(Marcelo Curia/Exame)
Aline Scherer
Publicado em 30 de junho de 2017 às 06h09.
Última atualização em 30 de junho de 2017 às 14h27.
São Paulo — Poucos escaparam dos cortes de custo nas empresas — em maior ou menor escala — em meio à crise atual. Para a maioria, porém, um item tornou-se exceção: o investimento em tecnologia. O motivo é simples. Seis em cada dez executivos têm dedicado recursos para infraestrutura de tecnologia da informação e softwares justamente como parte das medidas para ganhar produtividade, segundo uma pesquisa da consultoria Deloitte. De 2014 a 2016, as empresas continuaram investindo, em média, 7,6% de suas receitas líquidas em tecnologia. “Por causa da queda nas vendas e da recessão econômica do país esperávamos que os investimentos em TI diminuíssem. Não foi o que aconteceu”, diz Fernando Meirelles, professor de TI na faculdade de administração da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, que conduziu um estudo com 2 540 empresas brasileiras. Segundo dados da consultoria Gartner, especializada em tecnologia, os investimentos em equipamentos, armazenamento de dados, softwares e consultoria nessa área deverão crescer 19% neste ano. Apesar de uma queda registrada em 2015, o montante previsto para 2017 — 133 bilhões de reais — é o maior da década.
Não se trata de uma exclusividade local. No mundo todo, há décadas, os gastos corporativos com tecnologia crescem. A tendência parece desafiar a Lei de Moore. O cofundador da Intel, Gordon Moore, descobriu em 1965 que a eficiência dos computadores dobra a cada dois anos pelo mesmo preço. De lá para cá, o padrão tem se confirmado e o ritmo dos ciclos ficou mais curto: 18 meses. Então por que os custos crescem? A explicação está numa lógica semelhante à das despesas com saúde, também numa evolução constante. Há sempre uma tecnologia nova, mais sofisticada, disponível. E a necessidade de atualização não tem fim. Nos Estados Unidos, as companhias investem cerca de 700 bilhões de dólares por ano em tecnologia. É, porém, um investimento que se paga. De acordo com o estudo da FGV, para cada 1% a mais investido em TI, após dois anos, o lucro aumenta 7%.
Um exemplo do impacto desses investimentos no Brasil está no grupo varejista Paquetá, dono de uma rede de 150 lojas de calçados no Sul e no Nordeste do país e com faturamento de 1 bilhão de reais em 2016. As vendas caíram 17% nos últimos dois anos e a companhia teve de fechar 35 lojas nesse período. O número de funcionários caiu de 6 000 para 4 500. Mesmo assim, a contenção não atingiu a área de TI. A empresa continuou investindo 0,5% da receita líquida na área. Nesse período, conseguiu implementar um software de gestão que ajudou a poupar 11 milhões de reais, com a redução de 21% do estoque. Para fazer o sistema funcionar, o time de planejamento, responsável por abastecê-lo com dados, cresceu de duas para 15 pessoas. “O investimento se pagou e trouxe resultados antes do que esperávamos”, diz Marcos Vinicius Ravazzolli, diretor executivo do grupo Paquetá.
Os cortes de pessoal também têm sido menos intensos nessa área. Sobretudo no caso de empresas que decidem partir para uma solução caseira em vez de comprar produtos prontos no mercado. Na varejista de moda Riachuelo, o time de 250 funcionários de TI foi relativamente poupado de reduções mais drásticas. Houve um corte de 8% do pessoal, metade do que ocorreu em outras áreas da companhia. A empresa desenvolve internamente os softwares utilizados nas áreas principais do negócio. A explicação está numa peculiaridade da companhia. Diferentemente de muitas de suas concorrentes, a Riachuelo fabrica parte das roupas que vende, e por isso precisava de um sistema que interligasse a gestão de ponta a ponta. “Construímos do zero o sistema que precisávamos e não existia pronto no mercado”, diz Paulo Henrique Farroco, diretor de TI do grupo Guararapes, controlador da Riachuelo, que faturou 5,9 bilhões de reais em 2016. Foi só depois de resolver essa questão que a companhia conseguiu finalmente lançar um site de comércio eletrônico em abril deste ano. O desenvolvimento e a implementação do projeto levaram cinco anos. Nesse período, vários sistemas internos construídos ao longo da história de 70 anos da companhia foram substituídos por novos.
No departamento de TI das empresas só um número sobe mais do que o valor do orçamento — a quantidade de projetos. No caso do banco Santander, são 450. Para saber qual deles priorizar, três métricas são essenciais: o potencial de incremento de receita, a economia de recursos e o aumento da satisfação dos clientes. Para agilizar, os times ganharam autonomia. “Em vez de definir tudo em comitês, muitas decisões passaram a ser tomadas em conjunto pelos funcionários de níveis mais próximos à execução dos projetos”, diz Marino Aguiar, vice-presidente de tecnologia da informação do banco Santander no Brasil. Por exemplo: uma atualização recente no aplicativo de internet banking, decidida durante uma reunião diária de 15 minutos do time, incluiu o serviço de registro de sinistro para clientes de seguros residenciais. Agora é possível comprovar danos com fotos e validar outras informações pelo aplicativo. No melhor dos casos, o pagamento do seguro é feito em menos de 2 horas — antes levava dias.
A complexidade na hora de atualizar a área de TI é maior nas empresas que crescem por meio de fusões e aquisições. É o que se observa na operadora Telefônica. Com a aquisição da Vivo em 2011 e da GVT em 2014, a área de TI da companhia virou um emaranhado de mais de 500 softwares e muitas sobreposições entre eles. As faturas dos 93 milhões de clientes, por exemplo, são geradas por cinco programas diferentes. O ideal seria que tudo fosse resolvido por apenas um. Por isso, a companhia conduz uma série de projetos de simplificação e integração de sistemas. Nos últimos dois anos, o time de TI conseguiu desligar 135 softwares. O objetivo é apagar outros 250 até 2020. A maior parte dos investimentos em TI (60%), no entanto, é destinada à digitalização de serviços, o que inclui o lançamento de aplicativos de autoatendimento. “Não olhamos só os custos de TI, mas também os resultados que trazem”, afirma Alessandra Bomura, vice-presidente de TI da Telefônica Vivo, que planeja um aumento de 9% nos gastos em tecnologia para este ano. Em 2016, o crescimento foi de 4%.
Garantir o futuro tem sido outra razão fundamental para manter os investimentos em ascensão. Numa pesquisa da consultoria EY com 900 executivos globais, 43% afirmam que pretendem vender ativos e negócios auxiliares nos próximos dois anos para investir numa transformação digital. Na subsidiária da fabricante de produtos pessoais e de limpeza Reckitt Benckiser no Brasil, o orçamento destinado a melhorar o desempenho das vendas nos sites dos varejistas que distribuem seus produtos cresceu sete vezes em 2017. A companhia montou um time multidisciplinar, com pessoal de vendas, marketing, finanças e cadeia de fornecimento, para aumentar a presença da fabricante na internet. A expectativa é que as vendas online no Brasil, hoje inexpressivas, representem 20% da receita até 2020. Na China, 30% das vendas da Reckitt Benckiser já são online. Na subsidiária da seguradora suíça Zurich no Brasil, o orçamento de TI para 2017 está 50% maior do que o do ano passado. O objetivo é investir em novas tecnologias, como inteligência artificial, quando a máquina aprende com os padrões das transações. Desde dezembro de 2016, metade das apólices dos seguros de eletroeletrônicos é analisada por algoritmos. O que levava cerca de 1 hora agora fica pronto em frações de segundo. O prazo de reparo dos produtos diminuiu 40% e a satisfação dos clientes aumentou 25%. “Se identificamos oportunidades de simplificação ou inovação, realocamos recursos”, diz Marcelo Alvalá, diretor de TI da Zurich no Brasil. Eis uma maneira não apenas de sobreviver à crise mas também de garantir a perenidade depois dela.