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Gustavo Franco é um neopragmático?

É assim que se autodefine Gustavo Franco, o homem que faz a cabeça do presidente

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2013 às 18h10.

Ele pode ser dono de uma das cabeças mais organizadas deste governo, mas é difícil encontrar em Brasília ou em qualquer outro lugar um gabinete que rivalize em caos com o que ocupa no 20o andar da sede do Banco Central. </p>

Sentado à mesa de onde comanda a diretoria da área externa do banco, o carioca Gustavo Henrique Franco, um homem miúdo de 40 anos com uma barba de dois dias por fazer, perde-se em meio às pilhas de papéis à sua volta.

Colunas de mais de 1 metro de altura (em certa ocasião contou sessenta delas), contendo documentos, estudos e papéis diversos, cobrem boa parte de duas mesas grandes e um aparador no fundo da sala. Elas ainda avançam pelas cadeiras e esparramam-se pelo chão.

Com as pernas estendidas sobre a mesa, enquanto escuta um CD do compositor japonês Sakamoto, comprado numa de suas viagens a Tóquio, Franco limpa a mesa, fazendo bolinhas de papel, que tenta encestar no lixo à sua frente.

Esse carioca calmo, com um jeito de conversar pausado, é um homem do barulho. Quem o vê trabalhando de terça a quinta no edifício-sede do Banco Central não imagina que esse funcionário do terceiro escalão possa provocar tanta discussão dentro e fora do governo. No governo, Franco é um interlocutor privilegiado do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Admite-se hoje no Palácio do Planalto que ele é o principal formulador da política econômica ora em curso. De tempos em tempos, é convidado a tomar um café da manhã ou almoçar com o presidente no Palácio da Alvorada. "Fernando Henrique tem uma grande admiração por ele", diz um assessor do Planalto. "Gustavo faz a lição de casa, e o presidente adora ler essa lição."

Não bastasse estar à frente de uma das áreas mais sensíveis e polêmicas do programa de estabilização econômica, a calibragem da taxa de câmbio, Franco defende suas idéias com a convicção de quem não acredita em vida inteligente nos meios onde possam ser rejeitadas.

De fato, ele não se preocupa em ferir suscetibilidades quando se põe a defender os pontos de vista que fizeram dele, goste-se ou não, referência obrigatória da política econômica deste governo.

Quem quiser conhecer suas idéias a respeito dos caminhos que o país deve trilhar para alcançar o desenvolvimento pode se debruçar sobre seu mais recente trabalho.


Divulgado na imprensa com a chancela do presidente da República, que gostou do que leu, o ensaio, intitulado A inserção externa e o desenvolvimento, é composto de 45 folhas dedicadas a examinar questões ligadas ao setor externo, como abertura comercial, política de câmbio e globalização.

O estudo, concluído há três meses, mas só agora divulgado, procura demolir a visão de que os pilares em que se assenta o programa de estabilização, ou seja, as políticas de austeridade para combater a inflação, a abertura econômica e a manutenção de taxas de câmbio realistas, estariam condenando o país ao crescimento medíocre.

CÍRCULO VIRTUOSO - Pelo contrário, na visão de Franco, foi justamente o abandono da antiga política protecionista que deslanchou as transformações que irão nos conduzir, acredita, em duas décadas, ao clube dos países desenvolvidos.

"É justamente o processo de abertura, através de seus efeitos sobre o dinamismo tecnológico do país, que definirá os contornos básicos do novo ciclo de crescimento", escreveu Franco.

É assim, segundo ele, que o país está recuperando os ganhos de produtividade necessários para dar maior competitividade aos produtos brasileiros e, a partir daí, deslanchar o ciclo virtuoso de crescimento e distribuição de renda. De fato, pesquisas variadas mostram que os níveis de produtividade da indústria nacional, estagnados na década de 80, estão aumentando de maneira espetacular.

De 1990 até o ano passado, segundo dados da Fiesp, o aumento da produção física por hora trabalhada tem sido de 7,5% ao ano. "Isso é uma coisa sem qualquer paralelo na História do país", diz.

Em tempo: Franco foi um dos economistas que, a convite da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, ajudaram a elaborar as linhas mestras da política de abertura comercial lançada no início da década pelo então presidente Fernando Collor.

A admiração do presidente por Franco surgiu desde as primeiras reuniões promovidas com o núcleo central de economistas, convidados em 1993 pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique, para alinhavar a reforma monetária que redundaria no real. Nessas reuniões, cada economista destacava-se por um traço particular.


Pérsio Arida, por exemplo, era o homem das idéias criativas e capacidade de identificar, rapidamente, furos nas propostas colocadas na mesa. Edmar Bacha era quem, na hora de bater o martelo, oferecia o argumento decisivo.

Franco destacava-se pela capacidade de sistematizar, num pedaço de papel, as idéias que iam surgindo. "Ele possui um estilo polêmico, provocativo, que estimula o debate", afirma o ministro Pedro Malan, seu professor no Departamento de Economia da PUC no início dos anos 80.

Malan lembra que, logo na primeira prova, dois alunos chamaram sua atenção pelo raciocínio claro e letra bem-feita. O primeiro foi Armínio Fraga, ex-diretor do Banco Central. O segundo, Gustavo Franco.

ESCRITOR COMPULSIVO - Foi Malan quem o indicou para a equipe de economistas encarregada, por Fernando Henrique, de resgatar o país do que parecia ser, na época, a eterna inflação. Pouco depois, convidado para a presidência do Banco Central, Malan fez questão de levá-lo para a diretoria da área externa. "Sabia a importância que a política cambial teria para o sucesso do plano de estabilização", afirma.

Casado pela segunda vez, pai de três filhos - o último, Antônio, nascido no Rio de Janeiro, no mês passado -, Franco declara-se um escritor compulsivo. Ele é daqueles que, sentados diante de um computador, não deixam a tela permanecer branca por mais de 1 minuto.

Já escreveu sete livros sobre economia e dezenas de papers acadêmicos - um feito e tanto para quem tem apenas 40 anos. Escrever ficção é um de seus passatempos. Sempre que pode, Franco dá trela à imaginação. Adolescente ainda, ganhou um concurso de contos.

Sobre o que escreve o ficcionista Gustavo Franco? Deve ser mais fácil extrair dele alguma informação sobre um próximo ajuste na taxa de câmbio do que o conteúdo de um de seus escritos no terreno da ficção.

A idéia de publicá-los deixa-o em pânico. "Se quando escrevo um livro sobre economia, que é a minha especialidade, tenho de enfrentar resenhas ridículas, imagine se eu me meter a escritor", diz. "Seria um convite para a pancadaria." No momento, decidiu ampliar alguns pontos do seu último ensaio para transformá-lo em seu oitavo livro. Qual é, afinal, o mérito desse trabalho que tanta discussão tem provocado?


Muito pouco, se o critério de medição for teorias inovadoras nele contidas. Há pelo menos uma dezena de trabalhos acadêmicos, escritos no Brasil na década passada, que defendem a mesma receita de crescimento. Economistas conhecidos como Ibrahim Eris, Antônio Kandir e Winston Fritch, provavelmente, assinariam embaixo de pelo menos 90% do que está ali escrito.

A novidade é que essas idéias ganharam agora um debate amplo com a divulgação do trabalho. Nem todo mundo, evidentemente, gostou do que leu. O deputado Delfim Netto, por exemplo, não perdeu a chance de criar mais uma frase de efeito. Disse que Franco é um ideólogo entusiasmado da transformação do Brasil num entreposto comercial igual a Hong Kong.

"O Delfim não discute idéias, pois está sempre operando", afirma Franco. "Dessa vez, ele está no papel de assessor de imprensa do Parque Jurássico."

CIÚME DE HOMEM - O trabalho de Franco serviu também para trazer à tona a monumental rivalidade que impera no meio acadêmico. "Ciúme de homem é um problema seriíssimo", diz. Num artigo na Folha de S. Paulo, o economista Álvaro Zini, do Departamento de Economia da USP, fez uma crítica dura do ensaio.

"Com vinte anos de atraso, as idéias de Margaret Thatcher chegaram ao Planalto", diz Zini. Para ele, Franco emprega argumentos "cínicos", ao sustentar que é o mercado que estabelece a taxa de equilíbrio do câmbio, quando "se sabe que o preço do dólar no Brasil é determinado pelo poder de fogo da mesa de câmbio do Banco Central, coadjuvada pela política de juros."

Franco é o tipo que não consegue encarar com leveza críticas desse calibre. "Zini é um cara medíocre, recalcado e frustrado", diz. O problema entre os dois começou há seis anos, quando Franco, segundo sua versão, "arrasou" com a tese apresentada por Zini num concurso promovido pela Anpec, Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia.

Franco, que ganhara o prêmio no ano anterior, com a tese "Hiperinflações na Europa", desenvolvida em Harvard, era um dos cinco componentes da banca julgadora. "Ele achava que tinha criado a oitava maravilha da Terra", afirma Franco. (Franco, dizem os críticos, está convencido de que foi ele o autor dessa proeza.)


Muitos desdenham do ensaio, afirmando que está longe de ser um estudo acadêmico sério. "Aquilo não passa de um policy paper", afirma o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. Franco não dá o braço a torcer.

Diz que sua intenção não foi provocar uma debate hermético, típico dos circuitos universitários. Ele cita um livro recente do economista americano Paul Krugman, intitulado Pop Internacionalism.

Nesse livro, Krugman comenta uma palestra proferida pelo ex-presidente da Apple, John Sculley. Nela, ao discutir questões como competitividade, Sculley utilizou-se de uma linguagem carregada de chavões muito repetidos e, segundo Krugman, sem substância.

Franco argumenta que seu estudo não tem o linguajar científico das revistas de Economia mas também não se inspira no debate pop, no qual o que vale são as frases de efeito e os argumentos retóricos. Preferiu ficar no meio-termo. "Isso aqui é um paper no terreno pop, para influenciar as cabeças das pessoas comuns", afirma.

Ao longo do trabalho, ele utilizou-se de "recursos pops" para tornar a leitura agradável e de fácil compreensão. Ao defender a idéia de que o câmbio não está sobrevalorizado, como criticam muitos, ele saiu-se com uma pergunta que se tornou antológica.

"O fato do preço da banana, por exemplo, cair em função de uma supersafra, quer dizer, necessariamente, que há uma defasagem bananal ?", indaga em seu ensaio. Ele afirma que o real experimentou uma forte apreciação em relação ao dólar tão logo começou a circular, sem que o Banco Central movesse um só dedo nessa direção.

A valorização do real teria ocorrido por conta "das sempre importantes e amiúde esquecidas forças de mercado", repetindo, assim, "um fenômeno observado em quase todos os programas de estabilização bem-sucedidos que se tem notícia."

Ele diz que, no passado, quando imperava a baixa produtividade, os exportadores só conseguiam vender seus produtos lá fora mediante reduções dos salários de seus funcionários e taxas de câmbio cada vez mais subvalorizadas.

"Nada mais ilustrativo a esse respeito do que a conhecida Lei de Sauer, escreveu Franco, numa referência a Wolfgang Sauer, ex-presidente da Volkswagen do Brasil, para quem, qualquer que fosse a taxa de câmbio, ela sempre estaria defasada em 30%.


"O viciado terminal requer doses maiores da mesma droga, com efeito cada vez menor", afirma. "Quem garante que as taxas de câmbio reais de dois ou três anos são apropriadas para o Brasil do real? Afinal, existiria uma defasagem com relação a que, se o Brasil mudou e o passado não serve mais como referência?"

VIDA PACATA - A veemência com que Franco defende seus pontos de vista levou-o a encontrar desafetos dentro do próprio governo. Suas quedas de braço com o ex-ministro do Planejamento, José Serra, tornaram-se conhecidas. Serra discordava do vigor do governo na condução das políticas de abertura comercial, apreciação do câmbio e juros altos.

O resultado foi que os dois mal se falavam. Quando instigado pela imprensa a comentar as opiniões de Franco sobre esse ou aquele aspecto do processo de estabilização, o ex-ministro esquivava-se, argumentando que não podia bater boca "com um funcionário do terceiro escalão".

Até as célebres reuniões semanais da equipe econômica esvaziaram-se por conta das divergências entre os dois. Agora, com Antônio Kandir no Ministério do Planejamento, a tradição está sendo retomada, e as reuniões voltaram a acontecer.

O economista Edward Amadeo, professor da PUC e amigo pessoal de Franco há 25 anos, desde a época em que freqüentavam o Colégio São Vicente, vê dois problemas em seu ensaio. "Talvez, ele peque por excesso de otimismo", afirma. Amadeo lembra que, na Argentina e no México, os déficits comerciais globais e do setor manufatureiro, em particular, tenderam a aumentar, e não a diminuir, depois da abertura.

Outro ponto: usar a abertura como estratégia de desenvolvimento é uma forma passiva demais de enfrentar a questão. Para crescer, continua Amadeo, o país precisa de políticas industriais e tecnológicas mais ativas. Caso contrário, permanecerá à mercê das decisões das empresas de investir nisso ou naquilo.

Nos três dias por semana que passa em Brasília, Franco raras vezes deixa a sede do Banco Central antes das 23 horas. Para compensar, dificilmente é encontrado no trabalho antes das 10 horas. Ele detesta acordar cedo. Pela manhã, costuma correr uns três quilômetros e nadar 1 000 metros na piscina da Academia de Tênis, onde vive.

No Rio, a vida é pacata. Ele e a família freqüentam a locadora de vídeos e as livrarias do Fashion Mall, em São Conrado, onde mora. Ele é do tipo que lê vários livros ao mesmo tempo, sejam de teoria econômica, best-sellers ou clássicos.


Entre os seis livros que adquiriu numa ida recente à livraria, começou a ler O Bruxo do Contestado, de Godofredo de Oliveira Neto, a história de um líder messiânico de Santa Catarina. Recentemente, terminou a leitura de O Enigma de Andrômeda e Mundo Perdido, ambos de Michael Crichton.

AJUDA PATERNA - Pouco antes do nascimento do filho, no mês passado, Franco mudou-se para um amplo apartamento num dos pontos mais exclusivos de São Conrado. Ele não revela o valor do imóvel, adquirido numa permuta com o banqueiro Antônio José de Almeida Carneiro, o Bode, um dos donos do Banco Multiplic.

"Precisava de mais um quarto para o bebê que ia nascer", diz Franco. "Não queria acomodar meus dois filhos mais velhos num quarto só." Se contasse apenas com o salário de 7 000 reais líquidos a que tem direito como diretor do Banco Central, provavelmente o problema teria sido resolvido de outra forma.

"Este apartamento está fora do alcance do bolso de um professor universitário ou diretor do Banco Central", diz Franco. "Ocorre que meu pai é um homem de posses. Não há aí o menor mistério."

O pai, Guilherme Arinos Barroso Franco, ex-braço direito de Getúlio Vargas e um dos fundadores do BNDES, fez um pé-de-meia considerável ao longo da vida. Executivo do grupo Monteiro Aranha, ajudou a implantar a primeira fábrica da Volkswagen no Brasil. Mais tarde, fundou uma corretora que se converteria no Banco Garantia.

Aposentado há mais de dez anos, o pai, dono de uma pequena participação no banco, vive de rendas. Franco não vê nenhum constrangimento no fato de ocupar uma diretoria do Banco Central em face da ligação do pai com o Banco Garantia. "Ele está afastado há muitos anos", diz. "O meu pai é tão acionista do Garantia quanto, talvez, o senador Eduardo Suplicy das indústrias Matarazzo."

Tampouco se sente constrangido de contar com o socorro financeiro do pai, sempre que necessário. A casa que possui em Angra dos Reis, onde, no verão, costuma fazer pesca submarina, foi adquirida com ajuda paterna.

Casado com Cristiana - dona de uma pequena construtora que vive reclamando das taxas de juro altas -, Franco teve de recorrer ao auxílio do pai no início de sua vida no governo. Quando ocupava a secretaria adjunta de Política Econômica, seu salário era de apenas 1 100 reais por mês.


Franco detesta ser rotulado de neo-liberal. "Não sei o que significa esse termo, que só vejo sendo usado por pessoas que acham que é um xingamento", diz. "Sou, digamos assim, um neopragmático."

O Estado, para ele, deve ter a função de garantir as condições do desenvolvimento. "Isso não significa que ele deixe de investir nas áreas nas quais deve estar presente, que se transforme num Estado mínimo ou privatize até o Banco Central", afirma.

Ao contrário das suspeitas de muitos, Franco diz não ter a menor pretensão de dedicar-se à carreira política. "Interesso-me pela política, mas não tenho o perfil de um político", afirma.

"Sou um camarada, que, como qualquer pessoa, passou a década de 80 lendo os jornais e se irritando muito com o que lia." Considera uma sorte ter sido convocado pelo presidente Fernando Henrique para tentar colocar o país novamente nos trilhos. "Como eu, outras 500 000 pessoas adorariam fazer isso."

A seu ver, o país já entrou num novo ciclo de desenvolvimento econômico. "Pense no Brasil de 1999. Quantos brasileiros terão TV a cabo e computadores em casa, podendo trafegar numa rodovia privatizada inteligente, com inflação de Primeiro Mundo e cidades menos inchadas?", diz. Franco dá a receita para que, na virada do século, isso não revele ser um mero exercício de otimismo.

"Basta não fazermos bobagens atrás de bobagens como fizemos no passado: choques econômicos ridículos, excesso de populismo, pacotagem vulgar, calotes e outras besteiras", afirma. De qualquer forma, continua, a guerra da estabilização está longe de ser ganha. "Os perigos da complacência estão ali logo na esquina", afirma.

"Assim como não estamos condenados ao fracasso, também não estamos fadados ao sucesso." O que o anima é verificar quanto o país foi capaz de mudar em pouco tempo.

A abertura comercial aumenta a produtividade das indústrias nacionais, o Estado deixou de ser a mola propulsora do desenvolvimento, planos de metas e políticas de subsídios soam hoje mais anacrônicos do que nunca. "Definitivamente, este não é mais o país de Celso Furtado", diz, em mais um exercício do seu esporte preferido: a polêmica.

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