Revista Exame

A maior empresa de diagnósticos nas mãos de um herdeiro

Três anos e 1,7 bilhão de reais depois, Pedro de Godoy Bueno, de 28 anos, levou a Dasa para áreas inovadoras como a genética

Pedro de Godoy Bueno, presidente do grupo Dasa: empresa está focada em se tornar um ecossistema de cuidados (Germano Lüders/Exame)

Pedro de Godoy Bueno, presidente do grupo Dasa: empresa está focada em se tornar um ecossistema de cuidados (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 27 de setembro de 2018 às 05h41.

Última atualização em 27 de setembro de 2018 às 05h41.

Os últimos três últimos anos foram de discrição na Diagnósticos da América S.A. (Dasa), quinta maior empresa de medicina diagnóstica do mundo. Desde que assumiu a presidência da Dasa em janeiro de 2015, Pedro de Godoy Bueno, hoje com 28 anos, falou pouco ou nada sobre o que estava fazendo na companhia do pai, Edson Bueno, morto em 2017. O silêncio foi quebrado em setembro, quando a Dasa apresentou a nova marca e a nova estratégia: ser uma referência em inovação, qualidade e eficiência. Pode parecer lugar-comum, mas é uma mudança de direcionamento para uma empresa que sempre priorizou a quantidade. Dona de 34 laboratórios, como Delboni Auriemo, Lavoisier, Sérgio Franco e Bronstein, a Dasa fatura por ano quase 4 bilhões de reais e processa mais de 250 milhões de exames — esse volume é quatro vezes o que faz a segunda maior do setor, o Fleury. Tornar uma empresa desse tamanho, líder em seu segmento, voltada para pesquisa e inovação seria uma tarefa árdua para qualquer executivo. Para um jovem que assumiu o negócio aos 24 anos, filho do dono e sem experiência em liderança, a missão era ainda mais difícil.

A principal constatação de Pedro, ao assumir o negócio, foi que a pressão pelo curto prazo estava fazendo mal à Dasa. Por isso, ele e o pai comandaram uma investida para recomprar ações da companhia e praticamente fechar seu capital no início de 2016. Hoje, apenas 2% das ações são negociadas em bolsa. A Dasa vinha sendo cobrada por crescer sem melhorar o resultado. De 2010 para 2014 dobrou o faturamento, para 3 bilhões de reais, mas viu a margem de Ebitda (o lucro antes de impostos e amortizações) passar de 27% para 15% da receita, enquanto o lucro caiu de 98 milhões de reais para 82 milhões. Melhorar os números, na visão de Pedro, exigiria uma reformulação do negócio, algo que demandaria tempo, custaria caro e poderia ser prejudicial às ações. Com o capital fechado, ele teve mais autonomia para mudar. No primeiro ano, 80% da equipe de diretores e vice-presidentes foi trocada. Pedro ainda investiu 1,7 bilhão de reais em aquisi-ções de laboratórios, reforma e moderniza-ção de unidades de atendimento e de análises, contratação de médicos e criação de negócios. “Meu plano é fazer da Dasa uma das empresas mais inovadoras e desejadas do país”, diz ele. Antes de assumir a companhia, Pedro trabalhou seis anos com o pai e passou pelas mesas de operações dos bancos BTG Pactual e Credit Suisse.

Pedro de Godoy Bueno podia não ter experiência de gestão, mas pelo menos passou a ser o gestor que a empresa não tinha. Fundada em 1961 em São Paulo pelos médicos Humberto Delboni e Raul Dias dos Santos, então como Laboratório de Análises Clínicas MAP, a Dasa (nome adotado em 1999 na junção com o Lavoisier) sempre cresceu por meio de fusões e aquisições. Foi com a incorporação, em 2011, dos laboratórios do grupo MD1 que Edson Bueno chegou ao negócio. O plano de fechar o capital e pensar no longo prazo foi traçado por ele. Mas Edson tinha a atenção dividida entre a Dasa, a operadora de planos de saúde Amil e a rede de hospitais Ímpar. A integração dos laboratórios adquiridos nos anos anteriores não havia sido feita: existiam, por exemplo, dez sistemas de gestão diferentes. A diretoria e o conselho de administração da Dasa não se entendiam quanto à estratégia — não havia um plano de longo prazo. Os problemas internos ficaram evidentes quando, em fevereiro de 2012, quatro diretores pediram demissão ao mesmo tempo. Em abril daquele ano, foi a vez do então presidente, Marcelo Noll Barboza, renunciar. “O conselho tinha representantes desalinhados com a direção. Cada um olhava para um lado e pensava de um jeito”, diz um ex-investidor da empresa.

Sob a gestão de Pedro nos últimos três anos, dinheiro nunca foi problema. O pai tinha 8 bilhões de reais, de acordo com a revista americana Forbes. Pedro, segundo executivos da companhia, não pensa duas vezes na hora de fazer investimentos que considera importantes. “Numa ligação de 3 minutos ele elevou o orçamento de um projeto de 10 milhões para 15 milhões de reais”, diz um diretor. Sua gestão investiu 900 milhões de reais em 12 aquisições, encerrando um jejum de cinco anos sem compras. A maior delas foi a compra da rede SalomãoZoppi em 2017 por 600 milhões. “Escolhemos a Dasa, entre outras coisas, pelo plano de investimento em tecnologia”, diz Paulo Zoppi, um dos fundadores da SalomãoZoppi. A ideia agora é concentrar na rede Salomão, em São Paulo, os exames de alta complexidade e baixo volume, como os ligados a câncer. Os mais simples e rápidos (nos quais a escala importa) são direcionados aos 20 núcleos de análises da Dasa pelo Brasil. Os investimentos em automação, modernização e expansão das instalações e dos processos foram de 829 milhões de reais desde 2015, 41% mais do que no triênio anterior.

DE OLHO NO FUTURO

Uma nova frente de investimento é a de tecnologias de ponta em saúde. Uma parceria com a universidade americana Harvard estuda a aplicação de inteligência artificial em exames de imagem — a Dasa faz 8 milhões de diagnósticos desse tipo por ano. “Quem não usar inteligência artificial para checar resultados e conhecer o paciente vai ficar para trás”, diz Carlos -Suslik, consultor especializado em saúde. Uma prioridade é buscar nichos de negócio que permitam à Dasa ser mais ativa na conquista de clientes, em vez de depender de exames solicitados por médicos e pagos pelos planos de saúde. Sob essa ótica, a menina dos olhos é a GeneOne, laboratório de testes genéticos lançado no fim de 2017. Até 2019, a empresa terá investido de 40 milhões a 50 milhões de reais no projeto. Para aquisição de máquinas e contratação de equipes já foram 34 milhões. A aposta é na medicina personalizada, em que, com o mapeamento genético do paciente, é possível diagnosticar e prevenir riscos de câncer, doenças do coração e enfermidades raras.

Nos Estados Unidos, a 23andMe, referência na área, já vale 1,7 bilhão de dólares. Por 99 dólares, a 23andMe faz um mapeamento do genoma e identifica predisposição para doenças. A GeneOne faz 122 exames e cobra caro por eles. Um deles, para detectar câncer de mama e ovário hereditário, custa 1 950 reais. “As empresas estão deixando de processar sangue e fazer exames para ser integradoras de informação dos pacientes”, diz Luciane Infanti, diretora da consultoria Accenture para Estratégia em Saúde.

Elizabeth Holmes, da Theranos: a startup chegou a valer 9 bilhões de dólares, mas fechou por fraude | Jeff Chiu/AP Photo/Glow Images

Para manter o ritmo de inovação, a Dasa começou há três anos um programa de trainees e criou um curso de residência médica. Em 2017, atraiu 1 000 candidatos por vaga de trainee oferecida. Em sociedade com amigos, Pedro também administra o DNA Capital, fundo de investimento que vai aportar até 150 milhões de dólares em startups de saúde inovadoras. “Vemos muitos laboratórios e outras empresas de saúde buscando parcerias com startups para se modernizar”, diz Leandro Sanches, sócio da consultoria EY. É um setor tão promissor quanto arriscado. O maior alerta vem da americana Theranos, que chegou a valer mais de 9 bilhões de dólares em 2014, prometendo uma tecnologia revolucionária: realizar mais de 200 exames com uma gota de sangue. En-volvida em uma série de escândalos, a -Theranos fechou as portas no início de setembro, e sua fundadora, Elizabeth Holmes, pode ser presa por fraude.

A Dasa pode se dar ao luxo de mirar o futuro porque o negócio não vê sinal de crise no curto prazo. Mesmo com a redução de 6% no número de beneficiários de planos de saúde desde 2015, o volume de exames anual cresceu para 817 milhões. Em 2017, o setor de medicina diagnóstica faturou 30 bilhões de reais. É também um mercado ainda fragmentado: a Dasa tem menos de 15% de participação nos exames privados. A gestão de Pedro manteve o crescimento — a receita subiu 30% em três anos —, mas a rentabilidade segue abaixo da concorrência. Sua margem de Ebitda passou de 15% para 16,7% desde 2014, menor do que a do Fleury, de 26%, e a do Hermes Pardini, de 21%. Em um mercado em que todos crescem — a receita dos três principais concorrentes avançou mais de 12% — e os custos só aumentam, olhar para o longo prazo é uma obrigação. “Investimos em inovação e desenvolvimento de novos testes desde 2007. Temos parceiros em Israel, Inglaterra, Canadá e Suíça que nos atualizam com o que está sendo feito no mundo”, diz Jeane Tsutsui, diretora de negócios do Fleury. Pedro e a Dasa, nesse contexto, correm não só por ambição mas também por instinto de sobrevivência.

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