Daniel Hoe, vice-presidente de marketing da Salesforce para a América Latina: agenda ESG dos CIOs inclui ações que vão de diversidade e inclusão digital a eficiência energética (Salesforce/Divulgação)
Jornalista colaborador
Publicado em 12 de dezembro de 2023 às 06h00.
Última atualização em 18 de dezembro de 2023 às 11h00.
O engajamento das empresas em prol das agendas ESG (do inglês environmental, social and governance) faz com que a atividade do Chief Information Officer (CIO) se torne cada vez mais abrangente e exija dos profissionais estratégias que vão além das funções tradicionais das áreas de tecnologia da informação (TI). Em vez de atuarem de maneira isolada e restrita, os setores e projetos que envolvem o uso de algoritmos, programas e data centers devem estar alinhados a soluções e projetos ambientais, sociais e de governança. Isso vale tanto para o ambiente interno — participação e até protagonismo em ações da própria companhia — quanto para o desenvolvimento de soluções e serviços aos clientes.
“Os líderes de TI podem colaborar ativamente definindo políticas éticas de governança, incluindo dados, promovendo práticas de desenvolvimento sustentável e apoiando iniciativas de responsabilidade social”, afirma Daniel Hoe, vice-presidente de marketing da Salesforce para a América Latina. Segundo ele, a implementação de práticas de programação sustentáveis, como otimização de código para eficiência energética, parcerias com organizações locais para promover a inclusão digital e revisão de código para mitigar o preconceito, são algumas possibilidades de envolvimento do CIO com a pauta ESG. “O líder de TI também tem o objetivo de promover a diversidade e a inclusão na área através de iniciativas de recrutamento, treinamento e desenvolvimento de funcionários de sua equipe”, completa Hoe.
Uma pesquisa com CIOs de vários países conduzida pela Salesforce, divulgada em julho deste ano, mostra que 73% dos líderes de TI estão preocupados com o impacto das ameaças ambientais em seus negócios. Ainda de acordo com o estudo, 79% dos entrevistados afirmam que suas organizações estabeleceram metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, e 87% destacam que as suas empresas têm condições de monitorar e relatar essas emissões de maneira eficiente.
Segundo especialistas, a tecnologia de ponta e as inovações que surgem na área, como inteligência artificial (IA) e internet 5G, podem colaborar com as metas ESG definidas pelas empresas. Nas questões ambientais, por exemplo, a tecnologia pode ser utilizada para reduzir o consumo de energia e as emissões de gases de efeito estufa. Por meio da inteligência artificial, é possível otimizar o consumo de energia nos espaços físicos, enquanto o 5G e a internet das coisas (IoT) ajudam a gerenciar de maneira mais inteligente o consumo de recursos no dia a dia, como água e energia.
No âmbito social, a tecnologia pode ser utilizada para a promoção da inclusão e da diversidade. Dessa forma, a IA pode ser implementada no desenvolvimento de sistemas de recrutamento e seleção cada vez mais inclusivos, enquanto o 5G potencializa a conexão de pessoas de diferentes origens e culturas, gerando maiores aprendizados e colaboração mútua. “O 5G também pode contribuir para a promoção da diversidade e da inclusão, ao permitir a funcionários de diferentes locais e culturas trabalharem juntos de forma mais eficiente”, explica Hoe.
No setor de governança, a tecnologia é uma ferramenta que pode ser utilizada para garantir a transparência, com a inteligência artificial sendo utilizada na análise de dados e na identificação de potenciais riscos. “A IA pode ser usada para melhorar a gestão de riscos, a segurança da informação e a transparência das operações. O 5G também pode contribuir para a melhoria da governança, ao permitir o uso de novas tecnologias de segurança e o acesso a dados em tempo real”, afirma Hoe.
Outro benefício da tecnologia é o fortalecimento da governança corporativa, contribuindo para a automatização de processos de auditoria e compliance. Temas como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e cibersegurança já fazem parte do cotidiano das áreas pilotadas pelos CIOs.
“O papel dos líderes de TI nas iniciativas de ESG tem se tornado cada vez mais crucial, à medida que as empresas buscam maneiras inovadoras de enfrentar os desafios relacionados a esses três pilares”, afirma Roberto Arruda de Albuquerque, diretor de TI da epharma, plataforma de gestão de benefícios de saúde do país.
“A implementação da nova LGPD gerou diversas atividades para a área de ESG da nossa empresa, como treinamentos específicos para as equipes sobre a lei brasileira, além de mudanças de procedimentos e sistemas, implementação de novas políticas e criação de novos documentos de apoio e corporativos”, diz Albuquerque. Com a tecnologia como parte de seu DNA, a epharma atua como elo para unir os ecossistemas de tecnologia e saúde, criando conexões inteligentes entre os seus principais públicos: indústrias farmacêuticas, gestores de recursos humanos, farmácias e drogarias, operadoras de saúde, corretoras e healthtechs, entre outros segmentos.
Albuquerque reitera que a tendência mundial é uma relevância cada vez maior da agenda ESG dentro das empresas. À medida que os consumidores e investidores se tornam mais conscientes dessas questões, as companhias são pressionadas a tomar medidas para melhorar seu desempenho nessas áreas. “Isso significa que os CIOs precisarão estar cada vez mais envolvidos. Além de entenderem as metas ESG da empresa e desenvolver estratégias de TI que as suportem, também devem ser propositivos e trazer para a discussão temas com os quais possam contribuir ativamente, como a criação de soluções acessíveis aos consumidores”, afirma o executivo.
O desafio é garantir o alinhamento entre os setores envolvidos na direção da companhia. “Muitas vezes as metas ESG dentro da corporação são definidas pelos executivos de negócios, sem o envolvimento da área de TI. Isso pode resultar em ações que não são eficazes na promoção da sustentabilidade, responsabilidade ou inclusão”, alerta Albuquerque.
Outro desafio é lidar com as estratégias diferentes dentro da mesma corporação. O CEO global do Grupo Stefanini, Marco Stefanini, lembra que estudos recentes revelam que mais de 90% dos C-levels (executivos que ficam no topo hierárquico das empresas) estabelecem a agenda ESG como prioridade de investimentos em suas corporações. No entanto, menos da metade dos líderes financeiros das mesmas organizações aprova os investimentos que não dão retorno financeiro favorável.
“Nesse contexto conflituoso, os CIOs precisam priorizar investimentos de transformação digital que contemplem temas da agenda e, ao mesmo tempo, entreguem resultados ao negócio”, diz Stefanini. Para resolver essa complexa equação, ele cita exemplos recentes de soluções desenvolvidas pelo seu grupo, que atua há mais de 35 anos no mercado de tecnologia, para grandes clientes nacionais. Para um deles, uma siderúrgica de grande porte, por meio de inteligência artificial o grupo criou um programa em que é possível prever e controlar a produção de sucatas em 21 processos de laminação globais. Com a nova ferramenta, foi reduzido o consumo energético — com impacto positivo direto na sustentabilidade — e, ao mesmo tempo, houve aumento da produtividade e dos resultados.
Em outra empresa atendida por Stefanini, uma mineradora, a IA é utilizada para prevenir e detectar vazamentos, aumentando a eficiência dos minerodutos. “É possível criar roadmaps dos programas digitais, nos quais as iniciativas serão priorizadas para entregar resultado ao negócio e, ao mesmo tempo, impactar os indicadores ESG”, detalha Stefanini.
Para a diretora de vendas e marketing da Lanlink, Maria Cristina Boris, além de aumentar a produtividade e a economia em processos industriais, a inteligência artificial, se bem utilizada, pode estar atrelada à inclusão das pessoas no mercado de trabalho. “A inteligência artificial é inclusiva e facilita a inserção de profissionais no mercado de trabalho porque cria possibilidades diferentes de empregos”, diz Maria Cristina.
O 5G plenamente instalado, por sua vez, viabilizará a utilização da tecnologia de uma forma mais ampla. “As pessoas que estão fora do perímetro urbano poderão atuar de forma mais ativa e igualitária, reduzindo a necessidade de migrações e aumentando a sustentabilidade”, explica a executiva.
Opinião semelhante é a do vice-presidente da Salesforce. “A inteligência artificial pode ser utilizada para criar ferramentas e recursos que promovam a diversidade e a inclusão na força de trabalho. O 5G também pode contribuir para a promoção da diversidade e da inclusão ao permitir que funcionários de diferentes locais e culturas trabalhem juntos de forma mais eficiente”, explica Hoe.
Ao mesmo tempo que desenvolvem novas soluções aos clientes, internamente as empresas de tecnologia também se preocupam em aliar ou inserir as áreas de TI nas próprias pautas ESG. Na área ambiental, um dos principais compromissos é o desenvolvimento de programas que reduzam ao máximo as emissões de carbono.
Na epharma, houve um cálculo da quantidade de carbono emitida a cada autorização do programa de benefício em medicamentos (PBM), que visa facilitar o acesso a medicamentos com descontos e preços mais acessíveis para os beneficiários de planos de saúde, empresas e seus colaboradores. “Isso possibilitou que a quantidade de CO2 emitido fosse estimada e traduzida para compor o recém-lançado epharmaGreen, que deve comprar créditos de carbono por meio dos beneficiários e apoiar projetos sustentáveis”, explica Albuquerque.
A Simpress, que atua no mercado de terceirização de equipamentos de TI, lançou um programa chamado Carbon Neutral. Nele, ao assumir o gerenciamento de gadgets como notebooks, impressoras, tablets e smartphones de seus clientes, a Simpress oferece a neutralização da emissão dos gases de efeito estufa relacionados ao funcionamento desses equipamentos. A prática de compensação terá como base o cálculo da emissão de carbono a partir do consumo de energia e da média do tempo de operação de cada dispositivo locado pela Simpress.
“É calculada a quantidade total de carbono emitido para todo o período do contrato, que é convertido na quantidade de árvores necessárias para a compensação”, explica o vice-presidente da Simpress, Paulo Alouche. Para dar transparência ao processo, diz Alouche, os clientes têm acesso a um portal exclusivo para acompanhamento do plantio e recebem um selo digital comprovando a neutralização de seu parque instalado.
O empoderamento feminino é outra preocupação das empresas. Nessa frente, por meio do programa Manas in Tech, a epharma já destinou mais de 200 bolsas de estudo a mulheres com idade a partir de 15 anos e renda familiar de até dois salários mínimos. Na primeira etapa, as participantes recebem treinamento em áreas como desenvolvimento de software, cloud computing e cibersegurança. “Na fase seguinte, há mentorias realizadas por profissionais da área, que as ajudam a desenvolver suas habilidades e construir suas carreiras na área de TI. Ao final, o objetivo é contratar as alunas que mais se destacarem”, diz Albuquerque.
Ainda na parte social da agenda ESG, as áreas de TI estão cada vez mais envolvidas com projetos de inclusão, em especial relacionados à educação e à formação de novos profissionais para a área de tecnologia. É o caso da Uisa, uma das maiores biorrefinarias do país, que desenvolve programas educacionais e de inclusão digital nas comunidades onde atua, a maior parte pequenas cidades no interior do país.
Entre as ações ESG que contaram com a área de TI, a implementação da tecnologia 4G nas áreas produtoras na Uisa foi uma delas. “Em vez de montarmos uma rede que atenderia apenas a Uisa, decidimos ampliar o acesso da rede às comunidades que vivem ao redor da usina”, explica o diretor de TI e de gente e cultura da Uisa, Rodrigo Ribeiro Gonçalves. Ele cita o distrito de Assari, em Mato Grosso, onde fica o principal centro de distribuição de açúcar e álcool da Uisa.
“A comunidade, que não tinha sinal de celular, hoje conta com tecnologia 4G em toda a sua extensão”, diz Gonçalves. Outro programa que conta com a participação da área de TI é o Projeto Sociodigital, que prepara jovens de 16 a 18 anos para o mercado de trabalho na área de informática. Parte deles é contratada para trabalhar nas próprias unidades agrícolas.
“A área de TI deixou de ser suporte e passou a ser parte estratégica da companhia. Quando se trata de sustentabilidade, falamos em realizar uma atividade produtiva, de grande escala, de maneira sustentável, ética e com responsabilidade social”, diz Gonçalves. “O papel do CIO deixou de ser apenas cumprir a parte ‘final’, com a entrega da solução tecnológica. Entendemos o processo, opinamos nas melhorias e focamos os pilares do ESG para fazer a melhor entrega”, completa o diretor da Uisa.