Desembarque da soja brasileira no porto de Nantong, na China (China/Future Publishing/Getty Images)
Repórter de macroeconomia
Publicado em 14 de setembro de 2023 às 06h00.
Última atualização em 14 de setembro de 2023 às 18h19.
De cada dez grãos de soja vendidos no mundo, quatro foram colhidos no Brasil. O país é um dos maiores produtores agrícolas: além da soja, lidera em itens como café e suco de laranja. Também está no topo em mercadorias como carne bovina (segundo maior produtor global), milho (terceiro maior) e algodão (quarto). A vanguarda brasileira no agro é um bom ponto de partida para um panorama das vantagens e dos desafios da economia do país.
Se os dados do PIB mundial fossem apresentados como uma corrida de cavalos, seria possível ver os países correndo em dois blocos. À frente, Estados Unidos (25,4 trilhões de dólares) e China (17,9 trilhões de dólares) fazem uma disputa particular pela liderança. Já bastante atrás, vem o segundo pelotão, puxado pelo Japão, com seu PIB de 4,3 trilhões de dólares. O Brasil vem algumas posições depois: com 1,9 trilhão de dólares, é a 11a maior economia do mundo, à frente de Austrália, México e Espanha.
O Banco Mundial estima o PIB global de 2022 em 100,5 trilhões de dólares. Ou seja, geramos cerca de 1,9% da riqueza global — há 50 anos, esse índice era de 1,8%. É menos do que gostaríamos, mas o país segue à frente de mais de 180 nações. Com esses números em mente, a dúvida para as próximas décadas é a mesma que nos persegue há décadas: como ampliar a influência brasileira, replicar o sucesso de produtividade do agronegócio e agregar valor à economia?
Nos últimos 20 anos, a alta nas vendas de commodities para outros países, especialmente a China, resolveu a falta de reservas em dólares, uma questão que nos afligiu por anos a fio. Para Silvio Campos Neto, economista e sócio da Tendências Consultoria, as divisas vindas dessas exportações garantiram uma posição sólida nas contas e afastaram definitivamente o fantasma da vulnerabilidade externa.
“Até o início dos anos 2000, o Brasil tinha um grande problema de contas externas, que nos causou dificuldades em vários momentos, como a moratória em 1987 e a necessidade de apoio do FMI nos anos 1990”, diz Campos Neto. “De forma simplória, as exportações têm pagado nossas contas perante o resto do mundo.”
Um exemplo claro de como dólares fazem falta está aqui ao lado: a Argentina vive uma de suas piores crises inflacionárias. Mesmo com empréstimos do FMI, o valor do peso afundou. Em agosto de 2018, 1 dólar comprava 30 pesos, na cotação oficial. Atualmente, a moeda americana passou em tese a valer 350 pesos. Na prática, os argentinos acabam pagando até o dobro disso por 1 dólar. No Brasil, que também teve uma forte crise na década passada, 1 dólar valia 4,10 -reais há cinco anos e hoje custa em torno de 4,90 reais. A estabilidade monetária e as reservas internacionais deixaram no passado temas que consumiram uma geração de economistas, como hiperinflação e dívida externa.
Os anos 2000 vieram e, com eles, a disparada dos preços das commodities, alterando a composição da pauta exportadora. Produtos primários ganharam participação. Em 2002, por exemplo, soja e derivados eram 9% do total vendido pelo país ao exterior. Em 2022, representaram 16%. Itens de maior valor agregado, como aviões e celulares, que estavam entre os dez produtos mais exportados pelo Brasil, já não estão mais nessa lista, hoje dominada por commodities, que incluem também mercadorias como minério de ferro e petróleo — cuja produção avançou após a exploração do pré-sal.
Apesar de críticas correntes, para especialistas não se trata de uma disputa entre agro e indústria: na maioria das economias maduras, as duas -áreas se desenvolveram de forma robusta. No entanto, alertam, a manufatura nacional perdeu muita força em pouco tempo. “Embora o mundo todo veja uma redução na fatia da indústria no PIB, a queda no Brasil foi extraordinária. Essa indústria, como a automobilística, foi protegida, subsidiada”, diz Armínio Fraga, que presidiu o Banco Central de 1999 a 2002. “Mas a consequência foi o oposto do que se queria.”
Fraga lamenta que o país tenha crescido pouco nas últimas décadas. Em 1973, ano da primeira edição do especial -MELHORES E MAIORES, o Brasil vivia o auge do milagre econômico e registrou crescimento de 13,97%. Desde aquela década, o país nunca mais cresceu acima de 10% ao ano, e oscilou momentos de recessão, de baixo crescimento e altas pontuais, sem engatar um ritmo firme.
“A despeito de bons momentos, como o do Plano Real, o Brasil cresceu pouco, menos do que os Estados Unidos, que deveriam crescer mais devagar, porque já estão perto da fronteira da produtividade. O que faltou? Por que não aprendemos? Por que o Brasil insiste em ideias que deram errado, como um excessivo dirigismo [do governo], um certo fetiche por ideias como o uso político de estatais?”, questiona o ex-presidente do BC.
Fraga vê o novo arcabouço fiscal e a prometida reforma tributária como avanços positivos, mas insuficientes. “O Brasil sofre de um problema crônico, e o ajuste necessário vai além da geração de superávit primário”, afirma. “O país precisa repensar suas prioridades.”
Entre essas prioridades, que precisam ser semeadas agora para dar frutos nos próximos 50 anos, o governo busca estimular o crescimento com um programa de neoindustrialização e com concessões de infraestrutura, em áreas como rodovias, energia e saneamento — problemas de 50 anos atrás que continuam presentes. Afinal, reduzir custos tornaria o país mais competitivo nas exportações e cortaria os chamados custos de transação na economia. O sucesso de iniciativas assim depende em parte de ajuda externa. Empresas chinesas anunciaram investimentos em fábricas de veículos elétricos no Brasil, e tanto ministros como governadores têm buscado atrair investidores de vários países para disputar leilões de concessões, com road tours nos Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.
No entanto, o mundo que sai da pandemia vai se tornando mais fragmentado e desafiador, com os Estados Unidos reforçando seu protecionismo e tentando reduzir suas conexões econômicas com a China. Ao mesmo tempo, Pequim busca ampliar sua influência global, enquanto lida com questões internas, como uma crise no mercado imobiliário e crescimento mais lento do que antes. Saber se posicionar em meio a tantas ambiguidades será um desafio para qualquer administração.
“A questão é como o governo brasileiro pode definir uma atitude de autonomia em relação às duas potências e de flexibilidade para aproveitar a disputa entre elas para ter algum benefício”, avalia Maria Hermínia Tavares, pesquisadora-sênior do Cebrap e professora de ciência política na USP. “Não faz sentido ser um aliado incondicional da China.”
Entre os benefícios mais claros para o país, está a agenda verde, na qual podemos ser um dos líderes da transição energética. Com o aumento da pauta da descarbonização econômica no mundo, o país pode perder negócios no exterior se não se adequar a novos padrões, como garantir que a carne exportada não saiu de fazendas em áreas de desmatamento. Paralelamente, precisamos criar meios para que novas tecnologias, como a inteligência artificial, sejam incorporadas mais rapidamente à economia real.
“O Brasil não é um país que desenvolve produtos de alto nível tecnológico e precisa absorver a tecnologia produzida pelos países ricos. Essa capacidade de absorção depende do avanço da educação, tanto em nível básico quanto superior”, aponta Claudio Amitrano, diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea.
O domínio do país no agro, impulsionado por tecnologias cada vez mais avançadas, deixa claro que o caminho para o Brasil avançar no mundo passa por usar ideias de ponta para potencializar suas vantagens naturais, como foi feito com a soja, o milho, a carne bovina, entre tantas outras culturas. Muita coisa boa surge quando uma semente é bem trabalhada.