Marcio Mello, da HRT: após confusão no conselho, ele renunciou à presidência da empresa (André Valentim/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 22 de junho de 2013 às 19h57.
São Paulo - Quando o geólogo Marcio Mello largou uma carreira de 24 anos na Petrobras e fundou, em 2008, a empresa de exploração de petróleo HRT, ele não queria iniciar um negócio convencional. Seu projeto era prospectar petróleo e gás em áreas absolutamente fora do radar da concorrência: a Floresta Amazônica e a Namíbia, na África.
Com esse plano, sempre apresentado de forma teatral a potenciais investidores, levantou 2,5 bilhões de reais numa abertura de capital na Bovespa, em outubro de 2010.
A extração, segundo Mello, começaria no ano seguinte. Mas, até hoje, a HRT só encontrou pequenas quantidades de gás na Amazônia, ainda não fez anúncios sobre a Namíbia e acumula prejuízo atrás de prejuízo. A perda nos últimos 12 meses foi de 430 milhões de reais. Com resultados ruins e pressionado pelos demais acionistas, Mello renunciou à presidência da empresa.
Tinha tudo para ser uma história normal, não fosse um detalhe — ou quase 20 milhões de detalhes. Mello, que já havia embolsado uma remuneração de 8 milhões de reais em dezembro (quando o prejuízo anual da empresa beirou os 300 milhões de reais), está prestes a ganhar outros 10 milhões de reais devido a uma bizarra cláusula de seu contrato de trabalho.
O rolo veio à tona na última reunião do conselho, em 10 de maio. A agenda do encontro era protocolar: aprovar o balanço do primeiro trimestre de 2013 e reeleger os diretores da empresa.
Mas, perto do fim da reunião, John Willot, presidente do conselho e braço direito de Mello, comunicou aos demais que mudanças recentes no conselho ativariam uma cláusula que previa o pagamento de uma indenização milionária à diretoria.
Segundo essa cláusula, Mello e os quatro diretores da HRT teriam o direito de receber uma bolada caso houvesse mudanças no conselho de administração e, em seguida, eles fossem demitidos ou pedissem demissão. O pacote previa 10 milhões de reais para Mello e 5 milhões de reais para cada diretor.
Como em abril houve troca de conselheiros por pressão da gestora americana Discovery, que tem 6% do capital da HRT, Willot comunicou que, dali em diante, qualquer mudança no comando da HRT renderia a Mello e a seus diretores a bolada.
A cláusula foi aprovada em janeiro pelo antigo conselho, já numa época em que Mello era pressionado pelos acionistas, insatisfeitos com a queda de 87% no valor das ações nos últimos três anos — mas, segundo pessoas próximas à empresa, ninguém conhecia o contrato em detalhes.
Munido de um parecer do advogado Francisco Müssnich, sócio do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão, Mello disse aos conselheiros, naquele mês, que não precisava expor os detalhes do pacote de indenização aos acionistas, só informar sobre sua existência — o que foi feito.
O que ninguém sabia era que qualquer mudança no conselho serviria de gatilho para a cláusula entrar em vigor — ou que a indenização valeria também em caso de renúncia, algo no mínimo inusitado, já que indenizações costumam valer apenas em caso de demissão. Para os conselheiros, os acionistas foram feitos de bobos.
Começou então um bate-boca, até que Mello deixou a sala da reunião. Ficou uns 30 minutos fora. Quando voltou, informou que renunciaria. Para completar a confusão, durante a reunião do conselho, o volume de negócios com as ações da HRT aumentou mais de dez vezes — o que levou a Comissão de Valores Mobiliários a abrir uma investigação.
Segundo pessoas próximas à HRT, os conselheiros não pretendem contestar o pacote de indenização, já que foi aprovado por parte deles. Por enquanto, Mello continua membro do conselho de administração. Em meados de maio, foi à Namíbia — e tem dito que o anúncio do potencial de exploração das bacias africanas não deve demorar (procurado, ele não quis se pronunciar).
Mello ainda é o maior acionista individual da HRT, com cerca de 7% de participação. Portanto, mesmo com a renúncia da presidência, ele tem muito a receber caso a empresa ache o petróleo que havia prometido encontrar quando vendeu ações aos investidores, em 2010 — até agora, afinal, só eles não ganharam um tostão com a HRT.