Loja de eletrônicos em São Paulo: o crescimento mundial depende do consumo dos países emergentes (Alexandre Battibugli/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 6 de outubro de 2011 às 19h40.
Nova York e São Paulo - Os otimistas dirão que o comportamento maníaco-depressivo das bolsas na segunda semana de agosto foi apenas um violento espasmo nos mercados financeiros mundiais. Os pessimistas, que foi o marco inicial de uma temida nova catástrofe econômica, talvez tão grave quanto a de três anos atrás.
Embora nada tenha acontecido de fato — nenhum banco quebrou, nenhum país deixou de pagar o que devia —, não se pode negar: estamos atravessando o momento mais delicado desde a crise global que eclodiu em 2008. Mas agora é diferente: esta é uma crise de confiança, mais especificamente na capacidade dos líderes das maiores economias do mundo de colocar suas contas em ordem.
Barack Obama e a oposição republicana conseguiram um acordo de última hora para cortar o déficit dos Estados Unidos em até 2,4 trilhões de dólares em dez anos. Mas para muitos analistas, entre eles os da agência de avaliação de crédito Standard & Poor’s, o número ficou muito aquém do esperado.
Na Europa, a economia alemã, motor do continente, dá sinais de fraqueza, e o governo tem de mostrar a destreza de um equilibrista para levar adiante o pacote de ajuda à Grécia e potencialmente à Espanha e à Itália — sem alienar seus eleitores, cada vez mais descontentes por ter de pagar a conta da irresponsabilidade fiscal dos outros.
Na China, a inflação continua subindo, e ninguém sabe se, e com que intensidade, o governo de Pequim vai pisar no freio. Investidores não gostam de incerteza, e o cenário da economia mundial não poderia ser mais incerto.
“Não diria que tenhamos um cenário comparável ao de 2008”, diz Darrell Duffie, professor de finanças na Universidade Stanford. “Mas os riscos continuam altos.” Além da questão das dívidas soberanas, um dos principais motivos apontados para o vaivém das bolsas foi a perspectiva de uma nova recessão nos Estados Unidos.
A agência Moody’s Analytics revisou de 3,5% para 2% a expectativa de crescimento do PIB americano na segunda metade deste ano e colocou em 1 para 3 a chance de uma nova retração no futuro próximo. As maiores empresas do país estão sentadas em quase 2 trilhões de dólares, e há poucos sinais de que estejam dispostas a usá-los.
“Sem investimentos não há geração de empregos, sem empregos não há consumo”, diz Duffie. “Isso pode levar a uma perigosa espiral negativa.” Com uma eleição presidencial à vista, e o consequente endurecimento da oposição, as chances de Barack Obama conseguir costurar um novo pacote de estímulo econômico parecem cada vez mais remotas.
Outros complicadores pairam sobre a recuperação americana. A instabilidade nos países árabes elevou o preço do petróleo, o terremoto no Japão causou problemas em cadeias de suprimento e não há espaço para que as taxas de juro baixem ainda mais.
Por enquanto, porém, a possibilidade de uma nova recessão na maior economia do mundo é apenas isso: uma possibilidade. O cenário mais provável é o de desaceleração, o que reduziria a expansão do PIB global — e isso não seria de todo ruim para o Brasil.
Segundo um relatório do banco Barclays, uma redução de 1 ponto percentual no crescimento do PIB mundial, algo que os analistas consideram provável, reduziria a expansão da economia brasileira em 0,9 ponto percentual — e poderia contribuir para segurar a inflação.
“Num cenário básico de desaceleração global, os problemas no exterior fariam o trabalho de conter nosso superaquecimento”, diz Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco. Ele traçou três cenários para o Brasil nos próximos meses: no que é hoje considerado o mais provável, a economia crescerá 3,6% em 2011 e 3,7% em 2012.
A avaliação geral é que a situação do Brasil é equivalente à de 2008 — lembrando, é claro, que ainda é cedo demais para falar em colapso das mesmas proporções. As reservas internacionais são mais do que suficientes para cobrir o baixo endividamento externo, o saldo da balança comercial é positivo, o país atrai investimentos externos, o desemprego está baixo e a demanda doméstica continua forte.
Além disso, se o mundo piorar, o Banco Central teria espaço para cortar os juros, que atingiram em julho o maior patamar desde janeiro de 2009 — o que estimularia a economia. Entre as empresas, houve uma melhora importante: hoje, a maioria está menos exposta aos riscos de flutuação do câmbio.
Antes da quebra do banco Lehman Brothers, uma operação comum entre as companhias era montar operações de altíssimo risco nos mercados futuros apostando na desvalorização do dólar. Quando o Lehman faliu, a estratégia foi por água abaixo: a moeda americana passou a subir, as empresas tiveram de comprar dólares para cobrir suas posições e, assim, ajudaram a valorizar ainda mais o dólar.
Isso quase custou a sobrevivência de empresas como Aracruz, Sadia e Votorantim e fez o dólar subir 38% em três meses, atingindo a cotação de 2,50 reais. Não há estatísticas oficiais sobre essas operações, mas, segundo banqueiros que acompanham o mercado, o volume atual desse tipo de aposta é baixíssimo — o que explica por que a taxa de câmbio subiu menos de 3% em agosto.
Uma ameaça maior vem da Europa. O problema é político, acima de tudo, mas tem implicações que se estendem por todo o sistema financeiro mundial. Na segunda semana de agosto, Espanha e Itália viram os juros cobrados para suas dívidas atingir 6%. Em outras palavras, aumentaram as suspeitas de que os países não conseguiriam honrar seus compromissos.
Na opinião dos investidores, os líderes europeus estão empurrando o problema com a barriga em vez de oferecer garantias definitivas de que não permitirão um calote na zona do euro. O efeito dominó é instantâneo. Os bancos franceses detêm quase 400 bilhões de dólares da dívida italiana e, no auge do pânico, as ações do Société Générale, o segundo maior banco da França, caíram 20% num único dia.
Até o fechamento desta edição, os papéis haviam se recuperado. Mas o susto foi grande. “Um agravamento da crise nos bancos europeus teria ramificações no mundo todo, porque o sistema financeiro está mais interligado do que nunca”, diz Arnab Das, diretor da RGE, consultoria fundada pelo economista Nouriel Roubini.
Caso a crise da dívida realmente contamine os bancos europeus, o Brasil terá de se preparar para um cenário muito mais complexo. Como se viu em 2008, a falta de confiança em instituições financeiras pode paralisar a economia mundial: os próprios bancos param de emprestar para seus pares, que não emprestam para as empresas.
A consequência imediata seria uma redução das linhas de crédito internacional — numa previsão bem pessimista, em que os problemas provocariam a quebra de algum banco, o fluxo de financiamentos poderia parar, como ocorreu após a falência do Lehman Brothers. Por enquanto, há crédito para a maioria das companhias.
Mas as empresas que têm dívidas consideradas de alto risco já começam a sofrer: os juros dos papéis emitidos por essas firmas para se financiar, conhecidos como junk bonds, subiram para 8,5% ao ano em agosto, o maior patamar em quase dois anos.
Se a falta de crédito se tornar generalizada, os impactos para o Brasil serão semelhantes aos de 2008, quando o Banco Central teve de atuar para evitar uma crise entre os bancos de médio porte, e só as instituições públicas continuaram aumentando os empréstimos a empresas e consumidores. No ano seguinte, o PIB teve uma retração de 0,6%.
Outro risco para o Brasil é o de uma redução da demanda global por commodites, que respondem por mais da metade das exportações. Um estudo da consultoria Tendências mostra que, se o crescimento do PIB mundial neste ano ficar ao redor de 4%, como espera a maior parte dos analistas, a demanda por commodities deve continuar elevada, o que não representa um risco para o Brasil.
Se a expansão for menor — e, especialmente, se o desempenho da economia chinesa ficar abaixo do esperado —, os preços de produtos como petróleo, minério de ferro, cobre e níquel devem cair. “O bom momento de nossa economia se deve em grande parte ao aumento dos preços das commodities nos últimos anos”, diz o economista Alexandre Schwartsman. “Isso gerou empregos, contribuiu para aquecer o consumo doméstico e permitiu que o país tivesse superávit comercial.”
Nas contas de Schwartsman, se os preços desses produtos tivessem se mantido ao redor da média histórica, o país teria hoje um déficit de cerca de 35 bilhões de dólares na balança comercial — e não um superávit de 25 bilhões de dólares.
O mercado interno dos emergentes é uma variável que será observada de perto. Segundo os cálculos de Jim O’Neill, presidente da gestora do banco Goldman Sachs, esses novos consumidores serão responsáveis por 800 bilhões de dólares no crescimento mundial neste ano e por 12 trilhões na próxima década. “O mundo não depende mais da liderança dos Estados Unidos e da Europa”, escreveu O’Neill num artigo recente.
O reverso da moeda, afirma ele, é que os líderes dos países ricos precisam tomar cuidado com a política monetária dentro de sua casa. Uma nova rodada de estímulo pode enfraquecer o dólar e aumentar a pressão inflacionária em países como a China — se isso causar uma retração no consumo dos emergentes, os países ricos terão dado um tiro no próprio pé.
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