Starbucks: a empresa pagará faculdade para os funcionários (Lex Van Lieshout/Getty Images/AFP)
Da Redação
Publicado em 25 de julho de 2014 às 06h00.
São Paulo - A ideia de que existe um embate entre Main Street (uma referência ao mundo do cidadão comum) e Wall Street (o lugar dos banqueiros e dos bônus milionários concedidos a executivos de grandes corporações listadas na bolsa) parece ter se cristalizado nos Estados Unidos.
É fato que as empresas estão, em sua maioria, saudáveis do ponto de vista financeiro, enquanto o americano médio ainda está em dificuldades.
Uma pesquisa recente do instituto de opinião Gallup mostra que, para grande parte dos americanos de 18 a 49 anos, os dois maiores problemas financeiros de suas famílias são, acima dos custos de saúde e habitação, os gastos com as mensalidades da universidade e os salários baixos.
Nas últimas semanas, três empresas deram passos importantes na direção de quebrar essa suposta oposição entre Main Street e Wall Street. A Starbucks, maior rede de cafeterias do mundo, com sede em Seattle, anunciou que pagará até 100% dos cursos de graduação online oferecidos pela Universidade do Estado do Arizona para qualquer um de seus 135 000 funcionários no país.
A oferta vale para todos os cursos — e não apenas os relacionados à área de atuação da Starbucks, como marketing e logística — e, melhor, os funcionários não terão o compromisso de permanecer no emprego após a formatura. Em 2013, o total investido por empresas americanas em educação chegou a 70 bilhões de dólares, 15% mais do que no ano anterior.
Metade das companhias já subsidia cursos de graduação de seus empregados. Mas a maior parte das iniciativas fica muito aquém do projeto da Starbucks em termos de abrangência e condições.
A Ikea, fabricante de móveis sueca que está presente nos Estados Unidos há quase 30 anos, decidiu atacar na outra frente que preocupa a maior parte dos lares americanos. Aumentou o salário de quase 7 000 trabalhadores que ganham o valor mínimo.
A partir de agora, a empresa adotará como piso não mais a base estabelecida pelos governos federal e estaduais, mas o rendimento calculado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) como o mínimo necessário para atender às necessidades básicas de uma pessoa.
Com a medida, o salário mínimo médio nas lojas do país será de 10,7 dólares por hora, um aumento de 17% em relação ao patamar atual. A Gap, rede de fast fashion com sede em São Francisco, vai corrigir o salário mínimo de seus funcionários a partir do ano que vem. O valor passará dos atuais 9 dólares por hora para 10 dólares, bem acima do piso estabelecido pelo governo federal, que é de 7,2.
Impactos positivos
Ao fazer esses anúncios, as empresas estão com um olho nos funcionários e o outro nos consumidores e investidores. Ainda é cedo para medir o impacto das decisões na reputação das empresas e saber se elas vão aumentar as vendas ou se verão o valor das ações subir (Starbucks e Gap são companhias abertas). Mas há indícios favoráveis.
Um estudo publicado em fevereiro pela escola de negócios Harvard Business School mostra que companhias socialmente responsáveis costumam melhorar sua imagem no mercado financeiro e, assim, obtêm recomendações mais favoráveis nos relatórios dos analistas. Também no âmbito interno das empresas a expectativa é positiva.
No caso da Starbucks, dois números são especialmente reveladores. A rotatividade dos funcionários que atendem nas cafeterias é de 100% ao longo de um ano, e cerca de 70% deles são universitários ou jovens que desejam entrar numa universidade. Tudo leva a crer que, a partir de agora, todos terão um grande incentivo para ficar no emprego.
Do ponto de vista dos empregados, o que está em jogo é a possibilidade de alavancar a renda no futuro. Um trabalhador com ensino médio nos Estados Unidos ganha, em média, 28 600 dólares por ano, enquanto um com diploma universitário embolsa 49 600 dólares.
“A educação traz ganhos sociais e profissionais importantes. Quando uma empresa ajuda os funcionários a realizar seus sonhos, ela consegue engajar os trabalhadores e melhorar seus resultados”, diz Mattew Kelly, presidente da consultoria americana Floyd, com sede em Chicago, e autor do best-seller O Administrador de Sonhos, publicado no Brasil pela editora Sextante.
Para a Starbucks também conta o fato de funcionários mais bem-educados serem mais eficientes. De modo geral, 1 ponto percentual de incremento na fatia dos trabalhadores que recebem algum tipo de treinamento gera um aumento de 0,6% na produtividade.
O aumento do salário mínimo, por sua vez, gera um óbvio impacto nos custos. Mas ele pode ser compensado ao encorajar a permanência dos funcionários nas empresas.
De acordo com uma estimativa do Center for American Progress, instituto de pesquisa com sede em Washington, quando uma companhia substitui um empregado, é preciso desembolsar de 4 800 a 15 300 dólares por ano em recrutamento e treinamento.
“Elevar o salário tem efeitos positivos na saúde dos trabalhadores e costuma diminuir o número de faltas”, diz Amy Glasmeier, professora de urbanismo no MIT e responsável pelo cálculo do salário mínimo feito pela universidade.
Medidas favoráveis aos trabalhadores aconteceram num momento em que a economia americana ainda dá sinais contraditórios. A taxa de desemprego está em 6,1%, o percentual mais baixo desde setembro de 2008, mas o PIB encolheu 0,7% no primeiro trimestre, em comparação aos últimos três meses do ano passado.
Mesmo com o quadro econômico ainda incerto, as grandes companhias americanas parecem confiantes numa virada. Segundo um estudo da agência de risco Fitch, elas passaram por um processo de corte de custos após a crise. Agora estão em busca de outras medidas para aumentar a produtividade.
Ainda não dá para saber se estamos diante de uma nova tendência em termos de políticas salariais e de benefícios. Mas uma coisa está garantida pelas empresas que já se mexeram: a simpatia de Main Street, a classe média americana que apanhou feio nos últimos anos.