Revista Exame

Nova safra de escolas (caríssimas) forma cidadão do século 21

Escolas com currículo flexível, ensino em diferentes idiomas, aulas interativas: a mensalidade sai por até R$ 6,5 mil, mas todas têm fila de espera

Biblioteca da Concept: a escola planeja abrir uma filial no Vale do Silício (Germano Lüders/Exame)

Biblioteca da Concept: a escola planeja abrir uma filial no Vale do Silício (Germano Lüders/Exame)

PV

Patrícia Valle

Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 05h55.

São Paulo – Às 7 e meia da manhã, assim que chegam à escola, alunos de 11 anos recebem uma orientação da professora em inglês: o tema do dia será meio ambiente e energia. Leem alguns textos sobre o assunto e, ainda em inglês, fazem uma discussão em grupo. Em seguida, vão para um dos laboratórios da escola e constroem, em conjunto, um aquecedor solar com garrafas de plástico.

A próxima aula é sobre linguagem da computação e os alunos desenvolvem um aplicativo que ajuda a controlar o consumo de energia durante o dia e permite compartilhar dicas de economia nas redes sociais. Em seguida, vão para a aula de matemática, ministrada em espanhol, e fazem cálculos sobre os impactos da economia de energia no consumo de água. Esse é um dia típico numa das novas escolas de educação básica que estão sendo abertas no Brasil.

A escola em questão é a Concept, do grupo SEB, que tem unidades em Salvador e Ribeirão Preto, no interior de São Paulo — mas é possível encontrar escolas com jeitão muito parecido em São Paulo e no Rio de Janeiro. Elas seguem as técnicas de ensino adotadas em algumas das escolas tidas como as mais modernas do mundo, muitas delas localizadas na Finlândia e nos Estados Unidos. Como dá para ver pelo exemplo acima, a rotina dos alunos é bem diferente do dia a dia das instituições tradicionais — e empresários do setor de educação no Brasil estão tentando montar um modelo de negócios em torno disso.

Diferentemente do que aconteceu no mercado brasileiro de ensino superior na última década, quando a meta das principais empresas era crescer e sair comprando concorrentes (com uma bela ajuda do financiamento estudantil público), a grande onda do momento nos grupos de educação básica é convencer os pais de que estão colocando seus filhos na escola do futuro. O jogo, portanto, não é de escala, mas de qualidade, preço alto e rentabilidade idem.

Nesse modelo, ganha-se dinheiro cobrando caro — as mensalidades variam de 4 000 a 6 500 reais —, e não por meio das sinergias geradas pela escala. “Na educação básica, os alunos podem ficar até 17 anos na escola e há menos desistências do que nas faculdades, porque os pais fazem questão de manter os filhos estudando em boas instituições”, diz Chaim Zaher, fundador do grupo SEB. Ele vendeu sua participação acionária na rede de ensino superior Estácio para a concorrente Kroton no ano passado (o negócio ainda aguarda a análise do Cade) e vai investir ao todo 270 milhões de reais na Concept, hoje sua grande aposta — já foram investidos 170 milhões.

O plano é abrir, em 2018, unidades em São Paulo (onde já comprou e está reformando o imóvel onde ficará a escola), no Rio de Janeiro e até em Palo Alto, no Vale do Silício. “Queremos que nossos alunos tenham essa experiência internacional, que deve se tornar cada vez mais importante para definir a vida profissional”, diz Thamila Zaher, diretora executiva do SEB e uma das filhas de Chaim. Uma de suas concorrentes — que segue um modelo de ensino bastante parecido — é a Eleva, que fica no Rio de Janeiro e pertence ao grupo Eleva Educação, cujo sócio majoritário é o fundo Gera Venture Capital, controlado pelo empresário Jorge Paulo Lemann. A escola foi aberta em 2017, tem 360 alunos e a meta é dobrar de tamanho até o próximo ano.

O surgimento de mais opções para filhos de pais dispostos a apostar em modelos educacionais novos está acirrando a competição nesse nicho. Novas escolas estão sendo inauguradas e quem já estava nesse mercado decidiu investir para crescer. É o caso da Lumiar, do empresário Ricardo Semler. Fundada em 2002, a escola foi eleita uma das mais inovadoras do mundo pela Unesco em 2007 e passou mais de uma década com três unidades, uma na cidade de São Paulo e duas em Santo Antônio do Pinhal, no interior paulista.

Em 2016, Daniel Castanho, presidente da rede de ensino Anima, tornou-se sócio da Lumiar, e ele e Semler colocaram em andamento um plano de expansão. Em um ano, foram inauguradas duas novas unidades (em Porto Alegre e mais uma em Santo Antônio do Pinhal). “Estamos avaliando se é melhor continuar abrindo escolas ou criar um sistema de ensino e vender para as instituições que querem seguir nosso modelo”, diz Castanho.

Outra pioneira é a Beacon, de São Paulo. Começou em 2010 com 16 alunos no bairro Alto de Pinheiros, hoje tem quatro unidades com  620 alunos e está fazendo um investimento de 30 milhões de reais — cerca de 60% são financiados pelo BNDES — para construir um campus com capacidade para 1 200 alunos. Hoje, a Beacon só atende crianças até 12 anos. O plano é abrir uma nova série por ano para atender até o ensino médio. “Existe uma grande demanda dos pais por um ensino diferente e de alto nível. Mas a contratação de professores qualificados que falem dois ou três idiomas é um de nossos maiores de-safios”, diz Maria Eduarda Sawaya, uma das sócias da Beacon.

Novas profissões

Um dos grandes apelos dessas escolas é formar estudantes para enfrentar os desafios de um mercado de trabalho em mutação — numa era em que, com todo o saber humano disponível na internet, decorar a estrutura dos hidrocarbonetos aromáticos talvez não seja tão importante assim. No vídeo de apresentação da Concept aos pais interessados em matricular seus filhos, há um trecho que diz que metade das profissões que estarão em voga daqui a 50 anos ainda não existe.

Só Deus sabe se tantas profissões vão mesmo desaparecer — mas claro que isso mexe com a ansiedade paterna. Essas escolas se propõem a ensinar ao aluno as habilidades para aprender sozinho. Aprender equações matemáticas, gramática e eventos históricos é só parte do que os estudantes fazem. Em vez de esperar que todo o conteúdo seja apresentado pelo professor, numa aula puramente expositiva, eles vão entender parte das disciplinas na prática, em laboratórios equipados com impressoras 3D e equipamentos de corte a laser, discussões em grupo ou mesmo dando aulas a estudantes mais novos.

A ideia, quase um mantra nas apresentações dessas escolas, é que fazer perguntas é tão importante quanto saber respondê-las. “Nossas aulas têm duração variável, dependendo do tema. O objetivo é que o aluno tenha sempre um momento para experimentar e desenvolver o conteúdo, e nesse momento as ideias devem partir do grupo”, diz Vera Giusti, outra sócia da Beacon. Ela cita como exemplo a construção de uma cisterna por um grupo de alunos do 5o ano: o projeto surgiu durante uma discussão sobre escassez de água, e os alunos se propuseram a fazer uma para a escola.

Além disso, a divisão entre as disciplinas não é tão rígida como nas instituições tradicionais: um tema de história pode ser explorado também nas aulas de português e matemática, o que ajuda a integrar o conteúdo à realidade dos estudantes. “O ensino por meio de projetos gera mais engajamento dos alunos”, diz Maria Helena Godoy, especialista em educação da consultoria de gestão escolar Instituto Aquila.

O ensino de diferentes idiomas e a possibilidade de estudar fora do país são outra aposta dessas escolas. Elas são diferentes das instituições estrangeiras tradicionais, que existem há décadas no Brasil e privilegiam um único idioma — como a Graded, em São Paulo, e as escolas britânicas. Nas novas escolas, as disciplinas são ministradas de forma alternada em inglês, português e, em alguns casos, também em espanhol. O objetivo é que os alunos sejam fluentes nos três idiomas e continuem aprendendo sobre cultura brasileira.

A escola americana Avenues, que fica em Nova York, pretende abrir unidades em São Paulo em 2018 e em Londres e Pequim no futuro para permitir que os alunos possam mudar de uma filial para a outra. “Os alunos poderão estudar em diferentes lugares e aprender vários idiomas e culturas, formando-se um cidadão global”, diz Alan Greenberg, um dos fundadores da Avenues. Por fim, o currículo dessas escolas é flexível. Os alunos ficam de 8 a 10 horas na escola e têm de escolher matérias optativas, como robótica e introdução a finanças. “Meio período não é suficiente para dar uma boa formação. Os brasileiros ficam poucas horas na escola, na média, e isso se reflete em notas ruins na comparação mundial”, diz Wilson Risolia, presidente da consultoria Falconi Educação.

A ideia central dessas escolas não é nova. Fala-se há décadas na importância de desenvolver a capacidade de aprender a aprender. Pesquisas feitas nos anos 70 pelo americano James Heck-man, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, indicam que ter curiosidade, saber se planejar e trabalhar em grupo para resolver problemas é tão ou mais importante para o futuro dos estudantes do que aprender as disciplinas obrigatórias.

Somente nos últimos anos, porém, passaram a surgir escolas que adotam esses princípios na prática. As principais ficam na Finlândia, país que está há anos nas primeiras posições dos rankings mundiais de qualidade de ensino e aprendizado. É verdade que algumas escolas tradicionais também já começaram a mudar para seguir, pelo menos em parte, esse novo modelo de ensino. Há menos aulas expositivas do que no passado, mais laboratórios e a opção de permanecer na escola em período integral e cursar disciplinas não obrigatórias.

Mas as mudanças são pontuais. “Esse é um modelo ainda novo, nem todos os pais querem esse tipo de mudança”, diz Guilherme Mélega, executivo da empresa de educação Somos, dona dos colégios Anglo 21 e PH. “Além disso, é difícil combinar um ensino mais inovador com a exigência de conteúdo para ter boas notas no Enem e no vestibular. Notamos que muitos alunos querem ficar no Brasil e, por isso, essas provas são importantes”, diz Mauro Salles Aguiar, presidente do Colégio Bandeirantes.  O ranking de pontuação no Enem ainda é um dos principais chamarizes das escolas brasileiras.

Por enquanto, há mais demanda que oferta por esse tipo de ensino — há fila de espera para todas as escolas desta reportagem. O desafio, porém, é expandir o negócio sem perder qualidade. Atualmente, a margem de lucro das escolas de educação básica fica em torno de 20% — nas faculdades, está em 30% em razão dos ganhos de escala. Hoje, praticamente todas as escolas que apostam nesse novo conceito estão investindo em expansão, o que atrapalha a rentabilidade. O lucro, esperam os empresários do setor, virá — ou a escola do futuro não terá futuro.

Acompanhe tudo sobre:EducaçãoEscolasSetor de educação

Mais de Revista Exame

A tecnologia ajuda ou prejudica a diversidade?

Os "sem dress code": você se lembra a última vez que usou uma gravata no trabalho?

Golpes já incluem até máscaras em alta resolução para driblar reconhecimento facial

Você maratona, eles lucram: veja o que está por trás dos algoritmos