Revista Exame

As empresas que mais promovem mulheres no Brasil

Um levantamento inédito mostra quais são as empresas que mais promovem mulheres a cargos de liderança no Brasil — e o que todos podemos aprender com elas

No comando: (da esq. para a dir.) Cristina Palmaka, da SAP; Lídia Abdalla, do Sabin; Leila Velez, da Beleza Natural; Marilia Rocca, da Ticket; Tania Cosentino, da Schneider Electric; Renata Campos, da Takeda; e Raissa Lumack, da Coca-Cola | fotos: AndrÉ valentim, Cristiano Mariz, Germano Lüders e Gilberto Tadday. Montagem e Tratamento: Carlos Pedretti /

No comando: (da esq. para a dir.) Cristina Palmaka, da SAP; Lídia Abdalla, do Sabin; Leila Velez, da Beleza Natural; Marilia Rocca, da Ticket; Tania Cosentino, da Schneider Electric; Renata Campos, da Takeda; e Raissa Lumack, da Coca-Cola | fotos: AndrÉ valentim, Cristiano Mariz, Germano Lüders e Gilberto Tadday. Montagem e Tratamento: Carlos Pedretti /

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Cristiane Mano

Publicado em 20 de outubro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 7 de novembro de 2017 às 12h57.

Expatriar executivos já faz parte da rotina da fabricante de bebidas Coca-Cola no Brasil. Na última década, dezenas de brasileiros passaram uma temporada em alguma das subsidiárias da empresa, com sede em Atlanta, nos Estados Unidos. A experiência costuma alçar profissionais ao topo da hierarquia. Foi o caso do atual presidente da companhia no país, Henrique Braun. De 2013 a 2016 ele esteve à frente das operações da marca na China e na Coreia. Na volta, assumiu o cargo atual.

Há cerca de cinco anos, porém, saltou aos olhos dos executivos da empresa um fato: a ausência de mulheres. Em 2012, quando a subsidiária da companhia no Brasil começou a prestar atenção à presença feminina em cargos de liderança, contou apenas uma brasileira expatriada. De lá para cá, uma série de esforços foram feitos para mudar essa realidade. Deu resultado. Hoje existem nove brasileiras alocadas pela Coca-Cola no mundo. “Conseguimos aumentar a presença feminina ao flexibilizar as políticas de expatriação”, diz Raissa Lumack, vice-presidente de recursos humanos e uma das três mulheres entre os dez cargos mais altos da companhia no Brasil.

Desde 2013 as executivas podem levar, por exemplo, a mãe para dividir as tarefas de cuidados com os filhos, com os benefícios estendidos a ela. E, se alguma preferir não se mudar com toda a família, a empresa paga as despesas com passagens aéreas para casa todo fim de semana. O benefício também vale para executivos do sexo masculino.

A iniciativa de entender melhor o que precisava ser feito para abrir caminho para as mulheres surgiu de uma diretriz definida globalmente: ter igualdade de gêneros na liderança da Coca-Cola até 2020. A decisão partiu de uma constatação: sete em cada dez refrigerantes da marca no mundo eram vendidos para mulheres, mas internamente elas representavam apenas 23% dos executivos — hoje já são 32%. No Brasil, a proporção é de 27%.

Funcionárias da consultoria EY: o número de sócias no Brasil dobrou nos últimos cinco anos | Jonne Roriz

A operação brasileira da Coca-Cola faz parte de um grupo de 12 empresas apontadas como as melhores de seus setores na promoção de profissionais do sexo feminino no país, na primeira edição do Guia EXAME de Mulheres na Liderança. O Guia é fruto de uma parceria com a ONG Women In Leadership In Latin America (Will), que reúne 2 700 associados em quatro países. “Dar visibilidade às práticas corporativas que dão resultado é fundamental para o avanço do tema”, diz a advogada Silvia Fazio, presidente da Will.

Para elaborar a lista das melhores empresas na promoção da diversidade de gênero na liderança, especialistas do Grupo de Pesquisa em Direito, Gênero e Identidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo analisaram as respostas de 90 companhias a 71 questões, divididas em duas partes. A primeira abordou políticas e processos, como o monitoramento da equidade de gênero e o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. A segunda diz respeito aos dados demográficos da presença de mulheres por nível hierárquico. As que tiveram uma pontuação acima da média foram organizadas por setor (veja quadro acima).

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O resultado é o mais amplo levantamento sobre práticas de equidade de gênero do país. Em média, as empresas obtiveram uma pontuação equivalente a 32% da nota máxima. E 20% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres entre as participantes. Entre as 31 destacadas, apenas sete têm uma mulher no cargo de presidente. “Há também perceptíveis diferenças setoriais”, afirma Lígia Sica, professora na Fundação Getulio Vargas e responsável pela realização do questionário e pela metodologia usada no processamento dos dados da pesquisa. Dois setores campeões em presença feminina são o de saúde e o farmacêutico, com 46% e 43% de mulheres na liderança, respectivamente. No setor de energia, em contraste, elas são apenas 11%.

Alfredo Lalia, da seguradora Zurich Santander: equidade nos cargos de entrada | Omar Paixão

O que se vê na maioria das companhias brasileiras é algo ainda mais desigual. As mulheres ocupam apenas 16% do universo total dos cargos de liderança, segundo uma pesquisa recém-concluída com 321 empresas pela consultoria Korn Ferry com diretores, vice-presidente e presidentes. Há uma década, a proporção era de 9%. Hoje só 5% têm uma mulher na presidência. Quase metade das empresas brasileiras — 45% delas — não tem sequer uma mulher entre seus diretores. Dez anos atrás, 58% estavam nesse grupo. Não é um quadro estático, portanto, mas ele evolui lentamente. Um cálculo elaborado pelo Fórum Econômico Mundial dá a dimensão dessa velocidade. No ritmo atual, a disparidade de gênero no mercado de trabalho no mundo só vai acabar daqui a 170 anos.

No mesmo estudo, o Brasil aparece na 79a posição no Índice Global de Desigualdade de Gênero, elaborado desde 2006 com a análise de 144 países. Um dos tópicos que mais pesaram contra o Brasil foi a desigualdade de renda. Segundo o estudo, o abismo salarial entre homens e mulheres é superior a 50%, caso também de França, Chile, Peru e Hungria. Mesmo quando se olha a remuneração de homens e mulheres nos mesmos cargos em grandes empresas, ainda há uma diferença. Segundo dados da consultoria Korn Ferry para o mercado brasileiro, as executivas ganham 6,2% menos do que os pares do sexo masculino.

As diferenças persistem mesmo num cenário em que as mulheres já são maioria dos estudantes do ensino superior. Hoje elas representam 60% dos brasileiros que já concluíram uma faculdade. Nos Estados Unidos, a proporção é semelhante. Lá, as mulheres já constituem a maioria dos alunos em faculdades há três décadas. Mesmo assim, uma executiva só sucedeu à outra no posto mais alto da hierarquia, na história corporativa americana, em 2009, quando Ursula Burns assumiu a presidência executiva e do conselho de administração da Xerox no lugar de Anne Mulcahy. Ainda hoje é a única. Também lá a participação de mulheres nesse nível da hierarquia é de apenas 5% — um patamar que se mantém ao longo dos anos.

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DISCUSSÃO EM ALTA

Se as estatísticas continuam desanimadoras, o assunto nunca ganhou tanta ressonância entre as empresas. Estima-se que 60% das companhias americanas têm um executivo apenas para cuidar da diversidade na força de trabalho. Entre as empresas participantes do Guia EXAME de Mulheres na Liderança, 33% mantêm um cargo equivalente. Empresas como a de tecnologia SAP e a seguradora Metlife optaram por esse caminho e veem resultados. Na MetLife, a vice-presidência de diversidade é uma posição global. Um comitê local formado em 2014, com integrantes de diversos níveis hierárquicos, se reúne duas vezes por mês para definir ações prioritárias. Globalmente, a meta é atingir 40% de mulheres na liderança. A operação brasileira já tem 50%, quatro mulheres e quatro homens na diretoria. “O estágio dessa discussão varia de país para país. Mas o que se nota é que, até alguns anos atrás, havia o reconhecimento e não existia muita ação. Agora as pessoas começam a ver soluções e maneiras de não esperar até que as coisas se resolvam sozinhas”, diz Julio Portalatin, presidente mundial da consultoria de recursos humanos Mercer, com sede em Nova York.

Comitê de mulheres da MetLife: encontros quinzenais para discutir o tema | Omar Paixão

Um fator que ajudou o tema a ganhar relevância foi a percepção de que a diversidade faz bem para os negócios. Segundo dados da consultoria McKinsey, nas empresas com diversidade de gênero na gestão, o resultado financeiro é 15% superior em relação à média de suas concorrentes diretas. Quando há também a diversidade étnica na liderança, os resultados são 35% maiores. O apelo se estende à economia global. De acordo com o mesmo estudo, num cenário em que todos os países alcançassem a equiparação de gêneros, 28 trilhões de dólares seriam adicionados ao PIB global anual até 2025.

O tema também se tornou sensível para a imagem corporativa, sobretudo nos Estados Unidos. Desde o início do ano, a empresa de tecnologia Google e o banco JP Morgan estão sendo processados pelo Departamento de Trabalho dos Estados Unidos. O órgão do governo americano alega “discriminação sistemática contra empregadas do sexo feminino em alguns cargos, pagando a elas salários mais baixos do que os de colegas do sexo masculino em cargos equivalentes”. Além dos danos de imagem e reputação, as companhias podem perder contratos com o governo americano. O Google alega que recentemente já havia corrigido a diferença salarial entre funcionários de sexos diferentes globalmente e que, nos Estados Unidos, provê pagamento igual a funcionários de diferentes etnias.

O JP Morgan não comenta. No início de outubro, a Justiça americana recusou pela segunda vez uma petição dos advogados do banco para tentar encerrar o caso. Neste ano, a rede social Facebook se viu diante de uma polêmica semelhante, iniciada por uma ex-funcionária. Ela fez um levantamento que mostra que os projetos de engenharia realizados por mulheres no Facebook nos últimos anos foram 35% mais rejeitados, receberam 8% mais críticas e demoraram 4% mais tempo para ser aceitos, segundo reportagem do The Wall Street Journal. A companhia, cuja vice-presidente de operações é a executiva Sheryl Sandberg, criadora da associação global Lean In, para a promoção da equidade de gênero, rebateu as críticas. Mas o estrago já estava feito.

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Não à toa, a causa da diversidade entrou há mais tempo nas discussões de empresas americanas e europeias. Isso se reflete claramente nas diferenças de desempenho entre as empresas brasileiras e multinacionais do Guia. No primeiro grupo, 20% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. Nas multinacionais, o índice sobe para 25%. Entre as empresas brasileiras em destaque, chamam a atenção as que foram fundadas por mulheres. É o caso da rede de salões de beleza e fabricante de cosméticos Beleza Natural, a melhor entre as pequenas e médias empresas. O primeiro salão da rede especializada em cabelos cacheados foi inaugurado há 24 anos no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Hoje a rede tem 42 lojas, e o primeiro salão em Nova York será aberto neste ano. Em 2013, o fundo de investimento GP comprou 33% das ações da empresa, que tem como sócios a fundadora Heloísa Assis, conhecida como Zica, seu marido e seu irmão, além de Leila Velez, atual presidente da companhia. Do total de 4 000 funcionários, 90% são mulheres. Boa parte delas era cliente e muitas tiveram na Beleza Natural o primeiro emprego.

É uma tendência confirmada por um levantamento realizado pela escola de negócios Insper a pedido da consultoria de recrutamento Talenses com 339 empresas. “Quando as empresas têm mulheres entre os fundadores, ou no conselho de administração, ou nos cargos de vice-presidência, há maior presença feminina na totalidade de cargos de gestão”, diz Regina Madalozzo, professora no Insper e pesquisadora da atuação da mulher no mercado de trabalho.

É o que se vê também no caso do grupo de laboratórios de análises clínicas Sabin, fundado por Sandra Costa e Janete Vaz em 1984, hoje presente em 22 cidades do país, com 4 000 funcionários e faturamento anual superior a 700 milhões de reais. “Mais de 90% das pessoas em cargos de gestão têm muitos anos de casa e foram promovidas de nossa base, que tem maioria feminina”, diz a bioquímica Lídia Abdalla, presidente do Sabin. A empresa contabiliza 62% de mulheres na gerência e 38% na diretoria.

Programa para gestantes na consultoria Accenture: homens também são mentores | Omar Paixão

Não existe, claro, uma fórmula única para todas as empresas. “O que vale para todos os casos é que os esforços só avançam com adesão dos principais executivos”, afirma Lígia, da FGV. Nesse momento, cada empresa tem o próprio gatilho. Alfredo Lalia, presidente da operadora de seguros e previdência Zurich Santander, diz que o sinal amarelo soou em junho de 2016, quatro meses depois de assumir o cargo. Ele participou de uma reunião com 18 estagiários — 70% do sexo masculino. Então, definiu que a empresa contrataria somente estagiárias até que houvesse a equiparação de gêneros nos cargos de entrada.

A meta foi atingida em menos de um ano. “Está claro que o mercado financeiro é hoje predominantemente masculino porque, ao longo do tempo, os homens concederam privilégios uns aos outros”, diz Lalia. Outros processos foram mudados na Zurich Santander. Todo e qualquer recrutamento deve apresentar quatro pessoas como finalistas, e, no mínimo, uma delas deve ser de sexo diferente das outras. As novas regras já trouxeram resultados. Na linha sucessória elas se tornaram a maioria: estão em sete dos 11 cargos de superintendência.

As práticas voltadas para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional estão entre as mais adotadas pelas empresas participantes do levantamento. “A maternidade coincide com o período em que a carreira se define. E é aí que muitas mulheres ficam para trás”, diz a consultora de gestão Betania Tanure. Num estudo realizado por ela, com 238 mulheres, o percentual de executivas com apenas um filho é de 44%. No caso dos homens, 71% têm mais de um filho.

Oferecer flexibilidade para conciliar demandas pessoais com profissionais tem ajudado na mudança desse cenário. Foi o caso de Cristina Palmaka, presidente da filial da multinacional alemã de tecnologia SAP. Em 2006, dez meses após o retorno da licença-maternidade, ela foi promovida a uma vice-presidência para a América Latina.

Cristina teve a chance de escolher entre continuar em São Paulo ou mudar-se para algum dos vários escritórios da companhia no continente. “Mantive a base em São Paulo porque aqui tenho a ajuda de minha mãe e meu marido não conseguiria uma transferência”, afirma. Ainda assim, não deixou de viajar todos os meses para  países como Colômbia, Estados Unidos e também para a Europa. “Quando nasceu o primeiro dente de minha filha, estava em Praga e fiquei muito magoada por não estar presente”, diz Cristina. “Foi aí que me dei conta de que perderia muitos momentos como aquele e decidi em quais ocasiões minha presença seria inegociável.” Ela não perde as apresentações da filha na escola nem deixa de levá-la ao primeiro dia de aula no ano.

Sheryl Sandberg, vice-presidente do Facebook: ela levantou a bandeira da equidade de gênero | Michael Short/Getty Images

Com o mesmo objetivo, algumas medidas foram tomadas na rede varejista Magazine Luiza, a melhor do setor de varejo do Guia. Para atingir o posto de gerente de uma de suas mais de 600 lojas, os candidatos devem fazer um estágio de seis meses em outras unidades. Há dois anos, a companhia passou a impedir que as mulheres fossem alocadas a mais de 150 quilômetros da cidade em que moram nesse período. “Isso ajudou a aumentar o percentual de mulheres na gerência, que hoje é de cerca de 40%”, diz Patricia Pugas, diretora de recursos humanos da Magazine Luiza, que também paga os custos de um acompanhante para mulheres com filhos com menos de 1 ano que viajam a trabalho.

Para um crescente grupo de acadêmicos e executivos, no entanto, reduzir a questão à maternidade significa ver só uma parte do problema. Há um obstáculo invisível tão ou mais determinante para a evolução da carreira das mulheres. “Todos temos crenças ou vieses que afetam nossas decisões cotidianas sem que tomemos consciên­cia disso”, diz Margareth Goldenberg, consultora especializada em diversidade. Um exemplo disso no mundo corporativo está na tendência de nem considerar mulheres para postos de expatriação simplesmente porque, em geral, elas dizem não mais frequentemente do que os homens.

Empresas como a japonesa Takeda, dona de marcas como os remédios Dramin e Neosaldina no Brasil — e que é a melhor do setor farmacêutico no Guia —, resolvem a questão com um sistema de planejamento sucessório bem elaborado. Nele, todos os 500 executivos, de gerentes ao presidente da empresa, são organizados em três estágios de prontidão para o próximo passo na carreira. Mais que isso, o executivo é convidado a dizer se está ou não disposto a encarar um desafio em outro país, e mais especificamente em quais regiões. Também pode escolher um mentor e tem direito a um coach externo para definir o que e como fazer.

A administradora paulista Renata Campos, presidente da operação brasileira da Takeda, demonstrou o desejo de ter uma experiência estrangeira há cinco anos. A oportunidade apareceu em 2013, quando ela se mudou com o marido para a Turquia como gerente-geral. Na volta, dois anos depois, tornou-se a primeira brasileira a ocupar a presidência. “Ter a chance de dizer o que eu queria foi fundamental para que eu pudesse construir minha carreira e meu planejamento pessoal em paralelo”, afirma.

Ursula Burns, da Xerox: há oito anos no cargo, ainda é a única mulher a suceder outra na presidência de uma grande empresa americana | Eduardo Munoz/reuters

Estudos mostram que os vieses de gênero são construídos ainda na infância. Um deles, publicado em janeiro pela revista Science, e conduzido por pesquisadores dos departamentos de psicologia das Universidades de Nova York, Princeton e Illinois, mostra que a tendência de formar uma correlação entre gêneros e capacidade­ de desempenhar tarefas costuma começar aos 6 anos de idade e influencia as decisões do futuro, bem como a autoestima.

Os pesquisadores testaram uma série de hipóteses com 400 crianças americanas de 5 a 7 anos de idade. Num dos testes, as crianças ouviam uma história sobre uma pessoa “muito, muito esperta”. Aos 5 anos, diante de imagens de duas mulheres e dois homens, todos desconhecidos, a maioria dos meninos apontava para os homens, enquanto a maioria das meninas apontava para as mulheres. A partir dos 6 anos, as meninas tendem a acreditar menos que mulheres são brilhantes e passam a se identificar mais com descrições como “muito legal” e “muito esforçada”.  Segundo os pesquisadores, essas imagens construídas socialmente ajudam a levar uma minoria das mulheres para faculdades de matemática, física ou engenharia. “Essas crenças arraigadas tendem a se perpe­tuar”, diz a professora Regina, do Insper.

Algumas empresas decidem adotar metas para acelerar as mudanças. Na empresa de benefícios Ticket, a melhor do setor de serviços, comandada pela executiva Marilia Rocca, desde julho todas as vagas precisam ter pelo menos uma mulher no páreo.  “A decisão final sempre será meritocrática”, diz Marilia. “Mas a meta garante que as mulheres não sejam esquecidas.” A empresa de automação e gestão de energia Schneider Electric foi mais longe. A matriz francesa impôs uma meta de percentual de contratação de mulheres, que é de 40% neste ano. Seu atingimento faz parte da remuneração variável dos executivos, e hoje o índice local já está em 48%. “O desafio vale inclusive para as áreas em que é mais difícil encontrar mulheres, como a técnica”, diz a engenheira Tania Cosentino, presidente da Schneider Electric para a América do Sul. “Tomamos o cuidado de dar visibilidade para quem bate a meta e também de mostrar que os resultados das áreas com mais diversidade aumentam. É um incentivo para os demais.”

Estudos mostram que esse é um cuidado necessário, sob o risco de ter o efeito contrário. É o que comprovou um estudo realizado pelos professores de sociologia Frank Dobbin, na Universidade Harvard, e Alexandra Kalev, na Universidade de Tel-Aviv, com a análise de dados de mais de 800 empresas americanas de médio e grande porte ao longo de 30 anos. “Cientistas sociais já identificaram que as pessoas frequentemente se rebelam contra regras que cerceiam a própria autonomia”, disse Alexandra a EXAME. “É importante estabelecer um objetivo a ser alcançado num prazo específico e medir os progressos a cada trimestre ou semestre. Mas não relacioná-los a políticas de comando e controle.”

Sede do Google: polêmica com a diferença salarial entre homens e mulheres | Marcio Jose Sanchez/ap photo

Estimular na maioria o desejo de parecer justo costuma surtir mais efeito. Aumentar o contato diário com minorias no trabalho, como em programas de recrutamento colegiado, mentoria, coaching, também costuma ser mais eficiente. Em média, iniciativas que seguiram a tática de recrutar aliados e não executores aumentam de 9% a 30% a representatividade de mulheres brancas e demais grupos de minorias na gestão nos cinco anos seguintes.

Outro esforço recente das empresas tem sido a inclusão dos homens no debate. “Muitos grupos de mulheres surgiram como clubes exclusivos”, diz Cristiane Amaral, responsável pela área de recursos humanos e primeira sócia do escritório brasileiro da consultoria EY. “Hoje está claro para todos que a conversa não avançará sem a presença dos homens.” O presidente da EY no Brasil, Luiz Sérgio Vieira, costuma participar das reuniões e definições do comitê de diversidade da consultoria, que ocorrem mensalmente.

Na operação brasileira da Johnson&Johnson ocorre algo parecido. O principal coordenador do comitê responsável pelo tema no Brasil é André Mendes, presidente da divisão de consumo da companhia. As definições do grupo valem para os 6.000 funcionários de todas as divisões da J&J no país, o que inclui a fabricante de medicamentos Janssen e a operação de equipamentos médicos. Uma delas foi oferecer treinamento sobre viés inconsciente para todos os funcionários brasileiros. Realizado de maneira voluntária, até agora 350 já participaram do programa.

Outra decisão, esta tomada pelo governo, foi ampliar a licença-paternidade no Brasil, que já passou de cinco para 20 dias para contratados por empresas participantes do programa Empresa Cidadã, beneficiando cerca de 3 milhões de trabalhadores. Na Johnson&Johnson, a licença agora é de 40 dias úteis. “A ideia é que os pais possam participar da criação dos filhos nesses primeiros meses”, diz Mendes. “Não é uma questão só das mulheres. E, sim, de toda a sociedade.” O que se espera é que, à medida que práticas como essas — e a liderança feminina —  se multipliquem, seus efeitos sejam percebidos além dos muros das empresas.

 

 

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