Donald Trump na final do Mundial de Clubes: o presidente busca ampliar poderes do cargo, até em eventos; ele quis erguer o troféu junto com o Chelsea (Buda Mendes/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 31 de julho de 2025 às 20h00.
A Presidência dos Estados Unidos talvez seja o cargo mais poderoso do mundo. Mesmo assim, Donald Trump tem buscado — e conseguido — ampliar seus limites de ação. E nem estamos falando do tarifaço de 50% sobre os produtos do Brasil. Nas últimas semanas, ele teve vitórias importantes nesse sentido: somou conquistas no Congresso, com a aprovação de um grande pacote econômico, e teve decisões favoráveis na Suprema Corte para avançar sua agenda.
“A Corte está dando ao presidente uma licença para tomar todos os tipos de medidas que não pensávamos que ele seria capaz e fazer coisas que serão difíceis de desfazer, como a demissão de funcionários públicos”, diz Jonathan Hanson, professor de ciência política na Universidade de Michigan. “Ele tem uma avenida aberta à frente.”
Uma das decisões da Suprema Corte impede que juízes de primeira instância barrem medidas da Casa Branca de forma emergencial. Assim, Trump poderá implantar suas ações enquanto os processos correrem. Outra sentença autorizou o fechamento de agências sem o aval do Congresso. No Legislativo, Trump tem maioria nas duas Casas e conseguiu aprovar sua One Big Beautiful Bill (“Lei Grande e Bonita”), que libera verbas para ele avançar com diversas promessas, como acelerar a caçada a imigrantes irregulares, cortar impostos — até sobre gorjetas — e, ao mesmo tempo, reduzir benefícios sociais. O republicano está entregando o que prometeu na campanha. Mas, até agora, vê sua taxa de aprovação cair, especialmente na gestão da economia (veja quadro mais abaixo).
A inflação foi o principal tema da eleição de 2024. Trump acusou o antecessor Joe Biden de descontrole sobre os preços, mas a inflação no primeiro semestre de 2025 esteve na faixa entre 2% e 3% ao ano, a mesma do ano passado — a meta de inflação americana é de 2%.
Além disso, analistas presumem que a receita de Trump para baixar os preços pode gerar o efeito inverso. “Os cortes de gastos não vão compensar a redução de receita do governo com as isenções de impostos. A nova lei continuará a ampliar o déficit no Orçamento e a aumentar o risco soberano”, diz Anupriya Nag, analista da consultoria Control Risks nos Estados Unidos.
O déficit americano preocupa investidores: a dívida pública dos EUA atingiu 35 trilhões de dólares, ou 124% do PIB, no final de 2024. Até junho, os EUA já acumularam 1,3 trilhão de dólares de déficit no ano fiscal de 2025, 65 bilhões de dólares a mais do que no mesmo período de 2024. Trump afirma que suas medidas vão estimular a economia e, com isso, aumentar a arrecadação de impostos e conter o déficit. Além disso, as tarifas entram nessa estratégia. Até junho, o país havia obtido 113 bilhões de dólares em taxas de outros países, e a expectativa do governo é que esse montante supere 300 bilhões de dólares por ano.
Como em outras áreas, o presidente tem buscado ampliar seu poder e anunciado novas taxas em série, a despeito de acordos internacionais firmados pelos EUA. No caso do Brasil, ele ainda ameaçou usar as taxas como forma de pressionar a Justiça brasileira a retirar os processos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, algo não previsto nas leis americanas. Trump diz que as tarifas vão estimular a economia ao atraírem empresas de volta ao país, mas a incerteza trazida pelas cobranças tem sacudido o mercado.
Em abril, por exemplo, quando foi anunciada uma série de cobranças a quase todos os países do mundo, os mercados de ações e de títulos de dívida tiveram quedas históricas. Os indicadores se recuperaram depois que o presidente adiou a cobrança de taxas, mas a expectativa de que a aplicação delas poderá elevar os preços continua presente. Nos primeiros meses de 2025, muitas empresas correram para exportar mais produtos aos EUA antes da implantação das taxas e aumentaram estoques, mas, conforme mais tarifas entram em vigor, o repasse ao cliente final deve ganhar força.
“Até o final do ano, vamos ver algum impacto para os consumidores americanos”, afirma Guilherme Miranda, diretor para as Américas da Suzano, produtora de papel. A empresa brasileira exporta matéria-prima para fábricas nos EUA, país que compra do Brasil 83% da celulose e da fibra curta que utiliza. “É uma commodity. Não temos margem para subsidiar o produto. Então, o consumidor na América do Norte terá de arcar com esse custo”, diz.
Outras ações de Trump poderão causar mais incômodo no eleitorado ao serem ampliadas. O corte de benefícios sociais, por exemplo, vai gerar queixas entre os mais pobres, que também sentem mais a alta de preços. “Ele teve grande perda de aprovação entre o eleitorado latino, em razão da abordagem imigratória do governo”, afirma Mauricio Moura, professor na Universidade George Washington.
Moura diz ainda que a demissão em massa no governo federal afeta pessoas em vários estados, o que tem gerado queixas especialmente de eleitores moderados do republicano. No campo político, os democratas ainda enfrentam dificuldade para afinar o discurso de oposição. “O partido parece dividido sobre como proceder. A ala progressista quer gritar, fazer muito barulho. Parte da liderança mais moderada parece satisfeita em deixar as ações do governo Trump destruírem sua popularidade, sem tomar medidas ousadas para tentar acentuá-la”, diz Hanson, da Universidade de Michigan.
A oposição sem rumo é um freio a menos para Trump, mas logo as urnas voltarão a entrar em cena. Em novembro, haverá disputas para os governos de Nova Jersey e Virgínia, que costumam ser termômetros para as eleições legislativas de meio de mandato, em 2026, quando as maiorias republicanas estarão em jogo e Trump poderia perder força no Congresso, como ocorreu nas “midterms” de seu primeiro mandato. As eleições, afinal, foram a saída encontrada pelos criadores dos Estados Unidos para lembrar aos presidentes que seu poder é limitado pela vontade do povo.
Suprema Corte e Congresso deram aval para que o republicano avance com seus planos
O Congresso aprovou a Lei Grande e Bonita, um conjunto de várias medidas que amplia cortes de impostos, reduz benefícios sociais, amplia gastos em defesa e combate à imigração, entre outros temas
No fim de junho, a Suprema Corte decidiu que juízes de cortes inferiores não poderão barrar a aplicação de medidas do governo por meio de liminares (decisão provisória). Assim, Trump poderá avançar com medidas como tentar retirar o direito à cidadania para filhos de imigrantes
No começo de julho, a Suprema Corte decidiu que Trump poderá fechar agências federais e demitir trabalhadores sem aval do Congresso