Conferência da Lenovo em Austin, no Texas: a companhia passa a oferecer soluções para gerenciamento de dados (Lenovo/Divulgação)
Repórter
Publicado em 12 de dezembro de 2023 às 06h00.
Última atualização em 18 de dezembro de 2023 às 10h54.
Viabilizar a transformação digital. Coibir ataques cibernéticos. Abrir caminho para o uso de inteligência artificial no dia a dia. Em qualquer empresa, quem responde por tudo isso, em última análise, é o head da área de tecnologia. Em algumas companhias, ele costuma ostentar o título de Chief Information Officer (CIO). Outras preferem Chief Technology Officer (CTO) ou Chief Data Officer (CDO). Pouco importa o nome do cargo, e sim a principal atribuição dele hoje em dia: fazer com que as empresas aproveitem ao máximo o poder das novas tecnologias.
“Historicamente, os CIOs têm se concentrado em identificar, integrar e implementar tecnologias que ajudem a aumentar o valor de suas organizações”, disse Arthur Hu, CIO global da Lenovo, em um evento da Wired. Em seguida, lembrou que o papel de profissionais como ele mudou drasticamente ao longo dos últimos anos — principalmente a partir da pandemia, que obrigou inúmeras empresas a se digitalizarem da noite para o dia. Atualmente, defende o executivo, os heads de tecnologia têm cada vez mais voz em decisões estratégicas.
Disse ele no mesmo evento: “Um CIO não deveria ter como objetivo colocar algo como a inteligência artificial [IA] em um pedestal. Deveria desmistificar e dizer: ‘Olhem, isso é o que ela realmente pode fazer’”. Em outras palavras, Hu encoraja seus pares a atuarem como tradutores de inovações, como cloud computing e internet das coisas (IoT), sobre as quais ainda pairam muitas dúvidas. “Esqueça as equações, que as pessoas têm dificuldade em entender”, sugeriu. “Você quer que as pessoas compreendam e usem as novas tecnologias.”
Parte considerável da transformação da Lenovo nos últimos anos é atribuída a ele. Antes com foco em gadgets como tablets e notebooks, a companhia também passou a oferecer soluções para gerenciamento de dados, entre outras. E a inflexão só foi possível, em grande medida, porque o CIO soube comunicar aos demais integrantes do C-Level qual é o valor de longo prazo de novas tecnologias e como colocá-las em prática. É o caso da IA, incorporada pela Lenovo de diversas maneiras. Um exemplo? Com a ajuda de sistemas automatizados, a companhia está desenvolvendo estratégias, em parceria com a startup italiana The Edge Company, para que os aviões deixem de colidir com pássaros.
Desnecessário dizer que a época na qual os heads de tecnologia pouco ou nada influenciavam nas decisões estratégicas ficou no passado. Até há pouco, é verdade, os diretores da área só eram vistos como responsáveis pela infraestrutura tecnológica — o que, convenhamos, não é pouca coisa. A principal missão deles era garantir que os sistemas estivessem funcionando; e os dados, seguros. Acontece que tecnologia deixou de ser sinônimo, unicamente, de ferramenta operacional. “Ela virou a espinha dorsal da estratégia, inovação e competitividade de uma empresa”, defende Wilian Domingues, CIO da Paschoalotto.
Na ativa desde 1998, a companhia paulista é conhecida, principalmente, por oferecer soluções de recuperação de crédito, entre outras. Domingues comanda a área de tecnologia da informação (TI) e é um dos membros do conselho de administração. “Meu cargo exige que eu traduza questões técnicas em informações estratégicas”, diz ele. “Preciso fazer com que os demais conselheiros entendam exatamente quais são as novas tecnologias disponíveis, quanto elas vão custar, o que poderão fazer pela companhia e em quanto tempo.”
Outra tarefa incessante é a de descartar a adoção de novidades hypadas, mas de pouca serventia. É o caso, talvez, do Clubhouse. Lançado em abril de 2020, o aplicativo de conversas só para convidados virou uma febre instantânea no Brasil e no mundo. Diversas marcas, como a montadora Audi, não pensaram duas vezes e aderiram à novidade, hoje tão em alta como as fitas cassete. “Todo CIO deveria ter assento no conselho de administração para que a adoção de tecnologias estivesse alinhada a decisões estratégicas e para que inovações que não ajudassem a resolver nenhum problema da empresa ficassem de lado”, afirma Domingues.
“O cenário de negócios tem passado por transformações profundas, trazendo consigo modelos inovadores que desafiam até mesmo os planos estratégicos mais sólidos”, escreveu ele em um artigo publicado no site da EXAME. “Em meio a essas mudanças, o CIO enfrentou a tarefa fundamental de estreitar laços com as áreas de negócios. Aqueles que conseguiram equilibrar essa relação hoje desfrutam uma posição mais estratégica nas empresas.”
Em outro trecho, recomendou o seguinte: “Transformar uma empresa traz consigo uma série de complexidades. Para as empresas que embarcam na jornada da transformação digital, a estratégia não é apenas sobre adotar a mais recente tecnologia, mas também sobre cultivar uma cultura que abrace a inovação e a experimentação.” Depois, assegurou que o futuro dos negócios está diretamente ligado à tecnologia e à capacidade de adaptação e inovação das companhias. “Mal saímos de uma onda de transformação digital provocada pela pandemia e já estamos imersos em outra com a inteligência artificial”, argumentou em seguida.
Uma pesquisa da Salesforce, líder global em software de gestão corporativa, concluiu que 91% da liderança da área de TI acredita que os processos adotados hoje em dia, de maneira geral, estão na contramão da produtividade. “Quando as apostas são altas, os CIOs e suas equipes devem ajudar toda a empresa a fazer mais com as ferramentas e os recursos disponíveis”, defende Juan Perez, vice-presidente executivo e CIO da Salesforce. Devem exercer o que ele chama de “intimidade com o negócio”. Nada mais é do que o alinhamento direto com colegas de todas as áreas, para entender verdadeiramente as necessidades de cada uma delas.
“Líderes de TI precisam identificar onde a tecnologia pode impulsionar o crescimento, aumentar a eficiência e criar mais valor comercial rapidamente”, afirma Perez, que se opõe à máxima de que as companhias precisam “fazer mais com menos”. “O que levou uma empresa até onde ela está hoje em dia não é, necessariamente, o que possibilitará seu sucesso no futuro”, afirmou em um artigo. “À medida que as empresas amadurecem, devem trocar a mentalidade de startup — de crescimento rápido a alto custo — pela busca pela excelência operacional e lucratividade, fazendo ‘mais com mais’.”
O que isso significa na prática? Adotar inovações que favoreçam o crescimento futuro dos negócios sem um aumento proporcional na força de trabalho. “Escalar o suporte de TI sem aumento de pessoal é a própria definição de ‘mais com mais’”, afirmou Perez no mesmo artigo. Abre caminho para mais automação, mais treinamento, mais clareza nas funções e responsabilidades, mais padronização de processos e práticas e mais flexibilidade e agilidade, entre outros benefícios.
Que a adoção de sistemas automatizados traz impactos positivos no dia a dia das companhias ninguém discute. Eles dão fim a tarefas monótonas e repetitivas, diminuindo o estresse de parte considerável dos funcionários e melhorando o atendimento aos clientes. Outra pesquisa da Salesforce, por sinal, constatou que 79% dos colaboradores que fazem uso de algum tipo de automação acreditam que ela impulsiona a produtividade.
Não por acaso, o Flow Builder, ferramenta da Salesforce que permite a criação, o teste e a distribuição de fluxos para automatizar processos comerciais, já economizou mais de 109 bilhões de horas de trabalho para os clientes da big tech americana. Equivale a uma economia de 2,19 trilhões de dólares.
Uma das empresas que recorrem às ferramentas de automação da Salesforce é a Schneider Electric. Graças a isso, os representantes de vendas da multinacional de origem francesa, especializada em produtos e serviços para distribuição elétrica, fecharam negócios a uma velocidade 30% maior e, em três anos, economizaram 2,7 milhões de dólares com gastos de TI.
Divulgada em novembro, uma pesquisa da Lozinsky Consultoria de Negócios se debruçou sobre a trilha de aprendizagem e de crescimento dos heads de tecnologia e suas expectativas dentro das organizações. Intitulada “Jornada do CIO”, ouviu 84 profissionais do gênero. “Foi concebida para entender os desafios, oportunidades e dilemas do profissional à frente da área de tecnologia”, explica Sergio Lozinsky, sócio-fundador e CEO da consultoria. “O objetivo não é falar sobre tendências em tecnologia, apurar o tamanho dos orçamentos de tecnologia da informação ou quantificar os profissionais que dedicam sua carreira ao tema. Focamos o indivíduo CIO, cuja área talvez seja a mais complexa dentro de qualquer organização.”
De acordo com o levantamento, oferecer flexibilidade no modelo de trabalho é o principal diferencial competitivo na atração e permanência de talentos nos departamentos de TI — 63% dos entrevistados concordam com isso. Garantir oportunidade contínua de crescimento faz diferença para 38% das lideranças consultadas, enquanto o gerenciamento e o engajamento de equipes são apontados como uma aptidão pela metade.
“O papel da tecnologia, há algum tempo, deixou de ser somente de apoio ou entrega de soluções e passou a figurar como chave no desenho estratégico e no processo decisório das organizações”, diz Humberto Morais Moises, CIO da Ipiranga. “O custo de uma decisão que não envolva o olhar de tecnologia é muito alto e traz para a organização uma lentidão.”
O que mais caracteriza o atual momento das áreas de TI nas empresas, mostra o estudo da Lozinsky, é a busca para manter uma atuação alinhada com o planejamento acordado com a alta cúpula — sem deixar de resolver, de forma imediata, “pepinos” urgentes. Quase metade dos entrevistados (47,5%) concorda com essa visão.
Os executivos consultados reclamam, no entanto, de atribuições que tomam tempo das agendas e não fazem muita diferença. Para 58% deles, é o caso de demandas relacionadas a problemas operacionais, com os quais são obrigados a se envolver diretamente. Metade dos entrevistados também reclama das reuniões com fornecedores que estão pouco sintonizados com o crescimento da organização.
CIO da Vivo desde outubro de 2021, Denise Inaba é responsável pelo controle de mais de 600 aplicações de tecnologia em um ambiente que inclui oito data centers. “É um dos maiores parques tecnológicos do país e fruto de diversas aquisições, o que aumenta a complexidade do trabalho da equipe de TI”, diz ela, cujo departamento emprega cerca de 2.800 pessoas e lida com mais de 450 fornecedores de soluções. Tudo para garantir o bom funcionamento das tecnologias utilizadas pelos colaboradores e pelos 112 milhões de clientes da Vivo. “Fazemos mais de 17.000 atualizações de sistemas por ano”, informa a executiva.
Na companhia desde 2004, ela começou como gerente de desenvolvimento de negócios e foi galgando degraus — assumiu a diretoria de planejamento e governança em 2010 e, seis anos depois, tornou-se diretora de planejamento do segmento B2B. A trajetória em áreas comerciais, afirma Denise, lhe é extremamente útil no cargo atual. “Tenho convicção de que a TI é uma parte fundamental do negócio”, ressalta ela. “Não dá para dissociar a área das grandes decisões estratégicas da companhia.”
Foi-se o tempo, por sinal, em que a Vivo era vista unicamente como uma empresa de telecomunicações. Hoje ela se apresenta como uma companhia de tecnologia — além de oferecer serviços de telefonia, administra a plataforma de educação Vivae e dispõe de um app de meditação, entre outras novidades. “O maior desafio do meu cargo é equilibrar a atenção com o presente, porque nada pode deixar de funcionar, com o olhar para o futuro, pois as inovações não param”, resume a CIO.