Revista Exame

Na corrida contra o apagão

Grandes eventos esportivos exigem uma infraestrutura de redes robusta, algo longe da realidade do Brasil. Há como contornar parte do gargalo — e a solução não é o 4G

Antena de celular em São Paulo: operadoras de telefonia terão de compartilhar as antenas nos estádios (Germano Lüders/EXAME.com)

Antena de celular em São Paulo: operadoras de telefonia terão de compartilhar as antenas nos estádios (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 31 de janeiro de 2013 às 10h12.

São Paulo - Os torcedores que passarem pelas 12 arenas da Copa do Mundo de 2014 terão — além do ingresso — um item indispensável para levar ao jogo: o smartphone. O aparelho já é usado por mais de 1 bilhão de pessoas no mundo e tem se mostrado um excelente companheiro em eventos esportivos. Além de fazer ligações e acessar as redes sociais, o aparelho substitui a câmera, a filmadora e até o rádio de pilha.

Mas, para fazer tudo isso funcionar,  os smartphones exigem uma boa infraestrutura de redes de telecomunicações, algo nem sempre oferecido pelas organizadoras desses eventos. Foi assim nos Jogos Olímpicos de Londres, em julho passado, quando houve uma grande demanda de redes de dados.

O acesso a serviços de vídeo por streaming, como o YouTube, aumentou 217% no primeiro dia de competição e os posts na rede social Facebook cresceram 87%. Para os especialistas, Londres passou bem pelo desafio no acesso a serviços mais leves, como checar e-mails e redes sociais. Mas escorregou na hora das tarefas mais pesadas: apenas um terço das pessoas que tentaram assistir a vídeos online nos locais de competição obteve êxito.

O problema enfrentado em Londres leva a um questionamento inevitável: se na capital do Reino Unido, que dispõe de uma das melhores infraestruturas de telecomunicações do mundo, os serviços não funcionaram bem, como será na Copa do Mundo no Brasil? Dado o histórico de precariedade de nossas redes, o cenário é de preocupação. Por enquanto, as certezas estão apenas em relação ao aumento da demanda das redes de telecomunicações.

Segundo a consultoria brasileira Teleco, em junho de 2014, no início da Copa no Brasil, haverá mais de 124 milhões de acessos à internet por smartphones e tablets no país — mais que o dobro do que em julho deste ano. As incertezas ficam para a infraestrutura do Brasil, que mesmo em condições normais é considerada atrasada. As ligações caem, o acesso à internet é intermitente e não é raro ouvir o bordão que se tornou popular entre os brasileiros: “Imagina na Copa”.

Para os especialistas no setor, uma das alternativas para o país contornar ao menos parte do gargalo gerado por um evento dessas proporções é resolver o problema de carência de antenas de transmissão. Atualmente, há cerca de 56 000 antenas espalhadas pelo país, o mesmo número do Reino Unido, que tem um terço da população do Brasil e um território correspondente ao do estado do Piauí.

As razões para essa carência são as mais diversas. A começar pela burocracia regulatória: há 250 leis que estabelecem regras para a instalação de antenas no país — cada município faz sua norma. A boa notícia é que está em fase final de aprovação a Lei das Antenas, que obriga os municípios a seguir as regras propostas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).


Há também uma parcela de culpa das operadoras de telefonia, que por anos insistiram em desenvolver suas próprias redes, em vez de compartilhá-las, como é feito na maior parte dos paí­ses ricos. “As empresas terão de compartilhar a infraestrutura se quiserem prestar um serviço de qualidade”, diz Arismar Cerqueira, professor do Instituto Nacional de Telecomunicações, centro de ensino e pesquisa de engenharia em Minas Gerais.

Para enfrentar esse desafio, pelo menos dentro do estádio, as operadoras finalmente decidiram formar um time. Juntas, estão montando um sistema de antenas compartilhadas nas arenas brasileiras. A ideia é criar uma cobertura que combine redes 3G, 4G e wi-fi. Em alguns estádios, os investimentos vão chegar a 10 milhões de reais, e a intenção é fazer com que a atual capacidade de tráfego de dados de um estádio lotado seja multiplicada por 10.

“As antenas passarão a cobrir áreas menores nos estádios, de cerca de 300 assentos, para permitir igualmente a disponibilidade da rede, inclusive para vídeos”, diz Leo­nardo Capdeville, diretor executivo de planejamento e tecnologia da operadora Vivo. A TIM, que também vai compartilhar a rede dos estádios, afirma que o sistema permanecerá instalado mesmo depois do evento. “Vai ficar como legado para a oferta de serviço dentro dos estádios”, diz Janilson Bezerra, executivo de inovação da TIM Brasil.

Aparentemente, um grande avanço foi feito em junho, quando a Anatel rea­lizou os leilões das redes 4G. Não faz sentido, no entanto, o discurso de que a chegada do 4G é a solução para todos os problemas de infraestrutura de telecomunicações da Copa. O modelo de antena usado pela rede 4G tem um raio de alcance menor do que o das antenas de 3G. Por isso, demandam ainda mais pontos de instalação em áreas onde as operadoras penam para conseguir colocar os equipamentos.

“Os entraves precisam ser resolvidos logo para que a faixa de frequência realmente seja útil”, diz Renato Pasquini, especialista em telecomunicações da empresa americana de consultoria e pesquisas Frost & Sullivan. Para agravar a situação, a faixa usada pelo 4G no Brasil não é a mesma de vários outros países, como os Estados Unidos, o que vai tornar os aparelhos de muitos turistas incompatíveis. “O 4G vai contribuir muito pouco para suprir as necessidades do público em 2014”, diz Eduardo Tude, presidente da Teleco.

Para evitar um apagão de infraestrutura de telecomunicações em plena Copa do Mundo, as operadoras brasileiras pretendem recorrer a diferentes soluções. Nos locais de maior demanda, serão usadas redes wi-fi em ambientes fechados e antenas móveis de menor porte, conhecidas como microcélulas, e macrocélulas, em ambientes externos. “Isso é comum para atender a shows ou outros eventos”, diz Katia Braga Moreira, diretora da consultoria Deloitte. 

Para os especialistas, a infraestrutura das arenas representa pouca preocupação. “Os estádios podem até ter conexões lentas, mas a rede deve funcionar para as atividades básicas”, afirma Ronaldo Sá, ex-presidente da Telebras e fundador da consultoria Orion, especializada em comunicações. A dúvida é se todo o investimento feito só será útil para os frequentadores dos estádios. Se fora das cidades-sede nada for feito para melhorar a situação precária das redes de telefonia do país, os brasileiros em breve poderão mudar seu bordão para “Imagine depois da Copa...”.

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