Revista Exame

Qual é o caminho correto para a adaptação dos colaboradores em processos de fusões e aquisições?

Artigo da McKinsey mostrou que cerca de 95% dos executivos descrevem o ajuste cultural como fundamental para o sucesso da integração

Aline de Faria Paula, da Salesforce: as mudanças precisam ser vistas como benefício, e não como ameaça (Leandro Fonseca/Exame)

Aline de Faria Paula, da Salesforce: as mudanças precisam ser vistas como benefício, e não como ameaça (Leandro Fonseca/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 4 de outubro de 2022 às 06h00.

Última atualização em 4 de outubro de 2022 às 08h20.

O que acontece quando se juntam duas culturas corporativas diferentes? A adaptação dos colaboradores é um processo que faz toda a diferença para o sucesso de uma fusão ou aquisição. Um artigo da consultoria McKinsey mostrou que cerca de 95% dos executivos descrevem o ajuste cultural como fundamental para o sucesso da integração. Ao mesmo tempo, 25% citam a falta de coesão e de alinhamento cultural como a principal razão pela qual os esforços de integração falham.

Na Arezzo&Co, que realizou uma série de compras nos últimos anos, entre elas a da marca de roupas carioca Reserva, além das gaúchas HG e Sunset, que atuam na cadeia de fornecimento de calçados e bolsas, o match cultural é condição para fechar negócio. “Na nossa avaliação, o processo [de alinhamento de cultura] é sempre muito importante”, afirma Rafael Sachete, CFO da Arezzo&Co e responsável pelos processos de M&A do grupo. “Começamos entendendo a dinâmica da cultura, das pessoas, antes mesmo de fazer o deal. Na due diligence, na conversa com o outro lado, investimos muito tempo avaliando como funciona a empresa, os traços de sua cultura, porque se os valores forem muito diferentes a adaptação depois se torna bem mais difícil.”

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 Paul Ferreira, professor e vice-diretor do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda com o executivo. “Idealmente, inicie a integração antes que o negócio seja anunciado”, afirma. “Certifique-se de que sua due diligence não seja apenas financeira, legal ou estratégica. Procure entender como as pessoas da empresa adquirida trabalham e pensam, principalmente neste mundo pós-pandemia, onde a flexibilidade de trabalho pode ser implementada de forma diferente.” Para o especialista, a partir do momento que o negócio é comunicado aos funcionários, é importante responder com agilidade às dúvidas que certamente surgirão. “É preciso ter respostas rápidas para perguntas essenciais como: ‘Eu tenho um emprego?’, ‘A quem devo reportar?’, ‘Como serei pago?’, ‘Quais são minhas perspectivas de carreira?’, ‘Se vou ficar sem emprego, como podemos ter certeza de que serei tratada de forma justa?’”, diz o pesquisador.

Na Arezzo&Co, depois da avaliação da cultura, um segundo momento bastante importante é o da comunicação do acordo de fusão ou aquisição aos funcionários. “Fazemos um plano de comunicação com a área de gente e estratégia para que as pessoas das duas companhias sejam avisadas minutos antes de a informação sair na imprensa, de sair para o mercado”, diz Sachete. Nesse momento, segundo o executivo, é quando se informa quanto as coisas vão mudar, o que se vai agregar de valor e tudo que deve vir com o novo negócio.

A Salesforce, que neste ano adquiriu a start­up Atonit, uma plataforma de relacionamento com o cliente, também tem um plano bem traçado para garantir o acolhimento cultural dos funcionários envolvidos no M&A. “Antes de tudo, realizamos uma análise profunda para entender qual seria o impacto da transição e como poderíamos fazer com que essa passagem pudesse ser vista como um benefício, e não como ameaça”, explica Aline de Faria Paula, gerente sênior de employee success da Salesforce Brasil. “Trata-se de acolher as pessoas, fazê-las se sentirem bem-vindas e entenderem como, juntos, somaremos para levar mais inovação e valor aos clientes.”

 De acordo com a executiva, um dos primeiros passos foi olhar para a liderança e mapear as habilidades e competências do time de gestão para entender como elas se complementariam. “Com essa visão, pudemos nos preparar para apoiá-los com novas ferramentas e capacitação sobre nossa filosofia de gestão.” O processo de integração também envolveu uma etapa profunda de adequação e clareza de processos. Pelo fato de a Atonit ser uma empresa 100% brasileira, foi preciso, por exemplo, traduzir materiais e documentos para o inglês e adaptar os funcionários a essa realidade bilíngue de uma multinacional. Outra particularidade, comenta Paula, é que em uma aquisição as pessoas já trabalhavam e tinham uma rotina, então é preciso adaptar todo o onboarding de forma a não impactar as atividades em andamento. “Com isso em mente, em vez de realizar uma parte importante do processo do onboarding em um dia, chamado day one, em que o colaborador conhece a fundo vários aspectos da empresa, dividimos o conteúdo ao longo de semanas.”

 No Grupo Boticário, que também já realizou uma série de aquisições de 2019 para cá, entre elas a do e-commerce de cosméticos Beleza na Web, a GAVB, com foco em inteligência artificial, e a Casa Magalhães, de soluções de tecnologia voltadas para o varejo, o processo de integração de pessoas é feito em seis etapas. São elas due diligence; pré-deal; preparação para integração; primeiros 100 dias após a aquisição e chegada das pessoas; pós-100 dias; e finalização da integração/transição para business as usual. “Para cada uma dessas etapas estabelecemos uma série de entregáveis com o objetivo de proporcionar a melhor experiência de integração, seja para as pessoas que estão chegando ao grupo, seja para os nossos demais colaboradores que participam do processo”, afirma Rafael Carlos, gerente sênior de remuneração corporativa e IMO gente do Grupo Boticário.

Para cada uma das etapas, explica o executivo, há um time de especialistas em pessoas de diferentes frentes de atuação, como remuneração, benefícios, relações sindicais, cultura, gestão de talentos, diversidade e educação corporativa. “Cada especialista atua de forma progressiva para entender a empresa adquirida, analisar as sinergias entre as práticas de gente das duas empresas e avançar com o plano de integração que se inicia três meses antes da assinatura do deal e segue em curso por mais três ou 12 meses após o deal, a depender do perfil e da complexidade do negócio em questão.”

Como fica o dia a dia

Após a fusão, o modelo de trabalho de cada empresa adquirida por M&A no Grupo Boticário é determinado de acordo com a função. Carlos explica que a companhia adotou três modelos de trabalho desde setembro do ano passado para seus mais de 12.000 colaboradores em todo o país: remoto, híbrido e presencial. “Esse é, inclusive, um dos diferenciais e benefícios que oferecemos aos talentos que chegam por meio de M&A e demais vagas abertas”, diz. A integração dos profissionais, por sua vez, é realizada por ondas predeterminadas com base na tese de investimento. Segundo ele, é comum dividir essas ondas e, consequentemente, a integração dos times em horizontes de seis meses (áreas administrativas), 12 meses (áreas operacionais) e 24 meses (áreas estratégicas e de negócio). “Acompanhamos a integração por meio de rotinas semanais de trocas e revisão do plano, olhando sempre para as oportunidades de aceleração e para o engajamento da empresa adquirida — medido desde os primeiros dias da integração”, detalha. “Além disso, promovemos fóruns de discussão para que ocorram aproximação entre os times, trocas de experiências e conhecimentos, garantindo adequação contínua dos processos e práticas.”

Na Arezzo&Co, as marcas adquiridas seguem atuando como unidades de negócio dentro do grupo — e isso significa que as equipes trabalham separadamente. A união dos times acontece nas áreas de backoffice, como financeiro, logística, contabilidade e administrativo. Assim, áreas como comercial e marketing não se mesclam entre marcas. “Já tínhamos excelentes resultados nesse formato antes das primeiras aquisições, com unidades separadas para Arezzo e Schutz”, explica Sachete. “A Vans [cuja operação no Brasil foi comprada pela Arezzo&Co em 2019], por exemplo, segue os princípios da Arezzo, mas sua cultura tem outro posicionamento, de streetwear, surfe. O conceito que a marca promove e patrocina é muito diferente do da Arezzo. De qualquer forma, comenta Sachete, fazer parte de um mesmo grupo amplia as possibilidades de movimentação profissional entre as marcas.

Na aquisição da Atonit pela Salesforce, o movimento foi contrário ao da Arezzo, e as empresas começaram a trabalhar juntas logo após a aquisição. “A partir do mapeamento de competências fit de cada colaborador foi possível direcioná-lo para a respectiva área da Salesforce onde houvesse maior compatibilidade com o seu trabalho anterior”, explica Paula. “Essa abordagem contou com o envolvimento direto da liderança da área que recebe o colaborador, incluindo entrevistas e reflexões sobre as habilidades do candidato.” A Salesforce tem um escritório físico, mas adota o que chama de modelo flex como padrão para a maioria dos colaboradores. Isso significa que eles podem escolher ir ao escritório de uma a três vezes por semana para reuniões com clientes e equipes e para colaborar presencialmente. Para certas funções há também a modalidade 100% remota. “O processo de aculturamento pode ser desafiador, ainda mais quando grande parte da equipe trabalha em formato flexível, o que pode aumentar a necessidade de um acompanhamento mais próximo da liderança para avaliar a produtividade, o bem-estar e a colaboração do novo funcionário”, diz a executiva. Para ela, o grande fit cultural que já havia facilitou o processo de aculturamento. “Há casos de colegas de equipe que apoiam desafios dos recém-chegados e vice-versa, mesmo trabalhando remotamente em países diferentes.”

Rafael Sachete, da Arezzo: marcas adquiridas funcionam como unidades de negócio independentes (Leandro Fonseca/Exame)

Como funciona o acolhimento cultural

Para Paula, da Salesforce, a chave para que as pessoas da empresa adquirida sejam de fato integradas à nova cultura organizacional é oferecer uma experiência realmente positiva para os novos funcionários desde o primeiro ponto de contato. Para isso, ela diz que é fundamental ser 100% transparente, escutar as pessoas e alinhar expectativas em relação a quesitos como adequações necessárias, crescimento, remuneração e desenvolvimento. “Com isso, o novo funcionário conseguirá se sentir confortável na empresa, entender qual é seu papel, assim como os valores esperados dele.”

Carlos, do Boticário, diz que a chave é abordar os aspectos culturais de forma estruturada o mais cedo possível e acompanhar pragmaticamente os avanços até o final do processo de integração. “Por isso, aqui no Grupo Boticário, realizamos um processo de planejamento e entendimento da cultura da empresa adquirida na etapa pré-deal. É nesse momento que identificamos as semelhanças e as diferenças de cultura e que entendemos onde e como devemos atuar”, afirma.

Somar esse olhar a um entendimento do perfil dos líderes produz os insumos necessários para traçar os planos de gestão da mudança, que passam por uma imersão na cultura e na essência do grupo, capacitações sobre modelos de trabalho, jeito de liderar e desafiar, rituais de gestão, governança e comunicação. “Mesmo assim, aqui no grupo nutrimos um mind­set de constante aprendizado e troca e por isso estamos sempre abertos a aprender com as empresas e a incorporar elementos que potencializam o nosso jeito de ser e de fazer.”

Paul Ferreira, da FGV: idealmente, a integração precisa começar antes de o negócio ser anunciado (Leandro Fonseca/Exame)

Alexandre de Freitas, partner e COO da 3Capital, especializada em fusões e aquisições, concorda que esse ponto é relevante. “É importante que alguns valores da empresa que está sendo adquirida possam ser incorporados e permaneçam no novo conjunto de valores das empresas combinadas”, diz. “Por exemplo, a capacidade de inovação, caso esteja presente na empresa adquirida, deve ser preservada nos valores da empresa combinada, pois uma característica como essa é relevante e com certeza foi levada em conta na decisão de aquisição.”

Flávia Castro, executiva da KPMG, lembra que diversos estudos mostram que negligenciar pessoas e cultura em uma integração está entre as principais causas de fracasso ou perda de valor do negócio. “A mudança é individual e cada profissional muda no seu próprio tempo”, afirma. “Perceber isso e utilizar técnicas para disseminar o propósito da empresa, os resultados positivos que se pretende alcançar e constatar que, para se sentirem parte da organização, os profissionais precisam vivenciar seus valores, pode acelerar a adoção das novas formas de trabalho e minimizar a perda de produtividade.”

Por fim, ela ressalta que, em uma integração, sempre haverá um grupo de profissionais aprendendo novos processos, lidando com novos sistemas. “E esse procedimento, por mais que tenha suporte e treinamento, possui uma curva de aprendizagem natural”, conclui.


 

(Publicidade/Exame)

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