Revista Exame

Na boca do povo: indústria de doces do RS conquista o Brasil e o mundo rumo ao primeiro bilhão

A empresa de doces gaúcha Docile está próxima de seu primeiro bilhão ganhando mercado fora do Sul e ampliando as exportações, já responsáveis por 35% da receita

Fábrica da Docile em Lajeado, no Rio Grande do Sul: a planta produz 200 toneladas diárias de guloseimas, com mais de 400 produtos no portfólio (Leandro Fonseca/Exame)

Fábrica da Docile em Lajeado, no Rio Grande do Sul: a planta produz 200 toneladas diárias de guloseimas, com mais de 400 produtos no portfólio (Leandro Fonseca/Exame)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 22 de maio de 2025 às 06h00.

Se a indústria de guloseimas gaúcha Docile abrisse as portas de sua fábrica em Lajeado, a 120 quilômetros de Porto Alegre, para uma noite de imersão no estilo do filme americano Uma Noite no Museu, um clássico de 2006 com Ben Stiller como protagonista, haveria fila na entrada.

No lugar do Tiranossauro Rex e da estátua do presidente americano Theodore Roosevelt ganhando vida, como no filme, o encantamento por ali seria com a quantidade­ de doces à disposição numa única fábrica. Esteiras desfilam pastilhas, e jujubas caem de 2 metros de altura, como numa cachoeira de doces. Corredores com metros de extensão exibem marshmallows recém-saídos da máquina, antes mesmo de serem cortados. Até o ar tem cheiro de açúcar.

Todos os dias, oito caminhões carregados com 25 toneladas de doces partem da expedição da empresa. Por mês, são 250 milhões de embalagens com a marca Docile chegando ao mercado, com jujubas, balas de goma, marshmallows, pastilhas de menta e todo tipo de guloseimas imaginável. Só no Brasil, são 170 itens da Docile nas gôndolas de supermercados. Contando as exportações, são mais de 400 produtos.

Com essa mistura de encantamento e doce, a Docile está próxima de seu primeiro bilhão de reais em faturamento, previsto para 2026. Para chegar lá, reforçou o marketing com campanhas protagonizadas por estrelas dos esportes olímpicos nacionais, como a skatista Rayssa Leal e a ginasta Rebeca Andrade. A empresa também expandiu a malha logística. Em um ano, saltou de 13 para 74 distribuidores. Em 2024, inaugurou um centro de distribuição em Extrema, entre São Paulo e Minas, e viu crescer também o mercado internacional: hoje, 35% da receita já vem da exportação. De 2020 para cá, a receita praticamente dobrou. Em 2024, foi de 684 milhões de reais. Para este ano, a meta é chegar aos 810 milhões de reais.

Nestor e Alexandre Heineck, da Docile: três gerações da família ainda circulam pela fábrica que ajudaram a construir (Leandro Fonseca /Exame)

A confiança se sustenta em uma tese simples: ainda há muito mercado açucarado para conquistar, mesmo com o avanço da chamada saudabilidade. “Temos produtos sem açúcar, com aromas e corantes naturais, itens para veganos”, diz Alexandre Heineck, presidente do conselho e um dos três irmãos fundadores. “Mas queremos mesmo é proporcionar essa alegria para o consumidor, o mainstream, e ainda tem muito açúcar nesse universo.” Embora o Brasil seja o quinto maior mercado de guloseimas do mundo, o consumo per capita ainda é modesto, 2 quilos por ano. Em países ricos é muito mais: na Suécia, por exemplo, são consumidos mais de 16 quilos, de acordo com os dados do Ministério da Agricultura local.

A grande prova dessa aposta é um investimento de 150 milhões de reais recém-anunciado pela Docile. Um terço vai para o marketing. O restante, para modernizar a fábrica, com máquinas mais velozes e autônomas. “O investimento antecipa demandas futuras e atende à demanda extra atual”, diz Ricardo Heineck, presidente-executivo. A capacidade deve saltar de 200 para 300 toneladas diariamente. É doce suficiente para fazer dez pilhas de jujubas até a Estação Espacial Internacional.

Qual é a história da Docile

Apesar de relativamente jovem — a Docile completa 34 anos em 2025 —, a história da família com doces remonta a 1936. Naquele ano, Natalício Heineck, avô dos fundadores, começou uma produção artesanal. Mais tarde, ela virou a Florestal Alimentos, uma das principais indústrias de balas e pirulitos do Sul do país. O filho de Natalício, Nestor, nascido no mesmo ano da Florestal, seguiu no setor. Em 1991, os três filhos de Nestor, Alexandre, Fernando e Ricardo, criaram uma distribuidora de xarope de glicose.

Sete anos depois, já produzindo refresco em pó, ela passaria a se chamar Docile. “Nosso pai diz que nasceu em cima de um saco de açúcar, botou o dedinho, provou e ficou contagiado”, diz Alexandre. Hoje, Nestor, aos 88 anos, ainda circula pela fábrica, dividindo os corredores com filhos e netos.

Quando a EXAME visitou a sede, em meados de abril, ele saía de uma integração com novos funcionários e fazia questão de mostrar a primeira betoneira da família, usada para misturar o açúcar com os xaropes e a água. “Era movida a feijão”, brinca seu Nestor, como é chamado. “Para mexer aquilo, só comendo muito e tendo muita força.”

Essa trajetória colocou a Docile entre as quatro empresas brasileiras no ranking das 100 maiores do setor, segundo a revista americana Candy ­Industry. Duas são de chocolate: a Cacau Show, maior rede de franquias do país, e a CRM, dona da ­Kopenhagen e da Brasil Cacau. As outras duas disputam o mundo das balas: a Docile e a Dori Alimentos, vendida em 2023 à americana Ferrara por 2 bilhões de reais.

“Competimos com multinacionais e ainda assim crescemos acima da média”, diz Ricardo. Se, por um lado, a captação de recursos fica mais restrita — o investimento anunciado vem de caixa próprio e de captação via Finep e BNDES, duas instituições públicas brasileiras conhecidas por apoiar o desenvolvimento de pesquisa de produtos e de negócios no país —, por outro, a estrutura é mais ágil.

Enquanto concorrentes como a espanhola Fini e a alemã Haribo, as duas maiores do setor, lidam com estruturas globais, a Docile lança produtos a toque de caixa. Caso do ­marshmallow de pistache, criado na febre do ingrediente no Brasil. “Virou um fenômeno”, diz ele. Outro exemplo vem das feiras internacionais. É raro uma semana sem alguém da Docile com os pés fora do país e as mãos cheias de amostras. Foi assim com a pulseira de goma usada por alguns funcionários quando a EXAME visitou a fábrica. “A gente senta numa sala e passa horas provando”, diz Alexandre. “E disso saem os nossos próximos lançamentos.”

Estratégias internacionais

Parte dos lançamentos da Docile fica no Brasil, mas uma fatia crescente vai para o exterior.

A empresa é hoje a maior exportadora de doces e guloseimas do país, e vê na exportação uma de suas principais avenidas de crescimento. Do que sai pelos portos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, 60% já levam a marca Docile. O restante segue no modelo private label. É o caso das balas em formato dos clássicos personagens Mickey e Minnie, vendidas nos parques da Disney, nos Estados Unidos. Trata-se de uma tentativa de morder um pedaço de um mercado global estimado em 69 bilhões de dólares, com expectativa de crescimento de 20% nos próximos anos, segundo a consultoria Mordor Intelligence.

Corredor de marshmallows na Docile: a linha compõe o cenário lúdico da fábrica, onde a produção em escala industrial mantém o encantamento de uma confeitaria gigante (Leandro Fonseca /Exame)

O novo tarifaço imposto pelo presidente Donald Trump, no entanto, acendeu um sinal de alerta. A partir de 2025, produtos importados nos Estados Unidos — incluindo doces brasileiros — passarão a pagar alíquotas a partir de 10%. Para a Docile, isso não muda a estratégia. “Os Estados Unidos não têm como absorver de uma hora para a outra a demanda de todos os produtos importados”, diz Ricardo Heineck. Os principais concorrentes, como Turquia e Colômbia, também foram atingidos pela medida com a mesma alíquota. Mas a aposta está em outro flanco: a China, maior fornecedora global do setor, terá tarifas ainda mais altas. “Pode haver necessidade de absorver parte da demanda antes destinada à China”, diz.

O desafio da saudabilidade também paira no ar. Quase metade dos brasileiros passou a consumir alimentos saudáveis desde a pandemia, num setor crescendo 12,3% ao ano. No mundo, o segmento deve movimentar 859 bilhões de dólares até 2030, de acordo com a consultoria Research and Markets. Para a Docile, há espaço para os dois mundos: o do sem açúcar — e o de pequenas indulgências.   

Daniel Giussani, de Lajeado, Rio Grande do Sul


De bala em bala

Do interior do Rio Grande do Sul para 80 países — os marcos de crescimento da fabricante de doces

1936 ⟶ Início da história da família Heineck no setor de doces, com Natalício Heineck. O filho Nestor manteve a tradição

1991Os três irmãos, Ricardo, Fernando e Alexandre Heineck, filhos de Nestor e netos de Natalício, abrem a Gluco Amido, empresa de distribuição de matérias-primas para outras indústrias do RS

1994 ⟶ A Gluco Amido dá início à produção do seu primeiro produto, um refresco em pó, numa betoneira adaptada

1998 ⟶ É construído o parque industrial de Lajeado, e a empresa passa a se chamar Docile Alimentos

1999 ⟶ Começa a produção de balas de goma

2001 ⟶ Tem início a produção de pastilhas (hoje a empresa responde pela produção das tradicionais pastilhas Garoto)

2005 ⟶ É construído o novo prédio do parque fabril

2009 ⟶ Começa a produção de bala de gelatina

2011 ⟶ A Docile expande os negócios com a inauguração de uma unidade no Nordeste, em Jaboatão dos Guararapes (PE)

2013 ⟶ Início da produção do primeiro marshmallow 100% brasileiro

2014 ⟶ Inauguração do novo prédio da matriz, em Lajeado, e início das obras do novo prédio da Docile em Vitória de Santo Antão (PE)

2017 ⟶ Conquista da certificação FSSC 22000, ligada à segurança alimentar, uma chancela para a ampliação da atuação no mercado externo e para a conquista de grandes clientes

2021 ⟶ A Docile alcança a posição de maior exportadora de doces e guloseimas do Brasil

2022 ⟶ A empresa anuncia investimento de 100 milhões de reais para ampliar a capacidade produtiva

2025 ⟶ A Docile entra para a lista das 100 maiores empresas mundiais do setor (Ranking Global Top 100 Candy Companies)

Fonte: empresa.

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