Revista Exame

Para a Apple, o mantra, agora, é menos iPhones e mais lucro

Depois de bater 1 trilhão de dólares de valor de mercado — e perder 20% em seguida — a Apple tem de aumentar o faturamento com vendas fracas do iPhone

Loja da Apple nos Estados Unidos: as vendas de iPhones esfriaram, mas a receita segue em alta | AGB Photo /

Loja da Apple nos Estados Unidos: as vendas de iPhones esfriaram, mas a receita segue em alta | AGB Photo /

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Gustavo Gusmão

Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 05h22.

Última atualização em 7 de dezembro de 2018 às 16h32.

terceiro trimestre de 2018 foi  um período mágico para a Apple. Logo no primeiro dia do mês de agosto, as ações da empresa de tecnologia romperam pela primeira vez a marca dos 200 dólares. Nos dias seguintes, o preço dos papéis continuou valorizando e a onda de otimismo levou a Apple a se tornar a primeira empresa americana a ultrapassar o valor de mercado de 1 trilhão de dólares (a varejista online Amazon viria a atingir a mesma marca em setembro). A boa fase continuou até o começo de outubro, quando o preço das ações alcançou um pico de 232 dólares. De lá para cá, no entanto, o vento começou a soprar na direção contrária. A expectativa de uma desaceleração da economia e do consumo nos Estados Unidos reverteu o ciclo de alta da Apple nas bolsas — o valor de mercado havia caído 20% até 4 de dezembro. E aumentou a preocupação de que as vendas do iPhone, a marca de seus celulares inteligentes, venham a cair nos próximos trimestres.

Os números divulgados pela empresa comprovam a tendência. De julho a setembro, as vendas de iPhones ficaram abaixo do esperado. O número de unidades praticamente não cresceu em relação ao ano anterior. Os modelos recém-lançados iPhone Xs e Xs Max, que custam a partir de 999 dólares nos Estados Unidos e 7.299 reais no Brasil, parecem não ter conquistado o público. O iPhone Xr, que era a maior esperança de vendas, também não teve sucesso, mesmo com o preço mais baixo (a partir de 749 dólares). A Apple alega que o modelo mais barato havia acabado de chegar às lojas e que o resultado das vendas ainda não teria sido medido. Mas a explicação não bastou.

Notícias de que a empresa havia reduzido os pedidos de peças do iPhone reforçaram a expectativa de queda nas vendas. As ações deslizaram e fecharam novembro valendo 178 dólares, o menor nível desde abril. Isso fez o banco de investimento Goldman Sachs cortar a previsão de valorização das ações da Apple para o ano fiscal de 2019. Em relatórios abertos para EXAME, analistas do banco reduziram o valor esperado para 12 meses de 222 para 182 dólares. A justificativa é a baixa procura pelo iPhone Xr. “Uma alta demanda costuma vir na semana que antecede o Natal, então é possível que as coisas mudem até lá. Mas não acreditamos que seja provável”, escreveram os analistas.

O menor volume de vendas deve afetar a receita da Apple em 2019. Enquanto o faturamento da empresa cresceu cerca de 15% de 2017 para 2018, o aumento esperado para o ano que vem é de apenas 1,5%, segundo a previsão do Goldman Sachs. A desaceleração preocupa porque, além de prejudicar o próprio negócio da Apple, causa um efeito em cascata sobre toda a cadeia de fornecedores de peças e de matéria-prima usadas na fabricação do iPhone. A companhia, com sede em Cupertino, na Califórnia, tem um histórico de contratos com fabricantes que não raramente se tornam seus dependentes. Uma complicação no lançamento dos aparelhos pode ter um efeito devastador. Em 2014, a americana GT Advanced Technologies entrou com pedido de falência depois de perder um contrato com a Apple para fornecer telas de safira para o iPhone 6. Quando isso aconteceu, a fornecedora tinha contraído uma dívida de 1 bilhão de dólares para expandir instalações e cumprir a demanda da Apple.

O número de empresas hoje ligadas à cadeia de produção da Apple é incerto. A companhia divulga anualmente uma lista com algumas delas. A de 2018 traz 200, que representam 98% dos custos com fornecedores. Mas o número de empresas que dependem da Apple é maior. Dados da companhia americana de análise de mercado Bloomberg abertos para EXAME apontam a existência de 225 fabricantes que dependem da Apple para gerar 15% ou mais de sua receita. A texana Cirrus Logic, que produz chips de áudio para os iPhones, é a mais dependente: 82% do faturamento dela vem da Apple.

Os primeiros cortes já estão sendo vistos. A própria Cirrus cortou em 16% as expectativa de venda no fim do ano. A taiwanesa Foxconn é responsável por montar os iPhones e sinalizou que vai diminuir para 2,9 bilhões de dólares os investimentos planejados para 2019. O valor equivale a menos da metade do que a empresa investiu em 2018 (6,7 bilhões de dólares). A causa do desaquecimento é clara: o alto preço dos iPhones. “A Apple surpreendeu com o iPhone Xr, porque esperávamos um produto em uma faixa de preço mais baixa para ganhar espaço, como fazem outras fabricantes”, diz Renato Meireles, analista da consultoria IDC Brasil. Em vez disso, a empresa trouxe três modelos de preço alto, dificultando a já árdua tarefa de crescer em um mercado saturado.

O caso da Apple não é isolado. Pelo mundo, a demanda por smartphones está em queda, afetando outras fabricantes e seus fornecedores. Números da consultoria IDC apontam que, globalmente, as vendas desses aparelhos caíram 6% no terceiro trimestre. O resultado da Apple foi neutro (0,5% de aumento), mas a sul-coreana Samsung perdeu 13% do volume. Na contramão de todas, ficam apenas as chinesas Huawei e Xiaomi, ambas em expansão global e com crescimento de 2 dígitos nas vendas de smartphones.

O plano B

Até agora, não dá para dizer que a queda na demanda de smartphones esteja gerando uma crise — ao menos não para a Apple. O aumento dos preços de iPhones, por ora, acaba compensando a menor demanda pelos aparelhos. Ainda que as vendas estejam estagnadas, o faturamento aumenta. Em 2018, o número de iPhones vendidos foi quase igual ao de 2017. Já a receita gerada por eles foi de 166 bilhões de dólares — 25 bilhões a mais. No ano que vem, porém, a Apple já não poderá contar com a estratégia de elevar os preços para engrossar as receitas. Para 2019, a previsão do Goldman Sachs é de uma queda na receita gerada por iPhones.

Fábrica da Foxconn, na China: a fornecedora da Apple reduziu investimentos | Zou Haibin/ImagineChina/AFP Photo

O plano B da Apple é apostar em outra fonte de recursos: a venda de serviços. É cada vez mais comum os consumidores pagarem para ouvir música online, ver filmes ou armazenar arquivos e fotos em nuvem, e isso gera um dinheiro extra para a Apple. “Temos uma base instalada  de aparelhos enorme e crescente. Tivemos recordes em muitos produtos na área, como Apple Music, serviços de nuvem, App Store e Apple Care, e o Apple Pay ainda está crescendo exponencialmente”, disse Luca Maestri, diretor financeiro da Apple, na teleconferência com investidores em novembro. Apenas entre os meses de julho e setembro a empresa faturou 10 bilhões de dólares com esse tipo de serviço, 17% mais do que no ano passado. No ano fiscal de 2018, o faturamento foi de 37 bilhões de dólares.

A expectativa do Goldman Sachs é que a receita da Apple com serviços chegue a 52 bilhões de dólares em dois anos. É bem menos do que o valor arrecadado com iPhones (165 bilhões em 2020), mas o crescimento será maior e ajudará a empresa a manter um faturamento crescente. “A Apple está deixando de ser só uma fabricante de eletrônicos para se tornar uma empresa de serviços”, diz Gene Munster, analista e sócio da empresa de investimentos americana Loup Ventures. “A era de grandes saltos nas vendas dos iPhones acabou, mas estamos entrando em um período de mais estabilidade e rentabilidade.”

A diversificação é um caminho seguido também pelas rivais. A Samsung tem investido para criar uma gama de produtos e serviços em diversos ramos. A marca pretende investir, nos próximos três anos, 22 bilhões de dólares em quatro áreas: inteligência artificial, 5G, carros e tecnologias para o setor biofarmacêutico. O mesmo se pode dizer da Huawei, que fabrica processadores e está aumentando a atuação no setor automobilístico. Ou da Xiaomi, que usa o negócio de celulares para expandir a oferta de serviços e de publicidade. Quem perde mesmo nessa mudança são os fornecedores de componentes da  Apple. “As empresas com maior dependência até têm um plano B, mas é difícil romper esse vínculo”, diz Woo Jin Ho, analista da Bloomberg. Ainda haverá mercado para essas companhias, é claro. Mas, sem investir em novas áreas, será difícil para elas sair do marasmo.

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