Revista Exame

MBA pé na estrada

Três doutores em economia viajam 8 000 quilômetros pelo interior dos Estados Unidos e encontram pequenas e médias empresas vigorosas e sofisticadas

Os professores Mazzeo, Oyer e Schaefer: cobrindo um dos pontos cegos dos MBAs tradicionais (Divulgação)

Os professores Mazzeo, Oyer e Schaefer: cobrindo um dos pontos cegos dos MBAs tradicionais (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 17 de outubro de 2014 às 12h12.

Nova York - Viagens sempre ren­de­ram ótimos livros, que o digam Charles Dar­win, Joseph Conrad e Jack Kerouac. Com ambições literárias e científicas um pouco mais modestas, mas com o mesmo estado de espírito entusiasmado dos que querem contar o que viram, três doutores em economia e professores de alguns dos MBAs mais prestigiados do mundo lançaram um dos livros de negócios mais interessantes dos últi­mos tempos.

Em sete viagens diferentes, por 30 cidades e 27 estados america­nos, totalizando mais de 8 000 quilôme­tros percor­ridos, eles visitaram pequenas e médias empresas que aplicam no dia a dia os conceitos e as estratégias ensinados nos cursos de MBA e compilaram uma coleção notável de lições de ne­gócios do mundo real.

Para quem já se cansou de ouvir sobre a cultura de ino­vação da Apple ou o sucesso da reor­ga­nização da IBM, as histórias de Roadside MBA — Back Road Lessons for En­trepreneurs, Executives and Small Business Owners (“MBA de beira de estrada — lições de estradas secundárias para empreendedores, executivos e donos de pequenos negócios”, numa tradução livre) são uma novidade mais do que bem-vinda.

Roadside nasceu numa conferência de professores de administração, ou mais precisamente após um desses eventos. Três amigos — Michael­ Mazzeo, da Escola de Administração Kellogg, da Universidade Northwestern; Paul Oyer, da Escola de Administração da Universidade Stanford; e Scott Schaefer, da Escola de Administração David Eccles, da Universidade de Utah — entraram numa loja de sapatos.

Não queriam comprar nada, mas os vendedores foram tão insistentes que eles decidiram perguntar o porquê do assédio. O gerente disse que o dono da loja usava compradores “secretos” para avaliar o comportamento dos vendedores.

A conversa logo passou para tópicos clássicos das aulas de MBA — incentivos para os vendedores, diferenciação e concorrência. “Foi duas vezes mais educativo do que a conferência da qual tínhamos acabado de participar”, escrevem eles.

Intuição

“Os empresários com quem conversamos tinham experiência mínima com literatura de negócios”, diz Maz­zeo. “Eles com certeza não conheciam a terminologia dos cursos de administração, mas sabiam intuitivamente o que estavam fazendo.”

Na Prodew Inc., empresa que fabrica sistema de hidratação de verduras e legumes para supermercados, os autores encontraram um caso em que o domínio do mercado criou uma barreira de entrada importante para a concorrência.

A Prodew, da cidade de Marietta, na Geórgia, criou um sistema modular para as mangueiras que vaporizam água nas prateleiras de verduras e legumes. O método não foi patentea­do. “Patentes custam muito dinheiro”, diz Itamar Kleinberger, fundador da Prodew.

Mas, como a empresa domina o mercado (cerca de 70% das lojas do Walmart nos Estados Unidos usam o sistema da Prodew), os concorrentes não têm escala suficiente para produzir as peças de maneira economicamente viável, e a Prodew tem na prática uma excelente barreira de entrada contra seus competidores. 

Mas algumas das empresas visitadas são muito menos ambiciosas e sofistica­das. No café Silk Espresso, de Gresham, Oregon, os autores encontraram um exemplo de empresa que tem dificuldade de crescer porque a natureza do negócio exige atenção obsessiva com a qualidade do produto.

O Silk Espresso ganhou vários prêmios regionais de melhor expresso, mas a tentativa de abrir outras lojas fracassou, pois a dona, Leah McMahon, não conseguia replicar o nível de excelência nas demais unidades. A preparação do café exige atenção com a temperatura, a umidade, a armazenagem e a moagem dos grãos, entre outros detalhes.

Para McMahon, ter quatro lojas — e a consequente necessidade de supervisão direta em cada uma delas — era equivalente a ter um “império”. A experiência não deu certo, e ela decidiu manter somente a unidade original. “Esse é o tipo de negócio que, apesar de bem-sucedido numa escala pequena, encontra limites severos para o crescimento”, escrevem os autores.

Ao falar de precificação, os autores relatam a história da Mississippi Music, loja de instrumentos musicais de Hattiesburg, no Mississippi, que criou um plano de “alugar para comprar”. No sul dos Estados Unidos, há uma grande tradição de bandas marciais. O problema é o custo: muitos adolescentes têm de comprar instrumentos caros, como uma tuba, sem saber se vão querer de fato es­tudar música.

Com o programa criado pela empresa, os pais pagam mensalida­des pelo uso dos instrumentos. Caso os filhos desistam, recebem o dinheiro de volta. Se os filhos gostarem da ideia de tocar numa banda, os pais acabam comprando o instrumento a prazo.

A Missis­sippi Music inclui um seguro para tornar sua oferta ainda mais atraente. No livro, os autores afirmam que a facilidade de pagamento e a adição do serviço de seguro são uma solução criativa para o problema da precificação.

As histórias colhidas nas viagens são usa­das em sala de aula — os três autores são professores em cursos de MBA. Ape­­sar de não serem estudos de caso com­pletos — para não intimidar os empresários, os autores não falaram de finanças, apenas de estratégia —, eles ge­ram ótimas discussões nas aulas, segundo Mazzeo.

Os casos apresenta­dos em Roadside também são tes­te­mu­nho do vigor da economia americana. Embora nenhum dos nomes seja co­nhe­cido, há companhias como a GPS Source, do Colorado, que derrotou gigantes co­mo a Lock­heed Martin numa li­ci­ta­ção promovida pela Força Aérea dos Es­tados Unidos graças a um sistema ino­­vador de GPS.

A TiLite, fabricante de cadeiras de rodas sob medida de Pasco, em Washington, é uma das líderes de seu segmento graças ao uso de titânio. A empresa nasceu como um spin-off de uma empresa suíça que fabricava componentes usados na manufatura de plutônio para bombas nuclea­res.

O titânio é resistente e ao mesmo tempo leve e absorve melhor as vibrações, item essencial no conforto de cadeiras de rodas. “É um exemplo de empresa que entendeu que havia uma oportunidade de crescimento apesar do declínio da indústria nuclear”, afirma Mazzeo.

Com tantos casos esperando para ser descobertos e relatados, será que há algo errado com os programas de MBA, que sempre repetem as mesmas histórias? Mazzeo ri. “Bem, nós sabemos qual é nosso mercado. É o das pessoas que querem administrar grandes empresas. Mas é uma espécie de ponto cego que temos. Não pensamos muito nas empresas pequenas.”

Desde o ano passado, ele também dá aulas num novo curso, voltado para as estratégias de crescimento de pequenas e médias empresas. A ideia é tentar trazer um pouco desse conhecimento para o ambiente acadêmico. Outra ideia dos autores é olhar para empresas de perfil semelhan­te fora dos Estados Unidos. “Com certeza temos muito mais a fazer nessa área.”

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