Revista Exame

Questões emocionais afligem presidentes de empresas

Uma pesquisa exclusiva mostra que questões emocionais e de comportamento têm sido a principal dificuldade entre 402 presidentes de empresas

Eugênio Mattar, da Localiza: tempo para reflexão nos fins de semana e meditação antes de reuniões tensas | Marcus Desimoni/Nitro /

Eugênio Mattar, da Localiza: tempo para reflexão nos fins de semana e meditação antes de reuniões tensas | Marcus Desimoni/Nitro /

AS

Aline Scherer

Publicado em 21 de junho de 2018 às 05h00.

Última atualização em 25 de junho de 2018 às 19h10.

O mineiro Eugênio Mattar, um dos fundadores e presidente da locadora de automóveis Localiza desde 2013, incorporou há cerca de um ano um novo hábito em sua rotina — a prática de meditação transcendental. Com o uso de sons repetitivos chamados mantras — termo que, em sânscrito, significa “controle da mente” —, ele conta que passou a meditar por 20 minutos de manhã e outros 20 à noite. “Não preciso me isolar e posso fazer até quando estou no avião”, afirma Mattar, que já buscava tempo para reflexão em passeios solitários de bicicleta nos fins de semana e em testes de personalidade. “Quando tenho uma reunião mais tensa, medito por 5 ou 10 minutos antes e me sinto mais focado, consigo me comunicar com mais clareza e fico menos agressivo.”

Encontrar tempo para refletir, como Mattar faz, tem sido uma prática cada vez mais rara entre executivos, segundo uma pesquisa inédita da consultoria de recrutamento Egon Zehnder, obtida com exclusividade por EXAME. O levantamento mostra que lidar com questões ligadas ao comportamento e às emoções tem sido a principal dificuldade entre 402 presidentes de empresas em 11 países, inclusive no Brasil, com receitas combinadas de 2,6 trilhões de dólares.

Questões como buscar autocons­ciência, conseguir expressar vulnerabilidade, construir o time de gestores e comandar a transformação cultural das empresas foram desafios mais difíceis de cumprir do que a maioria deles esperava. “São habilidades fundamentais para liderar sobretudo em momentos de instabilidade e mudança, uma realidade cada vez mais constante para empresas em todo o mundo”, diz Luis Giolo, presidente da Egon Zehnder no Brasil. “É preciso criar espaços e condições para conhecer a si mesmo e evitar pensar que ter tempo para refletir é uma indulgência.”

Parte dessa dificuldade se explica por algo que sempre existiu dentro de qualquer organização. Há mais de uma década gurus como Marshall Goldsmith, coach americano de altos executivos, alertam para o fato de que as características de comportamento desejáveis mudam à medida que se sobe na escala hierárquica. Um profissional pode ascender, por exemplo, por ter sempre todas as respostas. Num chefe, isso pode soar para sua equipe como arrogância. Autoestima elevada pode servir de motor para o crescimento — mas um líder que se considere o dono da verdade pode subestimar riscos, muitas vezes custosos para a companhia.

Tudo fica mais complicado num contexto em que é necessário mudar os rumos de uma empresa, engajar as pessoas ao redor em novos caminhos e em processos mais colaborativos. Na pesquisa da Egon Zehnder, 86% dos executivos no Brasil consideraram necessário mudar a si mesmos enquanto mudavam a empresa. No mundo, a proporção é de 79%. Nesses casos, até a biologia joga contra. A ciência já demonstrou que o cérebro não está naturalmente adaptado para enfrentar situações de ambiguidade. A reação automática tende a ser de manutenção do status quo.

Estudos como o do psicólogo Daniel Kahneman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2002, mostram que cerca de 90% das decisões humanas são inconscientes. E o cérebro, que consome até um terço da energia presente no organismo, tende a escolher vias mais fáceis para poupar esforços. É comum gestores cercarem-se de subordinados cordatos, já que debater ou tentar mudar o próprio ponto de vista pode ser desgastante.

A percepção de que o eventual desconforto causado por antagonistas estimula a reflexão e propicia oportunidades de aprendizado faz com que alguns líderes estejam na contramão dessa tendência. “Gosto de me cercar de pessoas que pensem de modo diferente de mim e dou abertura para ser contestada”, diz Solange Ribeiro, diretora-presidente adjunta da distribuidora ­Neoenergia, que, em junho do ano passado, foi adquirida pelo grupo espanhol Iberdrola logo depois de ter comprado a também distribuidora Elektro. “É preciso criar um ambiente de confiança e ter humildade para receber feedback, perceber que não se pode saber de tudo.”

Para aprender a driblar os atalhos do cérebro e conseguir mudar, é preciso conhecer muito bem a si mesmo. Daí vem outra armadilha: essa é uma tarefa mais difícil do que pode parecer. Um dos mais recentes e aprofundados estudos nesse sentido foi feito pela psicóloga americana Tasha Eurich, autora do livro Insight, publicado em 2017. Tasha e sua equipe analisaram quase 5.000 pessoas de diferentes países durante quatro anos e descobriram que 95% acreditavam ter autoconhecimento, mas apenas 15% de fato dominavam essa habilidade.

O psicólogo Adam Grant, professor na escola de negócios americana Wharton e um dos dez principais pensadores de gestão atualmente, segundo o ranking Thinkers50, analisou 16 estudos científicos rigorosos realizados com milhares de funcionários de grandes empresas e descobriu a mesma dissonância entre percepção e prática. Nesses estudos, a base foi a comparação entre o que o indivíduo acha de si mesmo e a percepção das pessoas ao redor.

Feedback sincero

Foi justamente ao ouvir as pessoas à sua volta — mais precisamente os subordinados — que, em 2002, Clóvis Gil, sócio-presidente da empresa de logística Ativa, com faturamento anual de 300 milhões de reais, resolveu pedir ajuda. Na época, ele passava por dificuldades para fazer a companhia crescer e sentia-se muito estressado. Alguns funcionários — que continuam na empresa até hoje — tiveram coragem de dizer a Gil que ele estava muito explosivo, não respeitava as pessoas e não parecia estar bem. Ele percebeu, com a ajuda de sua mulher, psicóloga, que procurar uma terapia seria a melhor solução.

“Todos carregamos problemas do passado, traumas que influenciam os comportamentos e atrapalham o presente se não forem compreendidos e superados”, diz Gil. “Se eu não tivesse procurado ajuda, não estaria aqui hoje. Muitas pessoas pensam em cuidar do corpo, mas esquecem de cuidar da mente. Corpo e mente têm de andar juntos”, afirma. Há 15 anos, ele patrocina terapia, constelação sistêmica e cursos de autoconsciência para qualquer um dos 2.130 funcionários que desejar — 415 já participaram do programa.

Clóvis Gil, da Ativa: autoconsciência para mudar comportamentos | Germano Lüders

Na maioria das empresas, pode ser mais difícil ouvir um feedback sincero à medida que se sobe na hierarquia. O levantamento da Egon Zehnder reflete esse isolamento no topo, inclusive no que se refere à instância máxima de avaliação desses executivos: no mundo, 28% dos presidentes consultados confiam no feedback sincero do conselho de administração. No Brasil, 23% confiam nesse tipo de retorno. “Em geral, o brasileiro não gosta de ter conversas difíceis. Nos Estados Unidos e na Europa é tudo mais transparente”, afirma Giolo, da Egon Zehnder. Para ele, muitas vezes os executivos sentem que precisam fingir que as vulnerabilidades não existem. O problema é que manter o arquétipo de super-herói drena atenção e energia dos executivos.

É o que a consultora e especialista em comportamento organizacional Betania Tanure chama de teatro corporativo. “Cerca de 40% do tempo de expediente dos presidentes é inadequadamente gasto com jogos de poder e conversas sobre amenidades”, diz Betania, presidente da BTA, consultoria que realizou em 2017 um levantamento com 150 presidentes de empresas no Brasil. Nesse estudo, 68% dos entrevistados reconheceram que as habilidades socioemocionais são pontos fracos.

Cada vez mais os treinamentos corporativos têm incluído aspectos menos técnicos e mais comportamentais justamente para enfrentar essa realidade. É o caso do programa chamado “liderança centrada”, realizado pela consultoria de gestão McKinsey desde 2012. Os participantes passam até duas semanas imersos num hotel afastado dos centros urbanos, sem acesso a computadores. O objetivo é evitar tudo que possa atrapalhar a conexão consigo mesmo e focar os exercícios de comportamento diante de situações desafiadoras.

Mais de 900 consultores — 150 deles brasileiros — e 1.500 executivos de 400 empresas no mundo já passaram pelo programa. Há exercícios como imaginar o que se gostaria de ouvir das pessoas no próprio aniversário de 80 anos. Há ainda sessões de meditação e de constelação sistêmica. “Na constelação, realizada sempre em grupo, cada pessoa encarna um papel numa situação real e se manifesta de acordo com o que o corpo sentiu e o que veio à mente, sem pensar muito”, diz Fernanda Mayol, sócia do escritório da McKinsey no Rio de Janeiro. “É uma dinâmica que pode levantar fortes cargas emocionais.

Muitos executivos não estão preparados para lidar com questões dessa natureza.” Nem sempre é fácil enfrentar fantasmas e reconhecer as próprias fraquezas. Mas, segundo a psicóloga americana Tasha Eurich, líderes que enxergam claramente as próprias características tendem a ter melhor desempenho, conseguem influenciar pessoas mais facilmente e gerem empresas mais lucrativas. É uma espécie de pedágio, portanto, que vale a pena ser pago.

Acompanhe tudo sobre:AnsiedadeExecutivosFeedbackLiderançaPresidentes de empresa

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil