Herói ou vilão: a aprovação de Mario Monti não passa de 30% (Andreas Solaro/AFP Photo)
Da Redação
Publicado em 7 de agosto de 2012 às 17h26.
Roma - Pouco tempo depois de assumir o cargo de primeiro-ministro da Itália, em novembro, Mario Monti enfrentou um de seus grandes testes públicos. Roberto Calderoli, senador eleito pela Lombardia, tomou conhecimento de que a residência oficial havia oferecido um jantar na noite de Ano-Novo e exigia esclarecimentos.
Monti, que não recebe salário pelo cargo, mandou publicar no site do governo um relatório recheado de detalhes sobre o evento. O cardápio da noite: tortellini, linguiça de porco e lentilhas. O horário em que a festa acabou: mal o relógio bateu meia-noite, os dez convidados haviam ido embora.
As despesas foram pagas pelo próprio Monti. Nenhum funcionário público trabalhou na organização — todos os pratos, lentilhas incluídas, foram preparados pela senhora Monti. Mais que uma resposta aos inquisidores da ocasião, aquele foi um recado do novo premiê. Sob Monti, a Itália seria um lugar novo — um país de prestação de contas, de seriedade, de lentilhas cozidas no fogão de casa.
Ex-reitor de universidade, antigo comissário da União Europeia em Bruxelas, Monti ocupou o vácuo político deixado por Silvio Berlusconi com a missão de fazer tudo o que seu festivo antecessor não fez. A confiança que passou a inspirar nos italianos fez ganhar no país o apelido de “Super Mario”, o famoso encanador-herói de jogos de videogame.
Embora não tenha sido eleito pelas urnas, seu governo foi recebido com índices de aprovação de mais de 70%. Seguindo a receita ditada pelo Fundo Monetário Internacional e por lideranças como a chanceler alemã Angela Merkel, Monti pôs em marcha uma série de reformas.
Em questão de semanas, ele cortou despesas, reformou o sistema de pensões, aumentou impostos. Pela coragem e vigor político, chegou a ser chamado de Margaret Thatcher do Mediterrâneo. “Monti fez mais em questão de meses do que Berlusconi em dez anos”, diz Tito Boeri, economista da Universidade Bocconi, em Milão.
Nas últimas semanas, porém, o palco político de Monti parece ter se distanciado de Roma. Tanto quanto Merkel ou o presidente francês François Hollande, Monti reivindicou um lugar na mesa de decisões de uma crise que, em diferentes medidas, suga a Itália, a Europa e o resto do mundo inteiro.
Veio de Monti a ideia de usar o fundo de resgate europeu para comprar títulos de dívida de países em apuros, como a Itália, o que acabou sendo aprovado na última reunião de líderes europeus em Bruxelas, no final de junho. A pressão italiana durante o encontro foi crucial para que os países do euro também liberassem o mesmo fundo no resgate de bancos — para a alegria dos espanhóis.
Na cúpula de Bruxelas, ainda foi acordado o lançamento de um pacote de 120 bilhões de euros para promover o crescimento econômico na região. O mesmo Monti que adotou medidas de austeridade defendidas por Merkel tinha crédito para falar da necessidade de estimular a expansão do PIB, uma das principais bandeiras do francês Hollande. “Monti é hoje o homem do meio na briga de poderes da Europa”, diz Vincenzo Scarpetta, analista político do centro de estudos Open Europe.
Não por acaso, a busca do premiê italiano por uma posição mais relevante no cenário europeu coincidiu com o momento em que seu governo enfrenta resistências internamente. Além de insuficientes para colocar a economia de volta nos trilhos, as reformas feitas na Itália até aqui exigiram sacrifícios da população.
Com a alta dos impostos sobre combustíveis, os italianos hoje pagam a gasolina mais cara do continente. Tentativas de modernizar setores da economia acabaram voltando categorias inteiras contra o premiê italiano. Em janeiro, taxistas, uma das profissões afetadas pelos projetos de estímulo à concorrência — no caso, o aumento do número de licenças —, organizaram uma greve.
Em seguida, donos de farmácias ligadas ao sistema de saúde público saíram com um protesto mais bem-humorado. Contra a abertura de 5 000 novas farmácias privadas, eles ameaçaram interromper a venda de Viagra (em março, Monti completou 69 anos de idade).
Depois de sete meses no poder, o apoio político às reformas de Super Mario encolheu. Sua popularidade também: o índice de aprovação do governo beira hoje os 30%. Em certo sentido, a situação da Itália é um dos melhores exemplos do paradoxo europeu: é urgente acertar as contas públicas e fazer reformas estruturais há décadas adiadas, mas, ao iniciar esse processo, o apoio político desmorona.
Problemas sem fim
Na Itália, o tamanho da dívida pública equivale a 120% do PIB, a segunda maior do continente, atrás apenas da grega. Em junho, antes da reunião dos líderes em Bruxelas, os juros para os títulos públicos tinham voltado a quebrar a barreira dos 6%, levando muitos a crer que a Itália poderia ser a bola da vez na crise europeia.
Sete meses depois do fim da era Berlusconi, velhos problemas da economia ficam evidentes. Uma situação que já não era boa — o país cresceu apenas 2% nos últimos dez anos — continua se deteriorando. Projeções para 2012 aparecem cada vez mais sombrias — a estimativa mais aceita fala de uma recessão de pelo menos 1,5%.
No front social, só más notícias. Nos últimos doze meses, o desemprego entre jovens subiu de 28% para 36%. Com o consumo em baixa, o mau humor vai se espalhando. Em Roma, a poucos passos do Panteão, o premiado restaurante La Rosetta, especializado em peixes do mar, introduziu recentemente no cardápio um “menu anticrise”, mais barato.
Em um ano, o movimento do restaurante caiu 10%. “Espero não precisar demitir ninguém”, diz Massimo Riccioli, chef e proprietário do La Rosetta. Desde o início deste ano, Riccioli recebeu três ofertas de venda de restaurantes vizinhos prestes a fechar as portas.
À exceção de uma mudança recente nas leis trabalhistas, que facilita para empresas a demissão de funcionários em tempos de crise, as medidas adotadas por Monti fizeram pouco para estimular o crescimento. Com poucas armas para resolver seus problemas sozinha, a Itália precisou levantar a voz no debate europeu.
“Monti fez a lição de casa e exigiu ser recompensado pela União Europeia”, diz o analista político Vincenzo Scarpetta. Os avanços nas negociações na última reunião entre os líderes europeus são tidos como uma vitória para o premiê da Itália. Ainda assim, é preciso correr.
Com a eventual volta dos velhos partidos ao poder nas eleições de 2013, a janela de oportunidades que se abriu com Monti poderá fechar. Se isso acontecer, o tempo das lentilhas preparadas no fogão de casa dará lugar, mais uma vez, aos velhos banquetes romanos. Somente pensar nessa perspectiva, certamente, causa dores de barriga em alguns líderes europeus.