Revista Exame

Cientistas brasileiros criam startups inovadoras em saúde

Cientistas brasileiros estão saindo dos laboratórios e criando startups inovadoras de verdade — na área de saúde

José Ferreira, da R-Crio: de dentista a  empresário  (Alexandre Battibugli/Exame)

José Ferreira, da R-Crio: de dentista a empresário (Alexandre Battibugli/Exame)

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Naiara Bertão

Publicado em 13 de julho de 2017 às 05h40.

Última atualização em 13 de julho de 2017 às 05h40.

São Paulo — As empresas farmacêuticas gastam, todos os anos, em torno de 100 bilhões de dólares em pesquisas. Algumas dedicam-se a encontrar remédios para doenças incuráveis, como o Alzheimer, outras tentam descobrir tratamentos mais eficazes para o câncer ou melhorar a vida de pacientes com doenças crônicas, como o diabetes. Naturalmente, as grandes empresas do setor não conseguem fazer tudo — e startups com custos menores e apostas mais certeiras ganharam espaço na última década.

No Brasil, país que não é conhecido exatamente pelo histórico de pesquisas científicas de ponta, as inovações na área de saúde concentraram-se nos medicamentos genéricos. Agora, um grupo de startups está tentando trazer um pouco mais de ciência a esse mercado. De 2015 para cá, surgiram pequenas empresas especializadas em fazer análises genéticas, coletar e armazenar células-tronco e até desenvolver pele humana em laboratório. Suas conclusões vêm sendo usadas por pacientes e farmacêuticas que buscam terapias mais eficientes para tratar desde autismo até doenças cardíacas e neurológicas.

Uma das maiores startups brasileiras nessa área é a R-Crio. Fundada há dois anos pelo dentista capixaba José Ricardo Muniz Ferreira, de 48 anos, a empresa é especializada em extrair e armazenar células-tronco presentes nos dentes de leite. No mundo todo, essas células estão começando a ser usadas para tratar doenças neurológicas e degenerativas, mas os resultados ainda são inconclusivos. A expectativa é que as pesquisas avancem e as células-tronco permitam tratar desde doenças graves, como o Alzheimer, até fraturas e queimaduras.

A técnica mais comum de extração de células-tronco é a que usa o material do cordão umbilical, mas Ferreira teve contato com o procedimento dos dentes de leite durante o doutorado que fez em 2012 no Instituto Militar de Engenharia, no Rio de Janeiro. Como não havia empresas especializadas nisso no Brasil, ele decidiu buscar investidores dispostos a financiar a criação de uma startup nessa área. Captou 25 milhões de reais e decidiu abandonar o consultório que manteve por 22 anos para montar a R-Crio.

Os clientes pagam cerca de 3.000 reais pelo procedimento mais 735 reais anuais pelo armazenamento de células-tronco. “A maioria dos nossos clientes é das classes A e B, mas essa tecnologia está ficando mais barata e deve tornar o serviço mais acessível nos próximos cinco anos”, diz Ferreira, que, em 2016, participou do Mentoria PME, um programa de desenvolvimento de empreendedores organizado pela revista EXAME. O mentor da empresa foi Marcos Bosi Ferraz, presidente do conselho de administração do Fleury. Segundo Ferreira, a R-Crio deve faturar 6 milhões de reais neste ano e pretende captar mais 30 milhões de reais até 2018 para crescer dentro e fora do país.

O setor de saúde foi um dos que mais receberam recursos de fundos de private equity em venture capital no Brasil. Nos últimos seis anos, foram 12,5 bilhões de reais. A maior parte desses recursos foi investida em empresas que têm serviços muito procurados, mas pouco inovadores, como softwares para gestão de hospitais e clínicas. “Poucos profissionais têm bagagem para empreender na área científica. Em geral, são pesquisadores de institutos e universidades com anos de trabalho e resultados comprovados”, diz Eduardo Emrich, presidente da Biominas Brasil, fundação mineira que apoia empresas de saúde.

É o caso do biólogo molecular Alysson Muotri, fundador da Tismoo, startup que analisa genes de crianças com transtornos do espectro autista para identificar o tratamento mais indicado. Professor há 15 anos no departamento de pediatria e medicina molecular da Universidade da Califórnia, Muotri reproduziu em laboratório redes de neurônios que possibilitaram realizar testes mais rápidos para tentar identificar causas e tratamentos para o autismo. Em 2013, chegou a negociar com o governo brasileiro a criação de um instituto de pesquisas no Brasil.

A ideia não foi adiante, e Muotri decidiu montar uma empresa especializada nesse tipo de tratamento. Reuniu seis sócios (dois biólogos, uma neurologista, um bioinformata, um advogado e um designer), captou 3 milhões de reais e fundou a Tismoo em abril de 2016. Faturou 700 000 reais em 2016 e espera o dobro para este ano.

A genética é um dos campos mais explorados pelos empreendedores no Brasil. O principal motivo é o barateamento da tecnologia, que permitiu a empresas como a Genotyping, de Botucatu, no interior paulista, e a Genomika Diagnósticos, de Recife, em Pernambuco, oferecer testes genéticos que custam a partir de 1 500 reais.

O objetivo desses testes é tentar diagnosticar e prever mutações genéticas que levem a males como câncer e Alzheimer e também identificar tratamentos mais eficazes. “A tendência é de crescimento da medicina personalizada, que oferece medicamentos e tratamentos diferentes para cada tipo de genoma”, diz Chris Hardesty, executivo global de saúde e ciências da consultoria KPMG.

Ainda que haja abundância de recursos no exterior, eles são mais escassos no Brasil, e as empresas da área médica costumam demandar mais investimentos, por mais tempo, até ter produtos prontos para ser vendidos em larga escala. Um dos países mais procurados pelos empreendedores de -saúde de todo o mundo é o Canadá, que tem um centro de incubação de startups de saúde com 350 empresas. O outro são os Estados Unidos, em razão da maior facilidade de captar dinheiro com investidores.

A mineira Carolina Reis escolheu a região do Vale do Silício para fundar, em 2016, a OneSkin, que produz pele humana em laboratório para testar princípios antienvelhecimento. Ela chegou a montar uma empresa semelhante no Brasil com outros sócios em 2014, mas tinha dificuldade em competir com fornecedores estrangeiros, mais capitalizados. Decidiu, então, fazer um curso da incubadora americana IndieBio, ajustou o modelo de negócios e, agora, começa a buscar empresas interessadas em licenciar suas descobertas para usá-las na produção de cosméticos.

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