Revista Exame

A Shell vai na contramão das concorrentes

Em um momento em que as multinacionais do petróleo, como Esso, saem do Brasil, a Shell reforça sua atuação -- e se prepara para crescer

Vasco Dias, o presidente: a Shell fica (--- [])

Vasco Dias, o presidente: a Shell fica (--- [])

DR

Da Redação

Publicado em 22 de julho de 2013 às 14h35.

Os principais compromissos do executivo Vasco Dias nos primeiros meses na presidência da anglo-holandesa Shell no Brasil, há três anos, não exigiam terno e gravata nem tampouco o domínio de estatísticas sobre o mercado de combustíveis. Em mangas de camisa e com um discurso pronto, Vasco investia boa parte do tempo em reuniões com grupos de 15 a 20 funcionários de cada vez.

O objetivo era desfazer o temor generalizado de que a empresa sairia do Brasil. "Havia uma boataria que mexeu com o ânimo dos funcionários. Eu tinha de convencê-los de que não só ficaríamos como iríamos crescer. Passava às vezes a reunião toda só dizendo isso", afirma Dias.

O executivo precisava do empenho dos subordinados para resgatar a Shell da pior crise de seus 92 anos no Brasil, e não tinha os números a seu favor. A rede de postos havia diminuído de mais de 4 000 revendedores para 2 000, e a participação de mercado caiu pela metade, para 10%.

Ninguém na Shell confirma oficialmente até hoje, mas houve de fato uma movimentação da área de fusões e aquisições com a matriz em Londres para vender a operação brasileira -- daí os boatos.

Nas últimas semanas, com a venda da Esso para a Cosan e os rumores de que a Texaco também se prepara para sair do Brasil, Dias mais uma vez garantiu que a Shell, ao contrário das concorrentes estrangeiras, fica. Mas, desta vez, não se trata de desmentir boatos -- os resultados recentes da empresa estão a seu favor.

Desde que Vasco Dias assumiu o comando, a Shell acrescentou quase 600 novos postos de combustível à sua rede, dobrou seu lucro e conseguiu recuperar parte da participação de mercado, chegando a 15% em 2007. O faturamento, que estava em 7 bilhões de reais em 1999, quase triplicou e chegou a 21 bilhões em 2007.

O volume de vendas de combustível aumentou 18% só no ano passado, o dobro do registrado pelo mercado. E até mesmo a área de produção de petróleo, que responde diretamente à matriz da Shell na Inglaterra, que começou a extrair e a exportar os primeiros barris do subsolo brasileiro em 2003, agora se prepara para triplicar a produção até 2009.


Assim como em boa parte dos casos de virada, a estratégia adotada por Dias foi relativamente simples e contou com a ajuda do bom momento da economia e do setor no Brasil -- o combate à adulteração e à sonegação conduzido pelo governo, por exemplo, tem apresentado resultados. Isso não quer dizer, no entanto, que o trabalho na Shell tenha sido fácil.

Na origem da crise, além da concorrência predatória, que prejudicou todas as grandes distribuidoras, estava uma seqüência de reações desastradas que só serviram para aprofundá-la.

A Shell havia se distanciado dos donos de postos de gasolina, realizado uma política de demissões que se mostrou equivocada e retirado sua marca de estados com grande potencial de crescimento, como os da Região Centro-Oeste.

"Os primeiros anos desta década foram difíceis para todo mundo, mas as multinacionais, por não entenderem o mercado brasileiro, meteram os pés pelas mãos ao enfrentar os problemas", diz um executivo de uma concorrente brasileira.

No centro do esforço para reverter os maus resultados, vender mais combustível na bomba era o principal objetivo. O varejo representa 55% do faturamento da Shell no Brasil -- os outros 45% saem da área de aviação e de lubrificantes, grandes clientes e exploração e produção. "Era inadmissível que nós, que já tivemos no passado até 25% do mercado, estivéssemos estacionados nos 10%", afirma Dias.

Atualmente, a Shell é a terceira empresa desse setor, atrás da BR-Petrobras (com 41% de participação) e da Ipiranga (com 18%). A prioridade passou a ser recuperar o mercado perdido, e todas as iniciativas que não tinham relação direta com essa meta foram postergadas.

A área de novos negócios, que tinha apenas duas pessoas e credenciava dez novos postos por ano, passou a ter 20 funcionários, trazidos de outras áreas. Essa equipe produziu um mapa detalhado de todos os postos do país, indicando quais, principalmente entre os independentes, deveriam ser trazidos para a Shell.

O diretor de varejo, Téo Lacrozze, já chegou a viajar até o interior de Mato Grosso apenas para negociar diretamente com o dono de um posto de gasolina.


Reconquistar o estado, a propósito, é ponto de honra para a empresa, que vendeu os quase 2 000 postos que tinha no Centro-Oeste e na Região Sul para a italiana Agip. Hoje, só o Mato Grosso consome 15% de todo o diesel do Brasil, mas a Shell ainda não tem nenhuma participação nesse mercado.

A operação brasileira é a terceira mais importante para o varejo na Shell mundial -- e o esforço de recuperação no Brasil é visto como crucial na matriz na Inglaterra. "O objetivo é chegar a 20% de participação do mercado até 2010", diz Vasco Dias. E isso em um mercado em que, por não ter nenhuma atuação no refino da gasolina, as distribuidoras operam com margens de lucro muito reduzidas.

Foi essa, aliás, uma das razões apontadas pela Esso para sair do mercado brasileiro. "O predomínio da Petrobras nesse mercado é tão forte que fica difícil para as multinacionais competirem", diz um consultor que já trabalhou para uma distribuidora estrangeira.

Além disso, num setor em franca consolidação, a pergunta que fica é se a Shell vai continuar a crescer de posto em posto ou pretende partir para aquisições. Essa é uma resposta que o presidente da Shell não dá -- ao menos, por enquanto.

 
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