Revista Exame

A ofensiva do Cencosud no Brasil não passou de um susto?

Em quatro anos, o varejista chileno Cencosud gastou 3 bilhões de reais em aquisições no Brasil. Parecia destinado a atropelar os líderes. Mas teve de parar para arrumar a casa

Loja do Prezunic no Rio: a integração de redes tão diferentes tem dado trabalho  (Marcelo Correa/EXAME.com)

Loja do Prezunic no Rio: a integração de redes tão diferentes tem dado trabalho (Marcelo Correa/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2013 às 13h10.

São Paulo - Nenhum empresário ganhou tanto dinheiro com varejo na América Latina quanto o alemão naturalizado chileno Horst Paulmann, dono do grupo Cencosud. Sua fortuna é estimada em cerca de 10 bilhões de dólares — mais do que o dobro do patrimônio do brasileiro Abilio Diniz, ex-controlador do Grupo Pão de Açúcar.

Por quase cinco décadas, Paulmann manteve uma respeitosa distância do maior mercado da região, o Brasil. Até que partiu para o ataque — e que ataque! De novembro de 2007 a novembro de 2011, o Cencosud gastou quase 3 bilhões de reais para comprar sete redes de varejo brasileiras, acumulando um faturamento anual de 9 bilhões de reais.

Nesse curto espaço de tempo, tornou-se a quarta maior rede do país, atrás dos tradicionais líderes Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart. Com bolso tão fundo e tanta pressa para crescer, parecia questão de meses para que o Cencosud escalasse uma ou duas posições nesse ranking (Paulmann não escondia o sonho de se tornar líder do varejo brasileiro).

Mas, de dois anos para cá, essa ambição toda teve de ser revista. Em vez de criar problemas para a concorrência, a série de aquisições de Paulmann no Brasil está criando problemas para ele mesmo.

Nos últimos 12 meses, o Cencosud perdeu um quinto de seu valor de mercado. A lista de razões para isso é grande: a dívida alta, o vaivém do câmbio, as loucuras econômicas da Argentina e um lucro que caiu 68% no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado. Mas o Brasil, que deveria ajudar, está atrapalhando.

Enquanto as concorrentes continuam crescendo no país, o Cencosud está com o freio de mão puxado. As vendas de suas lojas abertas há mais de um ano estagnaram no segundo trimestre, o que não aconteceu com os rivais — sobretudo Pão de Açúcar (que cresceu 5% no período) e Carrefour (que cresceu 7%).

Um levantamento da empresa de pesquisa CVA Solutions, realizado em agosto com 7 000 pessoas, indica que, dos quatro maiores varejistas do país, o Cencosud é o que tem a pior avaliação (o Carrefour tem a melhor).

Em nenhum setor os “ganhos de escala” são tão cruciais para o sucesso de uma empresa quanto no varejo — esses ganhos vêm, sobretudo, do maior poder de barganha com os fornecedores, o que rende descontos maiores e margens de lucro melhores. É verdade que, nestes seis anos, o Cencosud ganhou uma escala de dar inveja. Mas, por enquanto, não está conseguindo fazer muita coisa com ela.


A subsidiária brasileira é, hoje, a que menos cresce entre as cinco do grupo chileno. A principal razão é a forma com que Paulmann atingiu o tamanho que tem atualmente no Brasil. O Cencosud chegou ao país após uma década de consolidação — e perdeu o melhor da festa.

Como a concorrência havia comprado as melhores redes, Paulmann teve de se virar com o que havia disponível. Suas principais aquisições, as redes GBarbosa (de Sergipe), Bretas (de Minas Gerais) e Prezunic (do Rio), tinham operações totalmente diferentes em regiões também distintas.

Hoje, o Cencosud está presente em regiões mais pobres, como Cipó, na Bahia, e em pontos chiques, como o shopping Riomar, em Recife, com lojas de tamanhos e modelos os mais variados. “As operações são muito desconexas”, diz Andrea Teixeira, analista de varejo do banco JP Morgan. “As sinergias acabam não sendo tão grandes assim.”

Segundo fornecedores, executivos e ex-funcionários do Cencosud no Brasil, a empresa tem apanhado na integração de tantas redes. A implantação de um sistema único de gestão de estoques acabou virando um problema crônico de desabastecimento. As redes Bretas e GBarbosa chegaram a ter uma falta de cerca de 30% em algumas categorias de produtos.

“A troca de sistemas é traumática para qualquer empresa”, diz Silvio Pedra, presidente do Cencosud no Brasil. Segundo ele, até o fim de outubro a situação será normalizada.

De longe, a aquisição que deu mais problemas foi a do grupo mineiro Bretas. Segundo executivos ouvidos por EXAME, todos os grandes varejistas em operação no país negociaram, em algum momento, a compra do Bretas. Mas acabaram desistindo pela complexidade da operação e pelo medo de passivos trabalhistas e fiscais acabarem com as perspectivas de retorno.

O Cencosud foi em frente e pagou 1,3 bilhão para assumir o Bretas em 2010. A rede mineira tinha um comando altamente descentralizado. Seus nove diretores regionais tinham autonomia total para dar descontos, escolher os produtos nas gôndolas e negociar com os fornecedores.

“A única ordem era vender”, diz um ex-gerente. Produtos que chegavam perto da validade eram desovados em promoções relâmpagos. Com a venda ao Cencosud, boa parte da equipe ­comercial deixou o Bretas, e as principais decisões, antes tomadas em minutos, passaram a ser centralizadas em Salvador, onde ficava a sede do Cencosud no Brasil.


No ano passado, um estoque de cerca de 2 000 TVs de tubo ficou parado porque ninguém conseguia definir o que fazer com ele. “Na era pré-Cencosud, isso seria vendido quase de graça em 24 horas”, diz um gerente do Bretas. Cheques a prazo e cartões conveniados foram banidos, para desespero de consumidores habituados a pagar com pré-datados e vales-refeição.

Para complicar um pouco mais as coisas, os chilenos tiveram de adaptar o Bretas a tempos mais formais. Segundo dez ex-funcionários ouvidos por EXAME­, a rede pagava um dos salários mais baixos do mercado — mas compensava com um bônus pelo cumprimento de metas, que não constava do contracheque.

Para acabar com essa prática, o Cencosud aumentou os salários e melhorou os benefícios. Os funcionários ameaçaram fazer greve, até que a empresa decidiu dar um vale-compras mensal a cada um. Por cima disso, há o problema da falta de produtos nas lojas em razão da troca do sistema de compras e estoque. Tudo somado, as vendas caíram 7% no segundo trimestre.

Mudança 

Pequenos problemas como esses se empilham — e, num setor com margens apertadas como o varejo, essa pilha de problemas explica um mau momento. A uniformização de alguns aspectos das redes compradas tem sido desafiadora. Redes como Bretas e Super Família (que mudou de nome para GBarbosa), no Cea­rá, ofereciam cartões de fidelidade — as compras eram convertidas em bônus de produtos.

O Cencosud acabou com esse benefício e, aos poucos, está trocando os cartões por sua bandeira nacional, que cobra anuidade. No caso do Super Família, o faturamento caiu cerca de 20% em três anos, segundo ex-diretores (a empresa não confirma). Ao mesmo tempo, os chilenos têm adotado medidas básicas, como contratar equipes para fiscalizar o estado dos alimentos, o que não havia em algumas das redes.

A esperança é que todas cheguem ao nível da carioca Prezunic, tida como a melhor operação da empresa no país. Mas mesmo os executivos do grupo concordam que há muito chão pela frente até que isso aconteça. Um passo simbólico foi a mudança da sede para São Paulo, há quatro meses.

“As estratégias vão partir daqui”, diz Silvio Pedra. A vinda para São Paulo facilitará o contato com fornecedores e ajudará a dar ao Cencosud uma cara de rede nacional. É, antes de mais nada, uma boa notícia para Paulmann, que levava até 16 horas na viagem entre Santiago e a primeira sede do Cencosud no Brasil, em Aracaju. Com a mudança, o tempo caiu para 4 horas.

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