Fabio Bonfá, da Privalia: quanto mais estoque encalhado, melhor (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 6 de abril de 2015 às 06h00.
São Paulo - As constantes revisões — sempre para baixo — na perspectiva de crescimento da economia brasileira tiraram o sossego de milhares de empresários e executivos nos últimos dois anos. Pois para a varejista online espanhola Privalia, cada sinal de falha na bola de cristal do governo era motivo de comemoração.
A empresa, que vende roupas e acessórios de mais de 800 marcas com descontos, teve dois anos espetaculares no Brasil. Conseguiu combinar crescimento com lucro, coisa rara na internet brasileira. Em 2014, aumentou 19% o faturamento, para cerca de 400 milhões de reais. O país já responde por um terço da receita global da Privalia, cuja sede fica na Espanha. E a freada na economia tem tudo a ver com isso.
A explicação está no modelo de negócios da companhia. As varejistas online brasileiras perdem dinheiro por dois motivos principais. Primeiro, precisam fazer enormes investimentos em marketing para se diferenciar da concorrência. Segundo, pagam caro para entregar rapidamente os produtos à clientela. A Privalia não faz nada disso.
A empresa foi fundada em Barcelona, em 2006, por dois ex-consultores — José Manuel Villanueva e Lucas Carné. De lá para cá, recebeu mais de 200 milhões de euros de fundos como o americano General Atlantic. A empresa reserva lotes de mercadorias encalhadas no estoque de empresas de moda — entre as brasileiras estão Arezzo, Restoque e Morena Rosa — e oferece as peças com descontos de até 70% em seu site.
Os produtos vendidos vão do depósito dos fornecedores diretamente para os consumidores. Como só vende itens em liquidação, a empresa não entra em guerra de preços. E, como não estoca, tem poucos custos logísticos. A entrega demora muito mais do que a média do varejo online brasileiro — até 28 dias. Mas muita gente parece disposta a esperar: a Privalia tem 9 milhões de clientes cadastrados no Brasil.
Para que a coisa toda funcione, é fundamental que os fornecedores tenham estoque sobrando. E aí entra a importância da freada econômica para a Privalia. Os melhores anos para a companhia são aqueles que começam com boas perspectivas de crescimento e vão decepcionando aos poucos. Foi o que aconteceu em 2013 e 2014. “Em momentos como esses, somos uma solução para vender os estoques e reduzir os custos dos outros”, diz Fabio Bonfá, presidente da Privalia no Brasil.
O problema é que crise demais atrapalha. Após dois anos de baixo crescimento, as empresas de moda se prepararam para um 2015 difícil. Tudo indica, portanto, que a Privalia terá dificuldades para repetir o bom desempenho. Foi o que aconteceu com a empresa em países como Espanha e Itália.
Nos primeiros anos pós-2008, a Privalia era uma salvação para as grifes. Mas, como a crise teimava em não passar, as mesmas grifes foram se adaptando e cortando sua produção. O resultado, assim, foi piorando. Desde seu pico, em 2013, o faturamento da empresa no mundo caiu 9,8%.
Para que o roteiro não se repita no Brasil, Bonfá começou, no ano passado, a testar novos modelos de negócios. Ampliou o próprio centro de distribuição, no interior de São Paulo, que atualmente estoca em consignação 30% dos produtos vendidos — o que ajuda a derrubar o tempo de entrega.
Mas isso, claro, aumentou os custos. A Privalia também começou, no final de 2014, a vender produtos sob encomenda — e que, portanto, fogem da estratégia tradicional de desovar estoques. “A gente não conta com crise para crescer”, diz Bonfá.
Ao expandir sua estratégia, a Privalia vai ficando mais parecida com as varejistas online tradicionais — que, por sua vez, também vão copiando o jeitão dos espanhóis. A varejista de moda Dafiti, por exemplo, está expandindo seu outlet virtual, que concorre diretamente com a Privalia.
“A liquidação é parte importante de nosso negócio. Se sobra mercadoria, temos de vendê-la da melhor forma possível”, diz Malte Huffman, fundador da Dafiti. Alguns fornecedores, como a Restoque, dona da marca Le Lis Blanc, também criaram os próprios sites de liquidações. Em anos como o de 2015, afinal, qualquer centavo a mais pode fazer a diferença.