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No Rio, a crise já dura 30 anos

A batalha na Rocinha evidencia o colapso das políticas de segurança pública que tinham reduzido a violência na cidade

Policiais na Rocinha (Foto/Agência O Globo)

Policiais na Rocinha (Foto/Agência O Globo)

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Filipe Serrano

Publicado em 5 de outubro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 5 de outubro de 2017 às 05h55.

Rio de Janeiro – Se ainda existia alguma dúvida de que as políticas de segurança entraram em colapso no Rio de Janeiro, a recente batalha entre traficantes na favela da Rocinha deixou claro como o governo tem falhado, crise atrás de crise, no combate à violência na cidade. Os tiroteios na favela só foram interrompidos depois que 950 militares das Forças Armadas foram enviados para fazer a segurança. Foi uma medida de emergência. Acabar com o crime organizado na Rocinha e em outros bairros não é algo possível da noite para o dia.

Hoje, das 1 025 favelas cariocas, 850 são controladas por traficantes ou milícias. “O que houve no Rio é que a crise nos órgãos de segurança pública foi acompanhada de uma retomada do controle de território por grupos armados”, diz Silvia Ramos, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes.

A violência é um problema de todos os grandes municípios brasileiros. Das 50 cidades mais violentas do mundo, 19 estão no Brasil. No Rio de Janeiro, a crise da segurança já dura mais de três décadas e deixou uma população traumatizada. Em 20 anos, de 1997 a 2016, foram mortas de forma violenta 52 128 pessoas apenas na capital. O número supera o de mortos em guerras. Sucessivos governos falharam em encontrar uma solução. Mas chama a atenção que as taxas de homicídio vinham caindo até 2015. De lá para cá, voltaram a crescer.

A escalada tem uma série de motivos. Por um lado, a grave crise fiscal do estado do Rio afetou os gastos com segurança pública, e o aumento do desemprego levou mais pessoas para o crime. Por outro, o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que começou em 2009 no governo de Sérgio Cabral, não conseguiu reduzir o poder dos grupos armados nas favelas. Para os especialistas, o progresso das UPPs não se sustentou porque faltou integração entre as unidades e os setores de inteligência. Além disso, não houve ações coordenadas do estado e do município para oferecer alternativas aos jovens que entram para o crime — faltou uma presença do poder público que não fosse apenas a policial.

O curioso é que, no fim dos anos 2000, o Rio de Janeiro adotou medidas parecidas com as que foram tomadas em Medellín, na Colômbia. A Secretaria de Segurança do estado do Rio abraçou a política de policiamento comunitário, criou o Instituto de Segurança Pública, órgão dedicado a produzir e analisar os dados de criminalidade, e também lançou um programa de metas periódicas de redução de crimes, conhecido como SIM, que paga prêmios aos policiais das regiões com melhor desempenho. Ao mesmo tempo, foram feitos investimentos para melhorar a infraestrutura nas favelas e instalar serviços públicos nas comunidades. Eram políticas corretas, mas não tiveram continuidade ou foram enfraquecidas com as trocas de governo. Essa é a maior diferença em relação a Medellín.

Enquanto o crime organizado ganha poder, a violência vai prejudicando a vida de milhões de pessoas no Rio. Famílias de todas as faixas de renda evitam sair à noite nas ruas, deixam de circular por certos bairros, mudam de casa ou trocam os filhos de escola. No primeiro semestre, 129 000 alunos da rede municipal foram prejudicados pelo fechamento das escolas por causa de tiroteios. Dos 107 dias letivos, as escolas só funcionaram normalmente em oito.

Para o setor privado, há prejuízos, porque funcionários faltam ao trabalho para cuidar dos filhos. Os comerciantes e os empresários sofrem com a queda no movimento. De janeiro a julho, bares e restaurantes tiveram uma redução de 40% no faturamento em relação ao ano passado, segundo o sindicato que representa o setor. O crime também prejudica a indústria. Os roubos de cargas dispararam: de 2 600 ocorrências, em 2010, para 9 800, no ano passado. “Nunca tivemos uma situação tão grave”, diz Sérgio Duarte, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. No total, a indústria brasileira gasta 22,5 bilhões de reais por ano com segurança privada e seguros, elevando os custos.

Todos esses problemas, que, de forma direta ou indireta, prejudicam a produtividade e a competitividade das empresas, afetam a economia local e a do país. Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que o custo do crime corresponde a 3,14% do PIB brasileiro. “É um custo de oportunidade, porque o governo e as empresas deixam de investir em infraestrutura, na compra de máquinas, em educação ou saúde”, diz Laura Jaitman, economista do BID e coordenadora das pesquisas sobre segurança.

Para o pesquisador Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que estuda há 20 anos o impacto da criminalidade, as soluções são as velhas conhecidas: investir num policiamento regular, orientado por uma equipe de inteligência bem equipada. “O objetivo não pode ser prender ladrões de galinha. Tem de ser retirar armas e munições da rua, prender os homicidas contumazes e desarticular os grupos criminosos dentro da polícia”, diz. Enquanto isso não ocorrer, mais episódios como o da Rocinha só tendem a se repetir.

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