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Mulheres no topo

O anúncio da escolha de Virginia Rometty para a presidência mundial da IBM reacende o debate sobre a igualdade de oportunidades no mundo dos negócios

Virginia Rometty, da IBM: após 30 anos de trabalho, a presidência era o caminho natural (Brian Smale/EXAME.com)

Virginia Rometty, da IBM: após 30 anos de trabalho, a presidência era o caminho natural (Brian Smale/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de novembro de 2011 às 05h00.

São Paulo - Faltavam poucos dias para o fim de 1963 e Katharine Graham estava morrendo de medo. Com a morte do marido, meses antes, Katharine havia assumido a presidência da The Washington Post Company, dona do jornal The Washington Post. Sua insegurança era tanta que tremia só de pensar que teria de participar do almoço de final de ano com os funcionários.

A saída encontrada por ela foi treinar com os filhos as palavras que deveria pronunciar no encontro: “Feliz Natal”. A bravura demonstrada por essa mulher nos anos seguintes mudaria a história dos Estados Unidos.

No começo da década de 70, Katharine bancou o trabalho dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein e publicou uma série de reportagens sobre a espionagem da sede do Partido Democrata no edifício Watergate, em Washington. Perpetrado com o conhecimento da Casa Branca, o crime custaria a cabeça do presidente republicano Richard Nixon. 

Nessa mesma época, Katharine também faria história ao ser a primeira mulher a presidir uma das 500 maiores empresas americanas da lista da revista Fortune. Desde então, mais de 30 mulheres chegaram ao cargo de presidente de uma das grandes corporações nos Estados Unidos.

Atualmente, há 16 delas, número sem precedentes nas últimas quatro décadas. Se nenhuma for demitida nos próximos dois meses, o recorde será quebrado mais uma vez no começo de 2012.

Isso porque, no final de outubro, a centenária IBM, a sétima maior empresa do mundo por valor de mercado, anunciou que Virginia “Ginni” Rometty será, a partir de janeiro, a primeira mulher a assumir sua presidência.

Como também está previsto que uma executiva tomará posse na empresa farmacêutica Mylan no início de 2012, o número de mulheres nas top 500 deve chegar a 18. 

Quer queira, quer não, Virginia deverá se transformar num símbolo ao tomar as rédeas da “Big Blue” e entrar para o pequeno grupo das mulheres mais poderosas do mundo dos negócios, no qual já estão Indra Nooyi, à frente da Pepsico, Ursula Burns, da Xerox, e Ellen Kullman, da DuPont.


A partir do ano que vem, seu desempenho será milimetricamente medido, debatido e usado para apoiar ou criticar a atuação de mulheres no comando de grandes corporações. 

Uma questão de tempo

O barulho provocado nos últimos dias por sua promoção é uma prova de que até mesmo nos Estados Unidos, um dos países mais avançados em termos de igualdade de gêneros, o número de mulheres no topo ainda é baixo. A fatia de presidentes mulheres dobrou em seis anos, não tem precedentes, mas ainda é de apenas 3,2% — a partir de janeiro, não passará de 3,6%.

A carreira das mulheres vai bem até chegar no nível gerencial — elas são 46,5% da força de trabalho e ocupam 51,5% dos cargos de gerente. Daí para cima, a história muda. As mulheres ficam com apenas 7,5% dos cargos que pagam as melhores remunerações. Nos conselhos de administração, elas são 15,5%.

“Para ter uma mulher na presidência, as empresas precisam adotar fielmente um sistema meritocrático e se livrar da ideia de que um bom líder precisa ser necessariamente um homem”, diz Ilene Lang, presidente da Catalyst, ONG americana especializada em pesquisas sobre mulheres no mundo dos negócios. 

Apesar do clamor das feministas, o machismo — pelo menos aquele exercido no presente — não explica a diferença entre homens e mulheres no topo das empresas.

As mulheres chegaram muito depois dos homens à academia e ao mercado de trabalho — a ascensão das mais qualificadas parece ser, portanto, muito mais uma questão de tempo do que propriamente de escolha. Não por acaso, as presidentes de empresas presentes na lista da Fortune estão na faixa dos 55 anos de idade.

Dentro e fora da IBM, a nomeação de Virginia, uma engenheira com 30 anos de carreira, foi encarada pela maior parte das pessoas como normal — o percurso natural para uma profissional com seu histórico.

Por ironia, o maior feito de sua car­rei­ra está ligado a um dos maiores percalços de outra mulher de destaque no meio executivo: Carly Fiorina, que assumiu a HP no final da década de 90, foi a primeira mulher a comandar uma das 20 maiores empresas americanas, transformou-se num ícone não só nos Estados Unidos, mas acabou demitida em desgraça em 2005.


No começo dos anos 2000, Carly lutou para comprar a área de TI da PricewaterhouseCoopers. O negócio, porém, acabou nas mãos da IBM. O processo de integração, que daria origem à divisão de serviços globais da empresa, foi conduzido por Virginia. “Ginni executou esse projeto com maestria e, por justiça, ganhou muito crédito por isso”, disse a EXAME Jim Steele, ex-vice-presidente da IBM.

A compra foi fundamental para transformar a empresa em líder de mercado em serviços globais — o que inclui consultoria, terceirização e suporte de TI. No ano passado, quando Virginia foi promovida a vice-presidente sênior de vendas, marketing e estratégia, ficou claro que ela estava bem posicionada no páreo da sucessão de Sam Palmisano, presidente desde 2002.

“É comum que o presidente venha da área de operação, mas no caso da IBM, que vende soluções integradas complexas, faz sentido ter alguém do setor comercial”, diz Jim Kelleher, analista da Argus Research, empresa com sede em Nova York.

Em setembro, um mês antes do anúncio da promoção de Virginia, Margaret “Meg” Whitman, ex-presidente do site de comércio eletrônico eBay, assumiu o comando da HP, hoje a 11a maior empresa americana em faturamento. Diferentemente de Virginia, Meg é vista com alguma reticência pelo mercado.

“Ela não tem experiência em uma companhia do tamanho da HP”, diz Michael Holt, da empresa de análise Morningstar, de Chicago. Fora isso, sua missão é mais complicada. Mark Hurd, que assumiu a empresa em 2005, foi demitido em 2010 sob acusação de assédio sexual. Seu sucessor, Léo Apotheker, foi substituído menos de um ano depois por entregar resultados fracos.

Enquanto a IBM amplia as margens de lucro consistentemente há quase dez anos, na HP o indicador praticamente não se mexe desde 2006. O desafio de Virginia é manter o ritmo de crescimento da IBM. A missão de Meg é bem mais difícil porque exige mudanças estruturais na empresa.

Ainda que tenham desafios distintos, mulheres como Virginia, Meg, Indra, Ursula e Ellen são desbravadoras. O grau de sucesso que conquistarem terá efeito para além das fronteiras dos Estados Unidos — dado o poder de influên­cia de sua cultura empresarial.

E esse sucesso terá muito pouco — ou talvez nada — a ver com gênero, mas com traços de personalidade e de competência, como os demonstrados por Katharine Graham quase 50 anos atrás.

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