Revista Exame

“Não queremos sair da Odebrecht”

Em entrevista exclusiva, Bernardo Gradin explica por que sua família, dona de quase 21% do sétimo maior grupo privado brasileiro, briga na Justiça contra a Odebrecht

Bernardo Gradin: as divergências com os sócios o obrigaram a deixar a presidência da petroquímica Braskem, em novembro (Daniela Toviansky/EXAME.com)

Bernardo Gradin: as divergências com os sócios o obrigaram a deixar a presidência da petroquímica Braskem, em novembro (Daniela Toviansky/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 14h11.

Ao longo de quase 40 anos, os negócios da família Odebrecht, controladora do sétimo maior grupo privado do Brasil, contaram com a discreta participação de outro clã baiano, os Gradin.

Em 1974, o patriarca da família, Victor Gradin, então com 41 anos de idade e dono de uma empresa de importação e exportação e de um pequeno banco em Salvador, foi convidado por Norberto Odebrecht, fundador do grupo e à época com 54 anos de idade, a fazer parte do que até aquele momento não passava de uma construtora com atuação nacional.

O que se viu nos anos seguintes foi um misto de parceria nos negócios e o desenvolvimento de uma profunda amizade. Homem de confiança de Norberto, Victor tornou-se vice-presidente financeiro da empresa e participou de sua expansão na área química e no front internacional.

Paralelamente, tornou-se o maior acionista individual da companhia ao adquirir 10% das ações da Odebrecht na bolsa de valores durante os anos 70. (Essa participação viria a dobrar no início da última década.) A ligação entre Norberto e Victor era tão próxima que a convivência entre seus filhos e netos — tanto nas empresas do grupo quanto em eventos sociais — se tornou algo natural.

A sociedade cultivada por Norberto e Victor durante décadas acaba de ser colocada em xeque — justamente no período em que a Odebrecht atravessa sua melhor fase, com atividades em 20 países e faturamento de 40 bilhões de reais. A disputa, como é de imaginar no caso de uma companhia dessa proporção, envolve muito dinheiro.

A Graal, empresa que reúne as ações de Victor e seus três filhos (Bernardo, Miguel e Ana Maria), soma hoje 20,65% de participação na holding que controla o grupo Odebrecht, um percentual que valeria algo em torno de 1,5 bilhão de dólares, segundo uma avaliação feita pelo banco Credit Suisse.

De acordo com um documento enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cada um dos filhos de Victor tem uma fatia de 6,88% da holding  — maior que a participação de quase todos os acionistas individuais da família Odebrecht  (o clã fundador, reunido na empresa de participações Kieppe, atualmente soma mais de 20 membros com ações na holding).


As divergências começaram em maio do ano passado, quando os Odebrecht sugeriram uma mudança no atual acordo de acionistas, assinado em 2001 e válido até 2021.

A intenção da família, segundo pessoas próximas, era abrir espaço para a entrada de novos acionistas (sobretudo para executivos do grupo, que usariam seus bônus na compra de participações) — sem diluir sua participação, que hoje soma 62,92% do capital total da holding.

Em entrevista exclusiva a EXAME, Bernardo Gradin, primogênito de Victor e porta-voz da Graal, afirma que os sócios estariam pressionando a família a vender sua parte.

“Não queremos sair da Odebrecht”, diz ele. “Estivemos com a empresa nos momentos difíceis. Queremos estar com ela nos bons também.” Procurada, a família Odebrecht preferiu não se manifestar.

A queda de braço já provocou algumas mudanças concretas no grupo. Bernardo, que ocupava a presidência da petroquímica Braskem, deixou o cargo em novembro do ano passado, após concluir que não chegaria a um acordo com Marcelo Odebrecht, neto do fundador, atual presidente do grupo e representante da Kieppe nas negociações.

Seu irmão, Miguel, que comandava a empresa de óleo e gás, seguiu caminho semelhante naquele mesmo mês. Aos 78 anos de idade, Victor Gradin continuou a fazer parte do conselho de administração da Odebrecht Investimentos, holding que controla o grupo. Em dezembro, veio o que seria impensável para uma organização normalmente discreta como a Odebrecht. A disputa extrapolou as salas de reunião e os corredores e chegou aos tribunais.

No dia 2 daquele mês, a Graal entrou com uma petição que solicitava a instauração de arbitragem na 10a Vara Cível de Salvador. O documento afirma que, “em 08/10/10, a ré (a Kieppe, dos Odebrechet) teria enviado correspondência à autora (a Graal) manifestando o exercício de opção de compra, sem, entretanto, indicar a condição justificativa de tal opção ou a quantidade de ações por esta abrangidas” e justifica o pedido de arbitragem alegando que a Graal tentou, “sem êxito, buscar solução consensual”.

A reação da Odebrecht veio em seguida. Um pedido de embargo à instauração da arbitragem e outro de contestação foram enviados à Justiça no dia 11 de janeiro. “Essa briga só pegou de surpresa quem está fora da empresa”, diz um ex-funcionário da Odebrecht, sob a condição de não ter seu nome revelado. “Há meses sabia-se que o clima estava péssimo entre o Bernardo e o Marcelo.”


Segundo pessoas próximas às famílias, a saída ou não dos Gradin da Odebrecht seria mera questão de preço — o clã consideraria o 1,5 bilhão de dólares pouco por sua participação diante do excelente momento vivido pelo grupo e pelo histórico dos Gradin no negócio. Como única possível compradora, a Kieppe teria exigido um desconto em torno de 20% no valor das ações, algo rechaçado pelos Gradin.

“Os Odebrecht têm o direito de comprar as ações dos minoritários quando bem entendem. Os Gradin não concordaram é com o preço”, diz um acionista minoritário da Odebrecht, que pediu para não ser identificado. Para tentar acalmar os ânimos e chegar a um consenso, Norberto Odebrecht, de 91 anos, decidiu nos últimos dias interferir na disputa e agir como interlocutor. Trata-se da derradeira tentativa de fazer com que a amizade, em nome dos velhos tempos, possa resolver a questão.

“Queremos que o contrato seja cumprido”

Confira os principais trechos da entrevista concedida por Bernardo Gradin, ex-executivo e acionista do grupo Odebrecht, a EXAME:

EXAME - Como a família Gradin alcançou uma participação tão expressiva no capital da holding Odbinv, controladora do grupo Odebrecht?

Bernardo Gradin - Victor (pai de Bernardo) foi convidado a fazer parte do grupo pelo doutor Norberto (fundador da Odebrecht) em 1974. Ao longo da década de 70, ele passou a comprar ações no mercado, que o levaram a ter uma fatia de 10% na Odebrecht. 

EXAME - Ele era, já nessa época, o maior acionista individual da companhia fora da família Odebrecht?

Bernardo Gradin - Exatamente.

EXAME - Quando e por que foi constituída a Graal Participações?

Bernardo Gradin - Em 2001, com a decisão da família Odebrecht de fechar o capital da companhia e absorver a dívida da Kieppe (empresa que concentra a participação acionária da família Odebrecht), criou-se um novo arranjo societário. Com isso, a Gradin e Cia., que concentrava a participação da nossa família, passou a ter 20% da Odebrecht. Victor mudou o nome da Gradin e Cia. para Graal e doou as ações a seus três filhos. Com a absorção da Kieppe, a holding ficou mais endividada. Por causa disso, a participação dos acionistas minoritários cresceu, uma vez que eles estavam aumentando a aposta na empresa.


EXAME - Por que se começou a discutir a venda das ações da Graal para a família Odebrecht no ano passado?

Bernardo Gradin - Nunca discutimos a venda de nossa participação. O que houve foi uma tentativa da Kieppe de terminar um acordo de acionistas com vigência até 2021 para impor um novo acordo.

EXAME - Então vocês querem seguir como sócios?

Bernardo Gradin - Sim. Queremos que o contrato seja cumprido. Não aceitamos que um acordo que existe até 2021 seja quebrado. Permanecemos sócios em momentos difíceis e queremos continuar nos bons momentos, como agora.

EXAME - Quando a Kieppe fez a proposta e quais eram os termos desse novo contrato?

Bernardo Gradin - Na segunda metade do ano passado. A proposta era igualar o atual acordo de acionistas a um novo acordo de incentivos de longo prazo a novos acionistas.

EXAME - Por que isso prejudicaria a Graal?

Bernardo Gradin - O que posso dizer é que ele prejudicaria a liquidez e a valorização de nosso patrimônio. O acordo de acionistas atual prevê parâmetros de valorização das ações muito melhores do que o novo acordo proposto.

EXAME - Quando vocês perceberam que não poderiam mais resolver a questão internamente?

Bernardo Gradin - Entre o final de outubro e o início de novembro do ano passado, quando a Kieppe manifestou a intenção de executar 100% das opções de compra da empresa. Nós pedimos uma solução arbitrada e eles negaram. Então tentamos, via ação judicial, uma reunião conciliatória para instalação de arbitragem. Ela foi assegurada pela juíza na 10a Vara de Salvador. No momento, a Kieppe questiona, por meio de embargos, o direito de constituição dessa arbitragem.


EXAME - O que exatamente vocês pedem na Justiça?

Bernardo Gradin - Pedimos a instalação de uma arbitragem, conforme previsto em contrato. Queremos que ela defina se o exercício das opções por parte da Kieppe é válido ou não. Na nossa interpretação, não é.

EXAME - A Kieppe chegou a colocar de forma clara em quais termos exerceria o direito de compra?

Bernardo Gradin - Como nossa posição tem sido de permanência no grupo, não chegamos ao ponto de tratar de valores. Queremos zelar pela permanência do contrato e pelo patrimônio da família.

EXAME - Quando e por que você e seu irmão, Miguel (ex-presidente da Odebrecht Óleo e Gás), tomaram a decisão de deixar as funções executivas? Foi uma decisão de vocês ou da família Odebrecht?

Bernardo Gradin - Nós deixamos as funções executivas como consequência de um desgaste crescente. Buscamos juntos, tanto por parte da Kieppe quanto por parte da Graal, que Braskem e Óleo e Gás não sofressem e que os stakeholders não fossem prejudicados. 

EXAME - Vocês acreditam que possam voltar à empresa, atuando como conselheiros ou executivos?

Bernardo Gradin - Obviamente há um desgaste neste momento, mas esperamos superá-lo. Sabemos que teremos de resgatar um pouco do que era um convívio tão bom até meados do ano passado. 

EXAME - Caso a arbitragem seja instaurada e o parecer não seja favorável a vocês, o que farão?

Bernardo Gradin - Honraremos a decisão arbitral integralmente. Pode escrever isso.

Acompanhe tudo sobre:Controle familiarEdição 0984EmpresasEmpresas brasileirasgestao-de-negociosNovonor (ex-Odebrecht)Processos judiciaisSócios

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda