente do conselho, que construiu um império de varejo com a loja que herdou da tia. O que Fred representa é um acréscimo: ao jeito interiorano e pragmático de administrar, moldado por sua mãe, ele adiciona uma camada tecnológica e ágil. Com a Amazon e concorrentes nacionais no encalço, o modelo precisa continuar funcionando.


TECNOLOGIA

O MA DA VEZ

Quando parou de copiar e decidiu inovar, o chinês Ma Huateng construiu uma empresa que vale meio trilhão de dólares. E continua crescendo

Ma Huateng: ele ultrapassou Jack Ma, fundador do site Alibaba, e se tornou a pessoa mais rica da China | Lintao Zhang/Getty Images

De um Ma para outro. Até o meio de 2017 a pessoa mais rica da China era Jack Ma, o extrovertido fundador do Alibaba, uma espécie de Amazon chinesa. Em agosto, ele foi ultrapassado pelo tímido Ma Huateng, ou Pony Ma, dono da Tencent, maior portal de internet da China. A fortuna de Ma Huateng mais do que dobrou no ano passado, e hoje gira em torno dos 48 bilhões de dólares graças à posse de 8,6% das ações da Tencent (se você fez a conta, é isto mesmo: o total das ações soma mais de meio trilhão de dólares, e a empresa ultrapassou o Facebook em valor de mercado). Como vários dos bilionários chineses, Ma nasceu numa família pobre. Em busca de trabalho, seu pai mudou de cidade três vezes. Porém Ma conseguiu se formar em ciência da computação e começou a trabalhar no negócio de pagers (aparelhos que enviavam mensagens escritas) nos anos 90. Cinco anos depois, ele fundou a Tencent — um jogo de palavras com dois caracteres chineses, Teng e Xun, que podem significar “mensagem galopante”. A identificação com cavalos não é gratuita — Ma pode significar “cavalo” em chinês, daí a adoção de seu nome ocidentalizado, Pony.

Durante muitos anos, a Tencent foi vista como uma imitadora de companhias estrangeiras. Seu primeiro produto foi uma adaptação para o mercado chinês do programa israelense ICQ, de mensagens instantâneas, com o qual não apenas fez sucesso comercial como também sentimental: por meio do ICQ, Ma conheceu a mulher com quem se casou. Em seguida veio uma plataforma de mensagens que se parecia muito com uma iniciativa da AOL, americana. Mas, em 2011, Ma decidiu que a Tencent precisava de uma reflexão institucional (espelhando, de certa forma, o processo de transformação do país, de imitador a inovador). E atiçou os executivos. Um dos resultados dessa chacoalhada foi o lançamento do WeChat, um serviço de mensagens que é uma espécie de combinação de WhatsApp com Google News com Uber com PayPal com um serviço de entregas. Foi o primeiro produto da Tencent a fazer um sucesso estrondoso fora da China, e é hoje usado por cerca de 1 bilhão de pessoas. A Tencent também tem uma forte divisão de games online (Clash of Clans, Honor of Kings…) que lhe rende uma receita de mais de 10 bilhões de dólares. Seu sucesso é tamanho que o governo chinês definiu os games como um “veneno”, mesmo depois de a empresa ter restringido o tempo permitido para as crianças jogarem — no máximo, 1 hora por dia para menores de 12 anos; e 2 horas para os adolescentes. A Tencent ainda tem ampliado seu raio de interesses: comprou participações na montadora Tesla; na Lyft, principal concorrente do Uber; e no Snap, holding da rede social Snapchat. Também na filantropia Ma mudou de patamar: no ano passado, prometeu doar mais de 2 bilhões de dólares a várias causas na China, incluindo saúde e educação.

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