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Nós precisamos de estrangeiros sofisticados para trabalhar aqui

O francês Hugues Corrignan chegou ao Rio de Janeiro em 2006, logo após o anúncio da descoberta do campo de Tupi. Engenheiro mecânico especializado na pesquisa e na prospecção de petróleo e gás, ele tinha um cargo de gerência na francesa Technip, uma das maiores do mundo no desenvolvimento de tecnologias para o setor. Em […]

Plataforma da Petrobras: faltam profissionais brasileiros com qualificação para trabalhar na indústria de petróleo e gás (Bruno Veiga/Divulgação)

Plataforma da Petrobras: faltam profissionais brasileiros com qualificação para trabalhar na indústria de petróleo e gás (Bruno Veiga/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h40.

O francês Hugues Corrignan chegou ao Rio de Janeiro em 2006, logo após o anúncio da descoberta do campo de Tupi. Engenheiro mecânico especializado na pesquisa e na prospecção de petróleo e gás, ele tinha um cargo de gerência na francesa Technip, uma das maiores do mundo no desenvolvimento de tecnologias para o setor. Em agosto de 2010, Corrignan assumiu o cargo de diretor na subsidiária da empresa de petróleo britânica BG e a responsabilidade de criar um centro de desenvolvimento de novas tecnologias no país.

Como se trata de um profissional com formação e experiência raras no mercado local, a proposta salarial foi alta. Tão alta que ele prefere não dizer nem mesmo o percentual de aumento recebido. Corrignan tem a meta de contratar 20 profissionais especializados em áreas como geofísica, geologia, engenharia de poços e de reservas. Metade da equipe será constituída por estrangeiros. Em parte porque é política da BG promover seus talentos e fazê-los circular no mundo. Mas também porque a BG sabe que os profissionais brasileiros com esse tipo de formação são poucos e disputadíssimos.

Corrignan está escrevendo um novo capítulo na história da imigração no Brasil. Ao longo dos séculos 19 e 20, estima-se que quase 5 milhões de italianos, alemães, japoneses, árabes, só para citar algumas nacionalidades, tenham desembarcado no país. Era, em sua maioria, gente humilde que, em busca de uma vida nova, criou as bases para a expansão agrícola e industrial que hoje se vê. O ciclo atual, no entanto, é bem diferente. No Ministério do Trabalho, o número de autorizações concedidas a estrangeiros para trabalhar no Brasil passou de 25 000, em 2006, para 43 000, em 2009. Estima-se em 46 000 o total em 2010.

Mais de 95% desses profissionais têm curso superior completo ou especialização técnica, o que sinaliza uma estratégia por trás da atual política de imigração do Brasil. No século 21, quando inovação, pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias são os pontos de partida para o desenvolvimento, não há país que não queira atrair os melhores cérebros. Os Estados Unidos criaram uma das mais restritivas políticas de imigração do planeta, mas anualmente concedem o visto a 1 milhão de imigrantes com qualificação acima da média.


A movimentação também reflete a nova ordem econômica gerada pela crise. Com a Europa e os Estados Unidos patinando, profissionais bem formados e sem chance de ascensão por lá querem vir para cá, onde há crescimento robusto. Neste ano, empresas especializadas em contratação de executivos, como Fesa e Korn/Ferry, foram bombardeadas por pedidos de estrangeiros interessados em trabalhar no Brasil. Entre eles está o americano Michael Byrne, de 31 anos.

Byrne tem no currículo relações internacionais pela American University, de Washington, considerado um dos melhores cursos do mundo nessa área, e um MBA em gestão pela Thunderbird School of Global Management, do Arizona, eleita pelo prestigiado jornal inglês Financial Times uma das dez melhores escolas de negócio do mundo. Mesmo assim, ficou quatro meses desempregado em São Francisco até decidir buscar oportunidades no Brasil. Passou o final do ano fazendo entrevistas na capital paulista.

A marcha dos melhores rumo ao Brasil, no entanto, denuncia uma grave distorção na formação da mão de obra local. Marcos Cintra, vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é um dos especialistas que têm alertado para o problema. Cintra lembra que hoje há 1,3 milhão de brasileiros desempregados, dos quais 56% com curso superior. É gente formada em áreas saturadas, como o direito, ou por instituições de competência duvidosa. Enquanto isso, faltam profissionais ligados às áreas científica e de exatas, como a engenharia, uma das profissões mais requisitadas nos próximos anos.

O Brasil forma 32 000 engenheiros por ano. Precisaria do triplo. Outra área que já vive o estrangulamento da falta de pessoal é a de tecnologia da informação. Estima-se que, apenas no estado de São Paulo, existam 100 000 vagas em aberto. Os estrangeiros não estão vindo apenas complementar a força-tarefa de profissionais qualificados do Brasil. Eles suprem sua falta. Assim como no passado, que sejam bem-vindos, pois precisamos deles mais uma vez. Aos brasileiros resta tomar consciência de que o mercado de trabalho está cada vez mais sofisticado — e que só uma reforma drástica no ensino pode fazer com que as novas gerações de brasileiros consigam disputar vagas com profissionais do calibre de Corrignan e de Byrne.

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