Oliveira, do grupo Reciclo: mais de 100 toneladas de sucata eletrônica processada em 2018 (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 23 de maio de 2019 às 05h30.
Última atualização em 27 de junho de 2019 às 16h59.
Ao voltar para o Brasil após um curso de neurociência na Irlanda, o paulista Marcus William Oliveira decidiu investir em um ramo totalmente diferente: a coleta e a destinação correta de lixo eletrônico. A motivação estava em dar um novo foco a um antigo empreendimento de seu pai, dedicado à reciclagem de outros materiais. No Brasil, a crescente geração de lixo eletrônico, somada à preocupação ambiental de empresas de diversos setores, parecia o cenário ideal para iniciar o negócio. Foi assim, há cerca de uma década, que Oliveira fundou o grupo Reciclo, que em 2018 processou 100 toneladas de sucata, 21% mais que o volume do ano anterior, e faturou 5 milhões de reais. “Vamos repetir o ritmo de crescimento neste ano”, afirma Oliveira.
Uma nova geração de empreendedores brasileiros — a exemplo de Oliveira — começa a transformar um problema crescente em oportunidade de negócio. Um estudo divulgado no Fórum Econômico Mundial, realizado em janeiro na cidade de Davos, na Suíça, apresentou dados alarmantes sobre o acúmulo de lixo eletrônico no mundo. Cerca de 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico são produzidas globalmente por ano. Até 2050, o volume chegará a 120 milhões de toneladas. Só o Brasil gera 1,5 milhão de toneladas desse tipo de sucata por ano. Apenas 4% desse volume tem a destinação correta, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas. Suíça e Noruega lideram o ranking de reaproveitamento, com 74% de descarte com destinação correta.
Boa parte do apelo financeiro na tentativa de resolver esse problema ambiental está nos metais preciosos, como prata e ouro, presentes em diversos equipamentos. De cada tonelada de placas-mãe de computador, por exemplo, é possível extrair cerca de 50 gramas de ouro. Na maior mina do Brasil, localizada em Paracatu, Minas Gerais, a produtividade é inferior a meio grama por tonelada de terra removida. No mundo, o valor estimado da sucata eletrônica disponível é de 62 bilhões de dólares. O esforço para reaproveitar esses materiais passou a ser chamado de “mineração urbana”.
No Brasil, a atividade tem um apelo adicional: a expectativa de mudança no arcabouço regulatório que prevê a obrigatoriedade de reciclagem do lixo eletrônico por parte dos fabricantes. Um acordo entre a indústria de eletroeletrônicos e o Ministério do Meio Ambiente vai regulamentar metas de coleta e reciclagem dos produtos descartados no setor. A espera já é longa: começou em 2010, com a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A lei estabelece que os fabricantes devem criar um mecanismo que torne esse reaproveitamento possível. Para se tornar efetiva, no entanto, é preciso definir os parâmetros da política e outros aspectos importantes, como quem deve arcar com os custos. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, representante do setor, enviou uma proposta de acordo ao ministério em outubro. Em março, o presidente da associação, Humberto Barbato, reuniu-se com o ministro Ricardo Salles para tratar do assunto. Segundo a entidade, existe a possibilidade de que um desfecho finalmente aconteça neste ano.
Trata-se, no entanto, de uma cadeia de logística reversa complexa. As placas de circuito impresso que contêm metais preciosos, por exemplo, estão presentes tanto em celulares, fáceis de transportar, quanto em geladeiras e máquinas de lavar. Isso faz com que o custo de coleta dos eletroeletrônicos seja maior do que o de outros materiais recicláveis, dificultando a criação de uma cadeia baseada em catadores, como no caso das latas de alumínio e das garrafas de plástico. Essa dificuldade explica a opção de Oliveira, fundador da Reciclo. A companhia atende sobretudo clientes corporativos interessados no descarte dos equipamentos usados nos escritórios, que são reformados e revendidos ou reciclados, com a extração de materiais preciosos. “É mais fácil ganhar dinheiro com grandes clientes do que fazer a coleta pulverizada do descarte de pessoas físicas”, diz Oliveira.
Superar o gargalo logístico de chegar ao consumidor final é a meta da Gaia Greentech, criada em 2018 pela engenheira de materiais Thalita Braga, de 29 anos, com dois sócios. A ideia da empresa surgiu quando Thalita precisou descartar lâmpadas e outros equipamentos eletroeletrônicos. A startup passou por algumas aceleradoras até se estabelecer no Onovolab, um campus de inovação instalado em uma antiga indústria têxtil em São Carlos, no interior de São Paulo. Segundo Thalita, atualmente a Gaia está na primeira fase de desenvolvimento, focada na conscientização dos consumidores sobre o problema. Em parceria com a prefeitura, a empresa espalhou pontos de coleta de lixo eletrônico pela cidade. Paralelamente, a startup desenvolve um sistema de logística e uma certificação baseada em -blockchain, a mesma tecnologia utilizada nas moedas virtuais. O objetivo é garantir a rastreabilidade dos produtos coletados, que será importante quando as fabricantes de eletrônicos forem de fato obrigadas a prestar contas de suas cotas de reciclagem. “Precisamos passar por essa fase de educação ambiental dos consumidores”, diz Thalita.
Na mesma proposta de tornar viável a coleta pulverizada, o empreendedor Luiz Grilo montou a Residuall, em Belo Horizonte. A empresa tem sistemas que traçam as melhores rotas para as coletoras de resíduos. O software leva em consideração o tipo de equipamento que será coletado e determina o transporte adequado. A startup começou como um projeto de iniciação científica na Universidade Federal de Minas Gerais em 2017. De lá para cá, recebeu dois aportes: o primeiro foi feito pelo Sistema Mineiro de Inovação, um programa do governo estadual, no valor de 88 000 reais, e o segundo, de 120 000, veio de um investidor-anjo. A Residuall também opera em outros segmentos, como o de reciclagem de óleo de cozinha, e tem clientes como a processadora de grãos Cargill. “Muitos ainda enxergam os resíduos como problema, não como um mercado”, diz Grilo. “Mas essa percepção vai mudar.”
Embora seja uma atividade potencialmente rentável, a logística reversa pode ficar inviável em alguns rincões do país. O principal impasse relacionado à nova lei está justamente na definição de quem deve pagar a conta da cara logística reversa Brasil afora, mesmo em locais que não sejam economicamente viáveis. Por enquanto, o acordo setorial prevê que os fabricantes atuem em todos os municípios brasileiros com mais de 80.000 habitantes. Na Europa, é cobrada uma taxa dos consumidores. A proposta da associação da indústria de eletroeletrônicos é semelhante, sendo que o valor viria especificado na nota fiscal. Esse modelo enfrenta resistência no governo porque, na prática, significaria a medida impopular de criar mais um tributo.
No médio prazo, há outra dificuldade a ser enfrentada: os equipamentos eletrônicos usam uma quantidade cada vez menor de metais preciosos. Enquanto a tonelada de placas de computador Pentium 3 contém 150 gramas de ouro, a de Pentium 4 tem 50 gramas. Pesquisadores começam a estudar maneiras de tornar a mineração urbana menos custosa. No Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, baseado em Campinas e ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, o projeto Rematronic desenvolve um método mais barato de separação de metais preciosos das placas. Responsável pelo projeto, o engenheiro químico José Rocha Andrade da Silva explica que o processo tradicional da mineração urbana utiliza a pirometalurgia, que derrete as placas.
A tecnologia desenvolvida pelo CTI é baseada em processos químicos que dispensam as chamas e consomem menos energia. O Rematronic foi desenvolvido em parceria com a GRI, empresa de gestão de resíduos pertencente ao grupo Solví, dono de concessões nas áreas de saneamento e limpeza urbana, entre elas a Vega. O próximo passo é colocar o produto no mercado. Se der certo, será mais um impulso para transformar esse grave problema ambiental num negócio rentável.