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Os países mais pobres podem se dar bem no vácuo da China

Um dos mais renomados economistas chineses argumenta em seu novo livro que os países mais pobres do mundo têm a chance histórica de atrair fábricas menos sofisticadas que estão saindo da China. Veja um trecho

Fábrica em Shengzhou: operários chineses em setores de mão de obra intensiva somam 85 milhões (Feng Li/Getty Images)

Fábrica em Shengzhou: operários chineses em setores de mão de obra intensiva somam 85 milhões (Feng Li/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 4 de setembro de 2013 às 06h39.

"Antes do século 18, todos os países eram pobres, estagnados e agrários. A Revolução Industrial na Inglaterra marcou o começo de uma nova era. Nas primeiras oito décadas do século 18, o crescimento econômico na Inglaterra, o país mais avançado da época, aumentou de uma média anual de 0,7% para 0,8%.

No século 19, o crescimento se elevou ainda mais, alcançando uma média de 2,8% ao ano de 1781 a 1913. Mais notável, a produção por empregado dobrou de 1840 a 1911. Muitas outras economias avançadas — em particular os países da Europa e os Estados Unidos — seguiram os passos da Grã-Bretanha, e seu crescimento também se acelerou.

Durante o século passado, algumas economias da Ásia — em especial o Japão e os Tigres Asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan) — alcançaram um crescimento sustentável que as impeliu para as fileiras das economias de alta renda. 

A maioria dos países, contudo, não conseguiu avançar da mesma maneira. Por quê? De 1950 a 2008, somente 28 economias diminuíram em 10 pontos percentuais ou mais a distância que separa sua renda per capita da registrada nos Estados Unidos. Somente 12 desses países não eram europeus nem produtores de petróleo ou mesmo diamantes.

Outros 180 países permaneceram presos à condição de média ou baixa renda. Um dos resultados desse fenômeno é a maior disparidade de renda entre os países. No início do século 18, a diferença entre a renda per capita nos países da Europa e a nos demais países era insignificante.

Desde então, cresceu mais de 20 vezes. Esse desempenho discrepante das economias mundiais é intrigante e vem sendo estudado por especialistas em desenvolvimento há muitas décadas. Mas existe uma pista importante. Antes do século 18, foram necessários 1 400 anos para o mundo ocidental dobrar sua renda. No século 19, o mesmo processo levou somente cerca de 70 anos. No século 20, bastaram 35 anos. 

Essa aceleração dramática nas taxas de crescimento veio com a rápida inovação tecnológica que se seguiu à Revolução Industrial. Economias agrárias se transformaram em sociedades industrializadas, e a participação do emprego na agricultura caiu de mais de 80% para menos de 10%.

Essa intrigante tendência levou ao reconhecimento de que a industrialização, a inovação tecnológica, a modernização e a diversificação industrial são essenciais para um crescimento rápido e sustentado. O Ocidente precisou de 300 anos para inovar e se industrializar. O Japão, de menos de 100 anos, e os Tigres Asiáticos, de somente 40.


Mais recentemente, economias emergentes, como Brasil, China e Índia, vêm crescendo dinamicamente. Países de baixa renda, porém, onde vivem mais de um sexto da humanidade, continuam atolados na pobreza. A situação calamitosa dessas pessoas inspirou o economista britânico Paul Collier a criar o termo “o bilhão da base da pirâmide”. 

Qual é a saída?

O desenvolvimento econômico é um processo contínuo de modernização industrial e tecnológica em que qualquer país, independentemente de seu estágio, pode ter sucesso se explorar suas vantagens comparativas. Para os países mais atrasados, o segredo é investir em setores que estão crescendo dinamicamente em economias mais avançadas com características estruturais semelhantes às suas.

Ao seguir os países líderes, os “recém-chegados” podem imitar as estratégias bem-sucedidas que permitiram aos mais avançados dar um salto. O surgimento de grandes países de renda média (Brasil e China) como novos polos de crescimento mundial oferece uma oportunidade sem precedentes para economias de baixa renda — incluindo as da África subsaariana.

A China está prestes a fazer a transição de uma economia com base em mão de obra pouco qualificada para uma focada no uso mais intensivo de tecnologia. Isso deve fazer com que quase 100 milhões de empregos industriais em setores de baixo valor agregado migrem da China para outros lugares.

Os países pobres que puderem implementar uma estratégia para capturar essas novas oportunidades industriais entrarão num caminho dinâmico de mudança estrutural que poderá reduzir a pobreza. 

Na falta de informações detalhadas sobre o emprego industrial em países africanos, os ganhos potenciais para a região só podem ser estimados. Mas mesmo os cálculos mais genéricos sugerem que os benefícios seriam imensos. Em um ano, a China exporta 107 bilhões de dólares em artigos de vestuário.

Se a elevação salarial na China causar a transferência de apenas 1% de sua produção de roupas para países africanos, a produção e as exportações desse setor nas nações abaixo do Saara deverão crescer 47%. Uma transferência de 5% poderia elevar as exportações subsaarianas em 5,4 bilhões de dólares — um aumento de 233%.


Ainda que imprecisas, essas estimativas preliminares revelam um tremendo potencial para os países que atualmente exportam principalmente recursos naturais. A população africana é de 1 bilhão, pouco menos que o 1,1 bilhão da Índia. O valor agregado pelo setor manufatureiro na Índia é de 16% do PIB, 13% nos países subsaarianos e 16% em países do norte da África (Egito, Marrocos e Tunísia).

Como o total de trabalhadores da indústria na Índia é de 8,7 milhões, é razoável supor que o número na África esteja em, no máximo, 10 milhões. Isso sugere que realocar na África parte dos 85 milhões de empregos industriais de baixo valor agregado da China criaria enormes oportunidades para o continente. 

Para se beneficiar das oportunidades oferecidas pela saída de indústrias pouco sofisticadas da China é preciso formular e implementar estratégias de desenvolvimento consistentes. Questionado sobre lições para a vida, o humorista americano Arnold Glasgow respondeu: “O sucesso é simples. Faça a coisa certa, da maneira certa, na hora certa”.

Como podem dizer os dirigentes de países em desenvolvimento, a primeira dificuldade é saber o que é o certo. Mas, ao avaliar os desafios que suas economias enfrentam após décadas de estratégias equivocadas, os mandatários de países pobres devem reagir com otimismo. Há muitas oportunidades num mundo cada vez mais globalizado.

Em 1980, o PIB per capita da China em dólares medido pela paridade do poder de compra era menos de um terço da média registrada na África ao sul do Saara. Após três décadas de industrialização, o PIB per capita chinês é quatro vezes superior ao desses países. As evidências históricas mostram que os recém-chegados podem usar o atraso a seu favor."

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