Revista Exame

No Brasil, o campo dá o exemplo

No agronegócio, o Brasil se tornou um dos países mais produtivos do mundo nas últimas décadas. Mas a indústria e os serviços não acompanharam — e o resultado geral é um país ineficiente

Fazenda de soja em Mato Grosso: alta produtividade com inovação e máquinas (Ricardo Teles/Pulsar Imagens)

Fazenda de soja em Mato Grosso: alta produtividade com inovação e máquinas (Ricardo Teles/Pulsar Imagens)

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Da Redação

Publicado em 22 de dezembro de 2011 às 08h40.

São Paulo - No início dos anos 70, a agricultura no cerrado era quase uma utopia. A terra era fraca e o clima, quente e de chuva escassa, não ajudava. Nem estradas de verdade existiam para ligar o Centro-Oeste ao restante do país.

Naquela época, os produtores rurais menosprezavam a região: “Cerrado, só dado ou herdado”. Quatro décadas depois, o cerrado brasileiro se transformou num dos maiores centros de produção de grãos do mundo. A revolução no campo brasileiro foi fruto de tecnologia — sobretudo o desenvolvimento de sementes adaptadas ao clima tropical feito pela Embrapa —, mas também de injeção de capital.

Desde então, o Brasil quintuplicou o número de tratores nas lavouras, passando de 165 000 para mais de 800 000 máquinas. O resultado é que a produtividade da agricultura brasileira cresceu à impressionante média de 3% ao ano durante quase 40 anos. O salto do setor, porém, ainda é um exemplo praticamente isolado.

No caso da indústria, a produtividade do capital investido caiu drasticamente no começo dos anos 80, e desde então permanece empacada. Isso significa que o setor não tem conseguido elevar o rendimento das máquinas em operação nas fábricas.

“O Brasil tem um parque industrial ineficiente, resultado da baixa produtividade”, diz Eustáquio José Reis, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Produtividade é um daqueles conceitos que está no rol de metas que  todas as empresas perseguem. É a capacidade de fazer mais com os recursos disponíveis. Essa equação é composta de dois insumos básicos: a mão de obra e o capital. Quando os dois fatores são bem utilizados, tornam todo o tecido econômico mais eficiente.

No Brasil, tem ocorrido o contrário. A perversa combinação de trabalhadores mal qualificados com o baixo rendimento do parque fabril resulta em estagnação da produtividade da economia nas últimas três décadas. Ou seja, em vez de se completarem, um acaba prejudicando o outro.

Países como a Coreia do Sul, que investiram na educação da população e na renovação da indústria, apostaram na combinação certeira. Por isso, enquanto a produtividade dos coreanos avançou mais de 2% ao ano de 1995 a 2008, o Brasil registrou taxas negativas da ordem de 0,4% em média.


No caso da produtividade do capital, estima-se que o Brasil seja capaz de extrair em produção um valor anual que equivale à metade do que tem acumulado nos equipamentos e nos imóveis. Isso significa que é possível produzir 50 dólares para cada 100 dólares em capacidade instalada.

O ideal seria obter um retorno de 60% — esse era o índice que os países ricos conseguiam quando tinham um grau de desenvolvimento comparável ao da economia brasileira atual. O Brasil já teve uma produtividade de capital elevada, da ordem de 80%. Isso ocorreu nos anos 60 e 70, fruto do investimento intenso, do setor privado e do governo, que gerou o milagre brasileiro.

“Países com limitações de investimento, como o Brasil, têm de tirar o máximo da capacidade instalada porque não têm capital sobrando”, diz o pesquisador Carlos Feu Alvim, do centro de estudos Economia e Energia, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Não são poucos os fatores que drenam a produtividade do capital no Brasil. Da infraestrutura precária e dos serviços públicos emperrados, que impõem um ritmo mais lento ao setor privado, ao número de feriados (em 2011, serão 14 folgas nacionais), tudo resulta em máquinas paradas ou sub-utilizadas — e, portanto, menos produção. Mas há deficiências que exigem ações apenas das empresas.

Muitas companhias, em vez de renovar os equipamentos, insistem em manter maquinário defasado em operação, tentando tirar mais de tecnologias já ultrapassadas. “Ainda há resíduos de investimentos dos anos 70 no estoque de máquinas e equipamentos, época em que se imaginava outro país”, diz Marcelo Nascimento, economista do BNDES.

De acordo com ele, apenas mais recentemente houve um avanço no investimento em máquinas no país. Entre 2005 e 2008, a aquisição de equipamentos cresceu 4,4% ao ano — ante apenas 1% ao ano de 1999 a 2004. São números animadores, pois sinalizam uma elevação dos investimentos, mas o fato é que estamos atrasados.

Em quase duas décadas de estabilização da economia, a taxa de investimento do país tem girado entre 15% e 18% do PIB — a da China é de 45%. De 1991 a 1995, o Brasil acumulou investimento de 463 bilhões de dólares em valores atuais. Nos últimos quatro anos, o valor triplicou, para 1,5 trilhão.


Mas isso corresponde a apenas 15% dos 9 trilhões de dólares investidos na China no período. O BNDES aposta que, nos próximos três anos, o Brasil pode alcançar uma taxa de investimento de 21% — o que garantiria um crescimento econômico de 5%. 

O baixo patamar de investimento se deve em parte a um problema que não foi resolvido até agora: uma taxa de juro sufocante. O Brasil exige fôlego de maratonista para quem deseja investir e crescer.

Não é para menos que quase 90% das empresas brasileiras, a maioria delas estabelecida no setor de serviços, têm até nove funcionários. Nos Estados Unidos, as microempresas são apenas 54% do total. As empresas pequenas têm maior dificuldade em levantar capital e adquirir novas tecnologias.

Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que as pequenas indústrias da América Latina precisam de quatro vezes mais capital e trabalho para gerar a mesma quantidade de produção que as grandes companhias. Ou seja, estão no pior dos mundos: sem escala, sem capital e sem trabalhadores qualificados.

Hora de avançar

Mas, se existe uma hora para realmente avançar na produtividade, é agora, com o consumo interno jogando a favor. Num primeiro momento, as empresas que operam apenas com um ou dois turnos podem ocupar sua capacidade plena. Nos últimos meses, as montadoras GM e Renault inauguraram o terceiro turno nas fábricas de São Paulo e do Paraná.

A Mercedes-Benz estuda implantar medida semelhante para expandir a produção de caminhões. Essa é a parte relativamente fácil da elevação da produtividade — usar uma máquina já instalada por mais horas. Mais difícil é colocar dinheiro novo para ampliar o parque.

A Man, também fabricante de caminhões, comunicou investimento de 1 bilhão de reais na ampliação de sua fábrica em Resende, no Rio de Janeiro. Para que o país todo ganhe produtividade, porém, não bastam as iniciativas de algumas ilhas do setor privado. A agenda vai desde o fortalecimento da estrutura empresarial até uma máquina pública que some, em vez de subtrair.

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