Revista Exame

Não há mágica para reformar a educação – só boas práticas

Não existe mágica para reformar a educação, mas há algo melhor para o Brasil avançar na área: adotar políticas baseadas em evidências científicas

Aluno em escola de Sobral: a cidade cearense inspirou o programa nacional de alfabetização (Alexandre Battibugli / EXAME)

Aluno em escola de Sobral: a cidade cearense inspirou o programa nacional de alfabetização (Alexandre Battibugli / EXAME)

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Da Redação

Publicado em 18 de setembro de 2015 às 19h36.

São Paulo — O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, observou recentemente que “a nova medida do grau de investimento é a pontuação do país no Pisa”. Se assim for, o que ocorrer nas mais de 5.000 secretarias de Educação estaduais e municipais do Brasil e na chefa do Ministério da Educação nos próximos cinco anos poderá ser tão importante para o crescimento e para a competitividade do país quanto suas políticas comerciais e fscais.

Barbara Bruns é economista do Banco Mundial especializada em educação. É a principal autora do livro "Professores Excelentes: Como Melhorar a Aprendizagem dos Estudantes na América Latina e no Caribe"

O Brasil fez progressos no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o teste da OCDE que mede habilidades em leitura, matemática e ciências de estudantes de 15 anos e que existe desde 2000. Mas os resultados da última rodada (2012) mostram que o Brasil, em relação a outros países da América Latina e do Caribe, ainda está abaixo de Chile, Uruguai, México e Costa Rica; na comparação com o resto do mundo, está atrás de Malásia, Bulgária, Romênia, Turquia, Tailândia e Vietnã.

Embora a diferença de habilidades em relação à maioria dessas economias emergentes seja de um ano de escolaridade ou menos, o hiato em relação à média dos países da OCDE sobe para mais de dois anos de escolaridade e, em relação a regiões com alto desempenho em educação, como Coreia do Sul e Xangai, para mais de quatro anos.

O que fazer para acelerar a melhoria do aprendizado do aluno? Pesquisas educacionais oferecem uma resposta muito clara: melhorar a qualidade dos professores. Afnal, não há nenhum país onde os alunos aprendam mais do que seus professores são capazes de lhes ensinar.

Mas os estudantes brasileiros que pretendem se tornar professores obtiveram 40 pontos abaixo da média nacional de matemática do Pisa e quase 100 pontos menos do que os alunos interessados em engenharia. Quando estudan- tes de matemática com mau aproveitamento tornam-se a próxima geração de professores, as fraquezas nas habilidades nessa disciplina constituem uma doença transmissível.

E o que fazer para melhorar a qualidade do professor? O Brasil não está sozinho na busca desse objetivo, e as experiências de países em diferentes estágios de desenvolvimento da educação fornecem evidências crescentes das estratégias que funcionam. Nenhuma é de fácil execução. Mas nenhum país até agora obteve melhorias substanciais e sustentáveis na qualidade do professor sem fazer as três coisas citadas a seguir.

1. Melhorar o nível dos novos professores

Na maior parte da América Latina (e dos Estados Unidos), o magistério perdeu prestígio e não consegue mais atrair estudantes de alto nível. No Brasil, o baixo prestígio decorre de uma “tríade” de problemas interligados — salário pouco atraente, baixo padrão de contratação e baixa qualidade na formação de professores.

Essas questões devem ser enfrentadas de maneira coordenada, mas as evidências indicam que a elevação dos salários não deve vir em primeiro lugar. A Indonésia dobrou o salário dos professores em geral em 2009, mas não conseguiu elevar os padrões de contratação. O resultado? Nenhum aumento no aprendizado do aluno e, de quebra, um buraco fscal enorme.

Já México, Peru, o estado de Nova York e Washington DC tomaram o caminho oposto e tiveram resultados melhores: professores contratados com base em novos testes de competência estão produzindo avanços no aprendizado do aluno. Em todos os casos, há um período de transição difícil. Muitos professores não conseguem alcançar os novos padrões desafadores e precisam trabalhar com contratos temporários até melhorar sua capacidade ou ser substituídos por novos contratados mais bem qualifcados.

Mas a transição leva ao progresso. Um teste de competência nacional de professores, como o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente, proposto anos atrás por Fernando Had­dad, então ministro da Educação, pode ajudar a colocar o Brasil nesse rumo também. Esse teste cria uma mudança crucial nos incentivos tanto no curto como no longo prazo para a pro­fissão do magistério.

No curto prazo, um exame de competência nacional bem planejado pode­rá garantir que somente os melhores candidatos disponíveis sejam recrutados para o ensino. No longo prazo, ele indica para as universidades o que os formados em sua faculdade de educação precisam saber e ser capazes de fazer, além de induzir as ações necessárias para elevar a qua­ lidade e a relevância dos cursos.

2. Gastar em treinamentos que funcionem

Um padrão mais elevado para novos pro­ fessores deixa ainda o desafo de aumen­tar a eficácia do repositório muito maior de professores existentes — e isso só pode ser al­cançado pelo desenvolvimento profissional no serviço. No Brasil, como em muitos países, as secretarias gastam fortunas com seminários e cursos que não conseguem aumentar a eficácia dos professores na sala de aula.

Algumas exce­ções são o programa de mentoria para novos professores da cidade do Rio de Janeiro e o Programa de Intervenção Pedagógica (PIP), de Minas Gerais, que oferecem coaching individu­al aos professores em sua escola, e o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), em So­bral, no Ceará, que revolucionou a maneira como professores do ensino fundamental ensi­nam as crianças a ler.

O Brasil, além disso, tem a sorte de contar com muitas fundações de alta qualidade — Ayrton Senna, Lemann, Unibanco, Itaú e QEdu, por exemplo — que trabalham em parceria com secretarias estaduais e municipais em todo o país para desenvolver um treinamen­to mais efetivo e inovador de professores.

O Ministério da Educação poderia estimular o progresso avaliando rigorosamente novos pro­gramas e apoiando a difusão mais rápida dos que produzem resultados, como fez com o Pro­grama Nacional de Alfabetização na Idade Cer­ta, com base no pioneiro programa de Sobral.

3. Recompensar os bons professores

Pessoas talentosas são atraídas para profissões que oferecem reconhecimento e retribuição por suas habilidades e compromis­so. No livro Professores Excelentes: Como Melhorar a Aprendizagem dos Estudantes na América Latina e no Caribe, escrito por mim e ou­tros pesquisadores do Banco Mundial, são apresentadas pesquisas realizadas em mais de 15 000 salas de aula no Brasil e em outros paí­ses da região.

Os dados oferecem claras evidên­cias do que pesquisadores nos Estados Unidos documentaram: mesmo professores com qua­lifcações formais idênticas (em idade, edu­cação, salário, anos de experiência), ensinando no mesmo grau e na mesma escola, podem ter desempenho diferente em sala de aula. Se não houver nenhuma diferença na forma como eles são apoiados ou recompensados, os professo­res altamente talentosos ficam frustrados e os ineficazes causam danos ao aprendizado dos alunos.

As regiões com melhor desempenho educacional no Leste Asiático, como Singa­pura, Xangai e Coreia do Sul, avaliam profes­sores cuidadosamente e lhes oferecem uma carreira em que o bom desempenho consisten­te leva a promoções, aumento salarial e desen­volvimento profissional, para que possam aprofundar suas competências.

O elemento crítico é um sistema bem planejado de avaliação do desempenho do professor. Pesquisas mostram que um bom sistema de educação precisa:

a) basear-­se em padrões claros sobre o que é ensino excelente, bom, adequado e inadequado;

b) incluir a observação direta da prática dos professores na sala de aula por um avaliador externo (essa função não pode ser deixada exclusivamente para o diretor da escola);

c) incluir outras medidas de qualidade do professor, como o feedback de alunos e testes de domínio de conteúdo pelo professor;

d) conceder recompensas (promoção e aumento salarial) por excelência, treinamento e respaldo a professores que queiram melhorar;

e) fazer sanções (demissão) por repetido desempenho inadequado.

Chile, Peru, Equador e México tomaram medidas importantes ao introduzir a avaliação regular do desempenho do professor nesses termos. O sistema Docentemás, do Chile, com base em vídeos de professores em sala de aula que são avaliados por especialistas nacionais, é a melhor prática atual na região — pesquisa­dores chilenos constatam que os alunos cujos professores são classificados como “competentes” ou “excelentes” apresentam resultados de aprendizado consistentemente superiores.

Nos Estados Unidos, a melhor prática é o sistema Impact, introduzido em 2009, em Washington DC, que incorporou os quatro elementos delineados acima.

Uma avaliação rigorosa mostrou que, somente nos primeiros quatro anos, um grande número de professores ineficazes foi removido, bons professores melhoraram, professores excelentes receberam promoção e aumento salarial atraentes, os novos professo­res atraídos para o sistema são de qualidade muito superior à dos que eles substituíram, e os progressos no aprendizado dos alunos foram os maiores entre os grandes distritos escolares urbanos nos Estados Unidos. Conclusão: essas políticas podem funcionar.

As três políticas mencionadas são respalda­das por crescentes evidências de que podem elevar a qualidade do professor e o aprendiza­do do aluno. Mas elas estão praticamente ausentes do Plano Nacional de Educação propos­to e das prioridades do Ministério da Educação. Por quê? Embora haja evidências de que funcionem, essas políticas desafiam o status quo dos departamentos de educação universitários e de sindicatos de professores.

Barreiras pelo caminho

Mesmo os sistemas estaduais e municipais mais progressistas do Brasil têm se mostrado relutantes em mexer com essas áreas. O que sistemas como os do estado e da cidade do Rio de Janeiro e de Pernambuco têm feito é avançar paulatinamente nessas direções com políticas menos radicais — esquemas de pagamento de bônus que premiam escolas inteiras por resul­tados de aprendizado e conclusão, sem avaliar professores individualmente; concursos que tentam melhorar o calibre de suas contratações, enquanto deixam intocadas questões de quali­dade em outros sistemas; e o controle direto do treinamento do professor, para quebrar a de­ pendência de cursos altamente teóricos ofere­cidos por universidades que os próprios pro­ fessores consideram inúteis — exemplos de instituições que seguem esse caminho são a Escola de Professores do Estado do Rio de Ja­neiro, a Escola Paulo Freire da cidade do Rio e o Magistra de Minas Gerais.

Um dos líderes educacionais no Brasil que pensaram mais a fundo sobre essas questões é Wilson Risolia, ex­secretário estadual de Educação do Rio de Janeiro. Ao longo dos cinco anos em que esteve à frente da secretaria, o estado subiu do 26º lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de qualidade do ensino médio para o quarto lugar em 2013 — um salto realmente admirável.

Risolia contou que a parte inacabada de sua agenda era introduzir a avaliação individual do desempenho do professor e maiores incentivos para os que tivessem melhor desempenho — medidas que ele acredi­ta ser fundamentais para uma verdadeira mu­dança no prestígio do professor e nos avanços de longo prazo na qualidade da educação.

Questio­nado sobre como havia alcançado tanto, mesmo sem ter feito tudo o que gostaria, ele respondeu: “Não existe mágica. Reformar a educação requer uma porção de pequenas ações diferentes, im­plantadas de maneira coerente. É preciso planejar e executar como uma empresa, com atenção a recursos, timing e detalhes — e fazer escolhas de políticas com base em dados e evidências”. De fato, não existe mágica, mas sistemas educacionais de alto desempenho usam algo melhor: a ciência.

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