Ação conjunta de diversas forças políciais, incluindo as polícias estadual e municipal de Monterrey, municipal de San Nicolas e investigadores da AEI, contra traficantes de drogas (Gilberto Tadday/VEJA)
Da Redação
Publicado em 2 de outubro de 2011 às 20h27.
São Paulo - Não existe no brasil lugar comparável à mexicana Monterrey, capital do estado de Nuevo León. Em termos de riqueza, a cidade tem semelhanças com São Paulo. O PIB per capita também é de quase 20 000 dólares — o dobro da média do México — e o lugar é sede de uma enorme lista de multinacionais, como Sony, Whirlpool, Samsung, Toyota, Nokia, Dell, LG, Boeing e General Electric.
Em termos de tamanho e qualidade de vida, Monterrey se parece mais com Curitiba. Tem cerca de 4 milhões de habitantes (levando em consideração a região metropolitana) e conta com vastas áreas verdes. Mesmo no México, Monterrey é um lugar diferente, muitas vezes chamado de “um pedaço da América”.
É esse oásis, a cerca de 200 quilômetros da fronteira com os Estados Unidos, que está levando um choque de realidade — e de uma realidade bem mexicana.
A guerra do governo do presidente Felipe Calderón contra o narcotráfico e suas ramificações ganhou as manchetes em 2006, mas, no começo, os embates estavam restritos às cidades mais pobres, coladas à fronteira americana. Monterrey, famosa por ter uma polícia eficiente, parecia imune à onda de violência. Desde então, a situação se deteriorou drasticamente.
Na última semana de agosto, um grupo de delinquentes ateou fogo a um cassino, matando dezenas de pessoas e deixando o país estarrecido. As razões ainda estão sendo apuradas pela polícia. Entre 2006 e 2010, o número de assassinatos relacionados ao narcotráfico na cidade multiplicou-se por 10.
Somente nos primeiros cinco meses deste ano, o número de mortes chegou perto do total registrado em 2010 (veja quadro). Em ações que têm se tornado assustadoramente frequentes, carros são roubados por gangues nas rodovias.
Devido à escalada de roubos, parte das empresas parou de fazer o transporte de cargas durante a noite. Cenas macabras de corpos pendurados em viadutos deixaram de ser uma novidade.
Até agora, o aumento acentuado da criminalidade não afetou os planos de investimento das multinacionais na cidade. Mas muitas seguradoras deixaram de vender seguros antirroubo de carga e antissequestro de executivos, enquanto outras elevaram os preços cobrados.
Para muitos empresários de menor porte, mais vulneráveis, a decisão tem sido abandonar Monterrey. “Nos anos 80, a cidade me conquistou pela segurança e pelo clima de prosperidade, onde nunca faltaram trabalho e oportunidades de negócios”, diz um pequeno empresário brasileiro, dono de uma revenda de computadores, que mora em Monterrey há 24 anos e prefere não ter o nome revelado.
“De repente, as histórias de violência começaram a envolver pessoas próximas. Um médico que conheço teve as mãos queimadas pelos sequestradores e não conseguiu voltar a trabalhar. Meu vizinho, dono de um comércio, ficou no cativeiro durante 15 dias e sua família perdeu tudo para pagar o resgate”, diz ele, de partida com a família para San Antonio ou Houston, nos Estados Unidos.
Historicamente, o estado de Nuevo León, considerado uma das locomotivas da economia mexicana, cresceu num ritmo superior ao da média nacional. A previsão para este ano, porém, são os mesmos 5% estimados para o país como um todo. A Câmara da Indústria de Nuevo León calcula que o crime esteja freando a expansão da economia do estado em até 2 pontos percentuais por ano.
Um triste retrato do país
As gangues que disputam as rotas do tráfico de drogas para os Estados Unidos, como Los Zetas e o Cártel del Golfo, são as grandes responsáveis pela onda de terror que assola Monterrey e outras regiões do México.
“A tomada de Monterrey pelos criminosos é uma consequência da fraqueza do Estado mexicano diante das gangues e também da força econômica da segunda cidade mais rica do país”, diz Edgardo Buscaglia, professor de direito no Instituto Tecnológico Autônomo do México e consultor da ONU para temas de segurança.
À medida que o crime organizado começou a crescer e a se diversificar nos últimos anos, Monterrey apareceu como um destino óbvio, uma espécie de ímã para criminosos especializados em vários tipos de contravenção, como tráfico de pessoas, prostituição, extorsão, roubo de veículos e contrabando.
Os servidores públicos e os cidadãos que aparecem como pedras no caminho estão sendo executados, o que faz explodir o número de assassinatos.
Executivos estrangeiros que conhecem Monterrey há anos falam da transformação com pesar. Os relatos de crimes bárbaros, cometidos com toques de sadismo, não combinam com o histórico da cidade que se orgulha de algumas marcas típicas de Primeiro Mundo, como a de ter uma rede de esgoto com cobertura de quase 100% da população e de tratar todo o dejeto recolhido.
Com belas paisagens, Monterrey virou uma espécie de cartão-postal do México. A segunda economia da América Latina está em guerra. E ninguém sabe quem — se as forças de segurança ou os marginais — vai levar a melhor.