(Victor Vilela/Exame)
Repórter
Publicado em 19 de dezembro de 2024 às 06h00.
Quando foi a última vez que você realmente se conectou com alguém novo? Compartilhar frustrações e alegrias sem julgamentos é algo que, por muito tempo, só as relações humanas poderiam proporcionar. No entanto, uma parte crescente da população tem encontrado essa conexão em um lugar inesperado: chatbots de inteligência artificial. Um levantamento da Talk Inc, realizado em 2024, revelou que um em cada dez brasileiros utiliza plataformas de IA para desabafar sobre questões pessoais e emocionais. Além disso, 60% dos usuários conversam com as máquinas de maneira educada, como se estivessem interagindo com outra pessoa. Introspecção, solidão e falta de disponibilidade de amigos são as principais razões apontadas para essa busca por laços artificiais. A relação, porém, vai além da funcionalidade. Ao oferecerem respostas rápidas e uma atenção ininterrupta, esses sistemas passam a ocupar um papel íntimo na vida de muitos. A tendência cresce tão rapidamente que grandes empresas de tecnologia e startups já estão adaptando suas estratégias para lidar com o impacto emocional de suas criações. Algumas companhias apostam que os laços criados farão mais diferença quando as IAs forem similares em suas capacidades, e quem vencer a corrida do “amigo IA” pode alcançar a liderança de todo o setor. Um exemplo é a Character.AI, que foca as IAs com personalidades e vozes customizáveis, capazes até de gerar conversas em grupos. O realismo é tanto que seu produto se tornou o primeiro a ser processado por um humano, sob acusação de ter incentivado o suicídio de um jovem. Por isso, há cautela no setor. Gigantes como OpenAI, Google e Anthropic optaram por direcionar seus bots para serem copilotos de produtividade, evitando o aprofundamento emocional nas interações. A OpenAI chegou a publicar um relatório expressando preocupação sobre o uso excessivo de suas ferramentas em interações amigáveis, sem fim aparente, e com a exposição de informações pessoais dos usuários. Além disso, especialistas têm alertado para os riscos de que bots possam oferecer respostas inadequadas em momentos de vulnerabilidade emocional. Para Bernt Øivind, da startup estoniana 1X Robotics, é preciso adaptar-se a essa realidade de convivência com as máquinas: “Essa mudança será como as invenções da imprensa, do carro e da agricultura, que redefiniram a natureza humana por completo”.