Uma desempregada ameaça se matar na Grécia: a taxa de suicídios cresceu 17% de 2007 a 2009 (Latinstock)
Da Redação
Publicado em 22 de junho de 2013 às 19h55.
São Paulo - Não há o cheiro de álcool de coquetéis molotov nem o ruído de colheres batendo em panelas, típicos de manifestações contra as políticas de austeridade na Europa. Mas a briga entre alguns dos principais economistas para propor soluções que tirem os países ricos da crise é barulhenta e, às vezes, pode cheirar mal — ironias e xingamentos não são uma raridade.
De um lado, estão os defensores da austeridade, para quem o corte de gastos do governo resulta em expansão dos investimentos privados, já que inspira maior confiança no poder dos países de honrar suas dívidas.
Esses economistas que apoiam o arrocho dizem que o remédio para sair da crise é amargo mesmo, esfria a economia e aumenta o desemprego, mas é o melhor caminho para voltar a crescer.
A outra trincheira abriga os adeptos das ideias de John Maynard Keynes, economista morto em 1946, que defendia o estímulo da demanda, com o aumento dos gastos públicos, para tirar um país da recessão. Para esse grupo, os governos devem evitar que a economia vá, sem freio, ladeira abaixo.
Em termos de políticas públicas, os pró-austeridade estão, até agora, por cima, já que a maior parte dos países — dos Estados Unidos à Grécia — adota uma estratégia de corte de gastos. Mas, no ultimate fighting entre os economistas, o momento parece favorável aos defensores dos estímulos. Pelo menos no plano das ideias, eles se fortaleceram nos últimos dois meses.
No final de maio, o economista David Stuckler, da Universidade de Oxford, e o epidemiologista Sanjay Basu, da Universidade Stanford, lançaram o livro The Body Economic: Why Austerity Kills (“A economia do corpo: por que a austeridade mata”, numa tradução livre).
Na obra, os dois professores sustentam que existe uma ligação direta entre desemprego e aumento no número de casos de suicídio e depressão. A Grécia, que tem um índice de desemprego de 27%, viu a taxa de suicídios crescer 17% de 2007 a 2009.
Na Espanha, onde de cada dez trabalhadores três estão sem emprego, o número de pessoas com sintomas de depressão disparou e o número de suicídios subiu 9% desde 2007. Para Stuckler e Basu, esses aumentos não precisavam ser tão grandes.
Países que resistem à tentação de cortar o orçamento público destinado à área da saúde e à seguridade social têm conseguido diminuir os efeitos da crise. Na Islândia, primeiro país europeu a ser socorrido pelo FMI após a quebradeira de seus bancos em 2008, nenhum cidadão perdeu a cobertura do seguro de saúde. Isso, argumentam os autores do livro, explica por que o número de suicídios manteve-se estável no país nos últimos anos.
“O efeito da recessão sobre a saúde da população depende do modo como os governos respondem à crise”, diz Stuckler. O pacote de austeridade grego de 2010 cortou 40% os gastos com saúde no país. Com isso, a malária, que estava erradicada desde 1974, voltou. De janeiro a setembro de 2012, foram registrados 77 casos da doença.
A depressão do Excel
Pelo que mostram os últimos dados econômicos da Europa divulgados em meados de maio, todo esse esforço em seguir a cartilha da austeridade prescrita pelos alemães não parece estar tendo o efeito esperado. Desde 2008, a economia grega encolheu 17%; a portuguesa e a espanhola, quase 4%.
A zona do euro está em recessão há um ano e meio e, mesmo que a situação melhore nos próximos semestres, a economia da região será em 2014 quase igual ao que era em 2007. O anúncio dos dados sobre a situação econômica na Europa e a publicação do livro sobre a saúde no continente vieram na esteira de uma revelação que abalou o meio acadêmico — e o governamental também.
Em abril, pesquisadores da Universidade de Massachusetts apontaram erros crassos no artigo Crescimento em Tempos de Crise, de dois renomados professores da Universidade Harvard, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff. O texto, publicado em 2010, é tido como um dos trabalhos acadêmicos que mais imediatamente influenciaram o debate público em toda a história da ciência econômica.
A tese de Carmen e Rogoff, segundo a qual os países crescem pouco a partir do momento em que a dívida pública ultrapassa 90% do PIB, foi abraçada por defensores da austeridade nos Estados Unidos e na Europa.
O problema é que as fórmulas usadas nas planilhas de Excel estavam erradas e os dados de alguns países foram ignorados. Essa notícia fez a alegria de Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008 e expoente máximo dos antiausteridade.
Três dias depois do anúncio dos erros, o título de sua coluna no jornal The New York Times era “A Depressão do Excel”. Na última edição da publicação The New York Review of Books, Krugman, cético em relação à recuperação americana, voltou à carga.
“A análise econômica séria tem sido aproveitada da mesma maneira que o bêbado usa o poste de luz: como encosto, não como fonte de iluminação.” Robert Pollin, professor de economia da Universidade de Massachusetts e um dos autores do trabalho que apontou os erros, diz que a Europa fracassou até agora “porque não deixou nenhum espaço para o crescimento econômico”.
No começo de maio, Carmen e Rogoff publicaram uma correção, reconhecendo problemas nos cálculos, mas negando a acusação de exclusão proposital de dados.
“Estamos sendo atacados por aqueles que têm uma visão de que os riscos do endividamento não devem fazer parte do debate político”, escreveram em artigo no jornal The New York Times. Ambos fizeram questão de reafirmar que dívida alta tende a diminuir o crescimento.
“Embora Carmen e Rogoff se preocupem com as consequências do alto endividamento, eles também parecem pensar que a política de austeridade atingiu o limite”, diz Dani Rodrik, um influente professor de economia na Universidade Harvard. Ao responder aos críticos, os autores do artigo Crescimento em Tempos de Crise argumentaram que nunca defenderam o desaquecimento da economia com austeridade como a única saída.
“Sempre enfatizamos a necessidade de usar, de maneira criativa, várias estratégias, como elevar a inflação e reestruturar as dívidas”, escreveram. O certo é que a população dos países mais afetados parece estar no limite do desespero. Mas, assim como o bate-boca público entre os economistas, os panelaços e os embates entre manifestantes e polícia não têm data para terminar.