Funcionário da CPFL: oferta de pagar apenas 15% das dívidas do grupo Rede (Silvia Zamboni/Site Exame)
Da Redação
Publicado em 21 de junho de 2013 às 10h24.
São Paulo - O empresário Jorge Queiroz de Moraes, dono do grupo de energia elétrica Rede, detém dois feitos notáveis em sua trajetória empresarial. Primeiro, transformou uma combalida distribuidora de energia fundada por seu avô em Bragança Paulista, no interior de São Paulo, em um dos maiores grupos energéticos do país, que chegou a faturar 8 bilhões de reais e a atender 5 milhões de consumidores em 2011.
Na esteira do crescimento, Queiroz acumulou um patrimônio avaliado em 500 milhões de reais — e um padrão de vida condizente com todo esse dinheiro. Todos os dias, fazia num helicóptero Bell Jet o trajeto entre a fazenda Boa Esperança, em Bragança Paulista, onde morava com a mulher, Regina, e seis de seus oito filhos, e a sede da companhia, na avenida Paulista.
Altos executivos do grupo disputavam a chance de passar os fins de semana na fazenda com o chefe. A Boa Esperança tem 800 hectares e mais de 1 milhão de pés de café de alta qualidade. Queiroz chegou a construir uma linha de trem e uma estação ferroviária completa para facilitar os passeios pela fazenda.
Além do helicóptero, usado para os trajetos mais curtos, Queiroz tinha um jatinho Legacy para percorrer as oito distribuidoras de energia elétrica controladas pelo seu grupo no país, do Mato Grosso ao Pará. Entusiasta de esportes, ia com frequência às finais dos torneios internacionais de tênis mais badalados.
Chegou até a abrir uma empresa para patrocinar profissionais de atletismo e a criar o maior centro de treinamento para o esporte no país — outra de suas paixões.
O segundo feito de Queiroz é ainda mais impressionante: ele detém o recorde do maior calote da história do mercado corporativo brasileiro. Enquanto construía o Rede, Queiroz somou dívidas que chegaram a cerca de 6 bilhões de reais — o equivalente a seis vezes a geração de caixa anual do grupo.
Em 2012, com milhões de reais em dívidas de curto prazo prestes a vencer, a situação ficou insustentável e Queiroz pediu recuperação judicial de todo o grupo. Desde então, seus advogados negociam com credores e governo quanto do rombo é possível pagar. Na hipótese mais provável, os credores receberiam 900 milhões de reais — ou 15% do valor total.
Diferentemente dos anos de bonança, Queiroz aproveitou a negociação para sair de cena. Em maio, credores e funcionários ficaram estupefatos ao saber que ele se mudou com a família para a Europa — deixando helicóptero, trens e pés de café para trás.
Seu paradeiro exato é um mistério: dois amigos dizem que está na Itália, sem precisar a cidade. Sua advogada, Raquel Otranto, diz que ele está em tratamento para estresse e depressão, mas não diz exatamente onde.
Participantes do processo de recuperação e, principalmente, credores do Rede temem que a viagem seja uma fuga do país. A razão seria antecipar-se à possibilidade de fracasso das negociações com credores e falência do grupo.
Se não houver acordo até 3 de julho, data da próxima assembleia de credores, o governo federal poderá retomar as concessões das distribuidoras e deixar todas as dívidas para o próprio Queiroz resolver. Num e-mail enviado por sua advogada a EXAME, Queiroz nega ter fugido.
Diz que estava sob “estresse emocional e risco pessoal” e por isso deixou o país. O empresário tem cidadania europeia. “Pude me afastar do processo para não ‘fugir’ da minha família. Não vou entrar em tristes detalhes”, diz.
“Quem já viveu alguma experiência traumatizante vai concordar que olhar para as mesmas paredes e pessoas que participaram dessa experiência, todos os dias, pessoalmente, nos jornais, na TV, só leva ao aprofundamento do problema e em nada colabora para que essa pessoa possa se recompor, abrandar seus pesadelos e enfrentar o espelho pelas manhãs.”
A notícia de sua viagem à Europa fez com que executivos que permaneceram fiéis até mesmo depois do pedido de recuperação judicial se sentissem traídos e entrassem com ações trabalhistas contra o grupo nas últimas semanas. EXAME teve acesso a dois desses processos, que cobram o pagamento de bônus.
Privatizações
Como Queiroz transformou uma aparente história de sucesso empresarial em um tombo desse tamanho? A maneira como construiu seu conglomerado é parte da explicação. Graduado em engenharia pela Universidade de São Paulo, Queiroz recuperou a distribuidora Bragantina, fundada por seu avô, e comprou outras pequenas empresas de energia regionais do estado de São Paulo.
Seu grande salto foi dado na década de 90, nos leilões de privatização do setor, quando comprou três empresas — no caminho, foi se endividando mais e mais. Inicialmente, foram empréstimos do BNDES para financiar as aquisições. Até aí, tudo bem.
Depois vieram créditos bancários e emissões de bônus nas diversas holdings ligadas ao grupo Rede. O plano era que o fluxo de caixa das empresas adquiridas pagasse as obrigações.
O problema é que as empresas adquiridas nunca alcançaram o nível de geração de caixa mínimo para que o grupo mantivesse boa situação financeira. Pouco antes de quebrar, o Rede Energia tinha um endividamento superior a seis vezes sua geração de caixa, muito maior do que a média do setor, que não chega a três vezes.
Segundo ex-executivos do grupo, a situação prejudicava os investimentos operacionais necessários para melhorar ou no mínimo manter a qualidade dos serviços. As empresas do Rede têm os piores indicadores de qualidade do país, segundo a Aneel. A Celpa, do Pará, vendida à Equatorial em setembro de 2012, é a pior do país em qualidade operacional — perde 40% da energia distribuída, basicamente em “gatos”.
A Cemat, do Mato Grosso, tem o sétimo pior indicador de qualidade de serviço entre as 35 distribuidoras de grande porte, e a Bragantina é a nona pior.
A personalidade de Queiroz não ajudava. Executivos que trabalham ou que passaram pelo Rede dizem que ele não gostava de ser contrariado. Em 1999, por exemplo, contratou o executivo Evandro Coura, que chefiava a área de energia no BNDES, para profissionalizar o grupo. Em meados de 2007, Coura, que defendia uma desaceleração do grupo para a solução dos problemas financeiros, entrou em atrito com Queiroz e deixou o cargo.
Para substituí-lo, o empresário escolheu Carmem Pereira, ex-mulher de Coura, administradora que fez carreira no Rede e, segundo esses executivos, nunca ousou contrariá-lo. Sob sua gestão, a falta de controles internos resultou em perdas homéricas.
Em 2008, por exemplo, a empresa comercializadora de energia do Rede comprou um enorme volume de energia apostando num aumento da demanda que não se confirmou. Numa só tacada, a operação gerou uma perda calculada na época em 300 milhões de reais.
Enquanto Queiroz permanece em algum lugar longe do país, a discussão sobre a venda do grupo esquentou. Há duas propostas na mesa para solucionar o imbróglio. Os principais candidatos a ficar com as empresas do grupo são as companhias de energia CPFL e Equatorial. Elas têm um acordo para a compra das empresas assinado com Queiroz antes da recuperação judicial.
Eles propõem pagar aos credores apenas 15% da dívida, o que, é claro, provoca protestos. Mais recentemente, surgiu um concorrente, a Energisa — com a proposta de investir 3,2 bilhões de reais no grupo, dos quais 1,8 bilhão iria para os credores. Com isso, cerca de 40% da dívida do grupo seria paga. Nos dois casos, Queiroz não leva nada.
Os bancos, naturalmente, preferem a proposta da Energisa e questionam itens do acordo fechado por CPFL e Equatorial com Queiroz, como o pagamento de 30 milhões de reais em bônus de retenção a executivos do Rede e de 40 milhões de reais aos assessores financeiros e jurídicos. Queiroz diz que impôs esses pagamentos para aceitar vender as empresas por apenas 1 real.
Os credores também questionam a inclusão no plano de recuperação de um crédito de 713 milhões de reais, que o fundo de participações do FGTS tem contra uma holding controladora do Rede — a dívida, argumentam, seria só de Jorge Queiroz, mas ele quer incluir o valor no plano de recuperação.
Se não houver acordo na próxima assembleia de credores, o risco é o governo simplesmente retomar a concessão de todas as distribuidoras do grupo e deixar as holdings que as controlam ir à falência. Nesse caso, começaria uma nova batalha, para fazer Queiroz voltar ao Brasil — e pagar o que deve.