Revista Exame

De olho no clima, empresas querem maximizar o lucro sem queimar o planeta

Para evitar uma catástrofe com o aquecimento global, é preciso resgatar as promessas originais do capitalismo e seu compromisso com a prosperidade e a liberdade, no lugar do lucro a qualquer custo

Plataforma de petróleo: combater o aquecimento global é interesse de todas as empresas (Pu Xiaoxu / XINHUA/AFP)

Plataforma de petróleo: combater o aquecimento global é interesse de todas as empresas (Pu Xiaoxu / XINHUA/AFP)

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Da Redação

Publicado em 29 de abril de 2021 às 05h11.

Última atualização em 23 de julho de 2021 às 11h01.

Resolver a crise climática significa que precisamos mudar a forma como as empresas de capital aberto são administradas? A maioria dos líderes corporativos acredita ter o dever legal e moral de maximizar o valor para os acionistas e que, se não o fizer, será demitida pelos furiosos investidores. Mas muitos outros temem que a obsessão por lucros seja incompatível com os objetivos ambientais.

Afinal, se os combustíveis fósseis são mais baratos do que os renováveis, maximizar o valor para o acionista parece exigir a utilização da energia suja. E, se você é uma empresa de combustíveis fósseis, é “racional” gastar centenas de milhões de dólares negando a realidade da mudança climática e fazendo lobby ativo contra a regulamentação que ela implica.

Deveríamos insistir, então, que as empresas se tornem “direcionadas para as partes interessadas”, gerando “retornos” não apenas para os investidores mas também para os funcionários, clientes, fornecedores e a comunidade em geral? Isso já foi feito antes. Nas décadas de 1960 e 1970, a maioria das empresas afirmava ter responsabilidade com todos os interessados com os quais interagia. E, no ano passado, a Business Roundtable, entidade que representa os CEOs das maiores e mais poderosas corporações dos Estados Unidos, ofereceu uma nova definição de propósito corporativo: “promover uma economia que sirva a todos os americanos”.

É uma visão sedutora. Se eu pudesse tocar com uma varinha e transformar cada empresa em uma “corporação B” — que fosse certificada por seu “desempenho social e ambiental” —, eu conseguiria fazer isso. Mas, é claro, teria de transformar todo investidor em alguém que tivesse o desejo de financiar essas entidades. Poucos investidores estão dispostos a abrir mão de tanto poder. Mesmo se eles fossem forçados a fazê-lo, ainda seriam necessários padrões muito mais claros sobre o que constitui o benefício para as partes interessadas, sem mencionar acordos sobre como fazer concessões entre interesses concorrentes. Sem essas condições, dizer aos gestores para maximizar os retornos para as partes interessadas, em vez de valor para os acionistas, é um convite para que maximizem os próprios interesses à custas dos demais.

Mas ainda há esperança. Os líderes corporativos estão bem conscientes de que as mudanças climáticas são ruins para os negócios. Será muito mais difícil ganhar dinheiro em um mundo em que as grandes cidades litorâneas de hoje estejam debaixo d’água, em que áreas agrícolas devastadas produzam enormes fluxos de refugiados, e em que incêndios florestais sem precedentes destruam centenas de bilhões de dólares em propriedades todos os anos. 

Não há incompatibilidade fundamental entre maximizar lucros e enfrentar as mudanças climáticas em nível de todo o sistema econômico. Mas há um enorme problema de ação coletiva: muitas pequenas empresas simplesmente não têm um bom argumento de negócios para tornarem-se líderes da mudança climática. 

Nos últimos anos, entretanto, muitas outras empresas têm investido agressivamente para explorar oportunidades instan­tâneas­ e lucrativas para enfrentar as mudanças climáticas. Investidores não aplicaram mais de 280 bilhões de dólares no setor de energia renovável no ano passado apenas pela bondade­ de seu coração. A oferta pública inicial de maior sucesso nas últimas duas décadas foi a Beyond Meat, empresa de hambúrgueres à base de vegetais. E a fabricante de veículos elétricos Tesla tornou-se em 2020 a empresa mais valiosa da indústria automotiva. Nesses e em muitos outros casos, a busca pelo valor para o acionista está impulsionando o tipo de inovação em nível de sistema que pode transformar setores inteiros.

Além disso, alguns setores e empresas optaram pela autorregulação voluntária. Em novembro de 2010, por exemplo, o Consumer Goods­ Forum (Fórum de Produtos ao Consumidor) — formado por empresas que, juntas, empregam mais de 10 milhões de pessoas — comprometeu-se a atingir um nível de desmatamento zero líquido nos setores estratégicos de soja, óleo de palma, carne bovina e papel. Isso era totalmente consistente com a maximização do lucro. A crescente conscientização do consumidor sobre o impacto ambiental negativo desses setores tornou-se um risco significativo para as marcas. As empresas estavam cada vez mais preocupadas com sua capacidade de recrutar talentos ou manter viáveis cadeias de suprimentos. Portanto, mesmo sabendo que os custos poderiam aumentar, e aumentariam igualmente para todos, elas adotaram medidas pré-competitivas.

Protesto de funcionários da Lufthansa: a reestruturação das empresas custou empregos (Bloomberg/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)

Com certeza, as coalizões da indústria raramente têm alcançado seus objetivos, porque a tentação de deserção pelas empresas continua alta. No entanto, o ímpeto por trás da criação de coalizões nos últimos anos gerou um grupo crescente de empresas com fortes interesses econômicos em encontrar terceiros para propor a cooperação. Existem dois óbvios candidatos para essa função: mercados de capitais e governos.

Muitas das reservas de dinheiro mais importantes do mundo são tão grandes que, para aqueles que as gerenciam, a mudança climática não é apenas um “fator externo”. Hiro ­Mizuno, ex-chief investment officer do Fundo de Pensão do Governo Japonês (o maior fundo de pensão do mundo), acredita que as mudanças climáticas são a ameaça mais significativa à capacidade do fundo de cumprir obrigações.

Grandes investidores institucionais têm, portanto, fortes incentivos para forçar as empresas de seus portfólios na direção da ação climática. E, embora também enfrentem um problema de ação coletiva, o deles deveria ser mais fácil de resolver: a riqueza do mundo é tão concentrada que simplesmente não há uma grande quantidade deles nessa concentração. Assim, a Climate Action 100+ (Ação Climática 100+) — uma coalizão de mais de 450 investidores no controle de mais de 40 trilhões de dólares em ativos — conseguiu pressionar algumas das empresas mais intensivas em carbono do mundo a adotar compromissos concretos para abandonar os combustíveis fósseis. 

O imperativo do valor para o acionista também está levando empresas a redescobrir o papel central do governo no cumprimento da cooperação. Antes da chegada do governo do presidente Jair Bolsonaro, o setor público brasileiro desempenhava um papel fundamental na defesa de uma moratória da indústria à produção de soja na Amazônia. E, em todos os Estados Unidos, milhares de empresas estão trabalhando com organizações não governamentais, como a Ceres e a We Are Still In (Ainda Estamos Dentro), para apoiar sensatas políticas de carbono em níveis locais e estaduais. Tendo orientado seus modelos de negócios para lidar com a mudança climática, essas empresas têm fortes incentivos para promover medidas que obriguem seus concorrentes a fazer as mesmas opções.

Para alcançar uma recuperação verde, devemos resgatar a promessa original do capitalismo e seus compromissos normativos fundamentais com a prosperidade e a liberdade, não com ganhar dinheiro a qualquer custo. Quando os mercados não são livres nem justos, porque as principais condições externas, como a mudança climática, não são adequadamente precificadas, as empresas devem adotar uma meta para além da maximização do lucro de curto prazo.

Um autêntico propósito público pode dar às empresas a coragem, a criatividade e o talento necessários para assumir o risco de explorar novos modelos de negócios. Para os mais inteligentes, os compromissos climáticos podem conferir uma vantagem produtiva e competitiva. Adotar um propósito não significa abandonar os investidores. É possível mudar o mundo para melhor e ganhar dinheiro, conciliar dever moral e responsabilidade fiduciária — e é imperativo que encontremos uma maneira de fazer isso em grande escala. 

(Arte/Exame)

 

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