Murilo Ferreira, da Vale: apesar do acidente na Samarco, ele diz que a segurança será seu principal legado (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 26 de fevereiro de 2016 às 14h54.
São Paulo — Até meados do ano, Murilo Ferreira caminhava a passos firmes para terminar 2015 como o executivo mais poderoso do Brasil. Desde 2011 ele ocupa um dos cargos mais cobiçados do mercado brasileiro — a presidência da Vale, uma das cinco maiores mineradoras do mundo e a maior exportadora do país.
Em abril, Ferreira subiu alguns patamares ao se tornar também o presidente do conselho de administração da Petrobras, a maior empresa do país. Ele passou a comandar duas empresas com faturamento somado de mais de 400 bilhões de reais. De um lado, tinha o desafio de aumentar a eficiência da Vale para sobreviver a uma queda inédita no preço do minério de ferro.
De outro, resolver o enrosco em que a petroleira havia se metido por obra de uma quadrilha formada por políticos, executivos e fornecedores. Ferreira manteve o status de homem do ano por alguns meses. O problema é que, de setembro para cá, deu tudo errado para a Vale, para a Petrobras — e, principalmente, para ele próprio.
Foram 100 dias inglórios. Em 14 de setembro, Ferreira pediu licença do conselho da Petrobras. Ele e Aldemir Bendine, presidente da companhia, nunca se bicaram, numa animosidade que crescia reunião após reunião. Bendine queria acelerar a venda de ativos para aliviar o caixa da petroleira, enquanto Ferreira preferia melhorar a gestão dos negócios antes de oferecê-los ao mercado.
Ele ainda criticou publicamente algumas mordomias dos funcionários — como a compra de remédios em farmácias com até 90% de desconto. A saída deu origem a duas interpretações para a rápida passagem de Ferreira. Na primeira, a diferença de visão com Bendine tornou inviável seguir no cargo.
Na segunda, ele subestimou o tamanho da crise e, em vez de arregaçar as mangas e resolver o problema, saiu para não se queimar. “O Murilo não percebeu que era impossível ser presidente da Vale e do conselho da Petrobras ao mesmo tempo”, diz um conselheiro da Petrobras. “Ainda mais agora.” Ferreira deixou o conselho da Petrobras no dia 30 de novembro.
A via-crúcis continuou no dia 5 de novembro, quando duas barragens da mineradora Samarco, cujo controle é dividido entre a Vale e a mineradora inglesa BHP Billiton, romperam-se e provocoram um dos maiores desastres ambientais do país. Dezesseis pessoas morreram e três continuam desaparecidas. Nenhum executivo sai fortalecido de uma tragédia.
Mas há reações e reações. Tony Hayward, ex-presidente da petroleira britânica BP, deu um exemplo do que não fazer. Em abril de 2010, uma explosão numa plataforma de petróleo da empresa provocou a morte de 11 funcionários e levou ao vazamento diário de até 100 000 barris de petróleo no Golfo do México.
Depois de minimizar os efeitos do acidente, semanas mais tarde Hayward disse em entrevista que “queria sua vida de volta”, numa declaração particularmente desastrada quando muita gente de fato havia morrido. Ele acabou demitido em julho de 2010. Neste ano, a BP fez um acordo para pagar 20 bilhões de dólares pelo desastre.
Segundo consultores, conselheiros e analistas ouvidos por EXAME, Ferreira está longe de ser um Hayward, mas cometeu algumas falhas similares às que custaram o emprego do britânico. A principal foi a demora. “Ele não podia ter ficado atônito”, diz um consultor próximo à Vale. No dia seguinte ao acidente, Andrew Mackenzie, presidente da BHP, sócia da Vale na Samarco, deu uma entrevista sobre o tema.
Murilo Ferreira visitou o local dois dias depois do acidente, mas só falou uma semana depois, numa coletiva ao lado de Mackenzie. Ali, disse que faria o possível para reparar os danos, mas que a responsabilidade era da Samarco. A coisa foi piorando a partir dali. Numa nova entrevista, no dia 27 de novembro, disse que nunca havia ido à sede da Samarco, em Belo Horizonte.
“Ele parecia mais preocupado com as implicações jurídicas e financeiras do acidente para a Vale do que em resolver o problema”, afirma um concorrente. Ferreira, é até compreensível, estava defendendo sua empresa — e a própria reputação. Desde o acidente, a Vale foi condenada pelo Ibama a pagar multa de 250 milhões de reais e anunciou a criação de um fundo voluntário de recuperação do rio Doce.
Em um mês, as ações caíram 30%. Segundo cálculos de analistas, a empresa deverá deixar de receber 800 milhões de dólares em dividendos da Samarco nos próximos dois anos. E, no pior cenário, pode ser condenada, junto com a Samarco e a BHP, a pagar multa de 20 bilhões de reais em ação ajuizada pela Advocacia-Geral da União.
Mas é numa crise ambiental como a da Samarco que fica evidente uma verdade que só parece ser lembrada em momentos de alegria: as empresas não devem satisfação apenas aos acionistas. No caso de Ferreira, a participação do governo federal, maior acionista da Vale, só complica as coisas.
No episódio da BP, o próprio presidente Barack Obama pressionou pela demissão de Hayward. Como se sabe, o antecessor de Ferreira, Roger Agnelli, deixou o cargo depois de bater de frente com o governo. O mandato de Ferreira terminará em 2017 — e ainda é cedo para dizer se a crise da Samarco terá influência na renovação.
O que pode definir mesmo seu futuro, na visão de analistas e concorrentes, é a resposta para mais uma queda no preço do minério — desta vez, para a casa dos 37 dólares. A Vale sofre mais do que suas principais concorrentes — a BHP e a Rio Tinto — porque é menos eficiente. Segundo cálculos do banco UBS, a Vale só ganha dinheiro vendendo minério para a China se o preço estiver acima de 36 dólares.
Na BHP e na Rio Tinto, a linha de corte é de 29 dólares. A inauguração da mina S11D, prevista para 2016, deverá ajudar a diminuir em alguns dólares esse custo. Mas a queda das últimas semanas já forçou a Vale a negociar um reajuste zero para seus funcionários, a levantar a hipótese de não pagar dividendos em 2016 e a acelerar a venda de ativos para cobrir uma perda de 6 bilhões de dólares no caixa de 2016.
Em entrevista a EXAME — a primeira após o acidente —, Ferreira diz que aceitou presidir o conselho da Petrobras para “tentar ajudar”. “Como percebi que não era possível, por diversas razões, deixei o conselho”, afirma.
Sobre o acidente na Samarco, ele diz que esse é um aprendizado para o setor e que “as pessoas têm o direito de cobrar por aquilo que percebem que poderia ter sido melhor, que poderia ter sido evitado”. Diz, ainda, que não teria feito nada diferente na resposta ao acidente. E que seu maior legado à frente da Vale será a preocupação com a segurança.