Salão de beleza do centro de pesquisa da L’Oréal no Rio de Janeiro: diversidade de produtos | Aline Massuca /
Da Redação
Publicado em 7 de junho de 2018 às 05h00.
Última atualização em 7 de junho de 2018 às 05h00.
O salão de beleza retratado na foto acima é um dos espaços do centro de pesquisas e inovação da multinacional francesa de cosméticos L’Oréal, inaugurado em outubro de 2017 no Rio de Janeiro, com investimento de 160 milhões de reais. O objetivo é testar produtos novos, como os específicos para cabelos crespos. Há quase uma década, a L’Oréal conduz pesquisas no Brasil, mas até então se limitava a adaptar a demandas locais as fórmulas criadas em outros países. “Criar produtos para a diversidade de pessoas no Brasil é uma oportunidade de desenvolver inovações para o mundo inteiro”, diz Delphine Allard, diretora de pesquisa e inovação da L’Oréal. Dos 66 tons de pele que a companhia identificou no mundo, 55 foram encontrados no Brasil. Na Índia, por exemplo, descobriu 41; na Espanha, 25. Por aqui também se vê uma grande variedade em cabelos. A empresa percorreu 22 países e só no Brasil reconheceu oito classes diferentes de fios, baseadas na forma e na curvatura. A ideia é avançar nessas nuances e lançar mais produtos específicos. No ano passado, a L’Oréal colocou no mercado as linhas Diva de Crespos e Diva de Cachos, pela marca local Niely, adquirida em 2014.
Com esse esforço, a L’Oréal está seguindo uma tendência global de consumo que vem ganhando espaço, sobretudo graças a mudanças de comportamento impulsionadas pelos integrantes da geração millennials (os nascidos entre 1981 e 1994): a inclusão de diversos públicos não apenas na hora de pensar os produtos mas também na comunicação das marcas. Entre os pilares mais citados estão a equidade de tratamento em questões referentes a gênero, idade, cor de pele, orientação sexual e presença de deficiências. É uma tendência ainda pouco aproveitada no Brasil. Segundo uma pesquisa realizada aqui com 1 814 pessoas, por meio da internet, pela consultoria Croma Marketing Solutions, e obtida com exclusividade por EXAME, 47% dos consumidores não lembram espontaneamente de nenhuma marca que promove assuntos ligados à diversidade e à longevidade. E 70% dos que lembram não acreditam que a mensagem seja genuína. “Para ser lembradas, as marcas precisam provar que são autênticas e que não há um descolamento entre o que falam e o que fazem”, diz Edmar Bulla, presidente da Croma.
A outra metade dos entrevistados que conseguiram lembrar de algum exemplo específico citou 177 marcas. A que contou com mais registros, O Boticário, foi mencionada por 16% dos participantes da pesquisa. Um indicador mostra que estar entre elas vale a pena. Quando percebem que as marcas atendem de alguma forma à diversidade e à longevidade, 45% das pessoas dizem que passam a comprá-las e 51% a recomendá-las. Entre as mais citadas, 44% são de produtos de beleza, em que as mudanças de hábitos acabam sendo literalmente mais visíveis. Na ferramenta Google Trends, uma escala de zero a 100 mede a popularidade entre os termos mais buscados. De 2007 a 2017, o interesse por “cabelo natural” no Brasil subiu de 11 para 74 pontos na escala.
No caso da marca O Boticário, a mais lembrada espontaneamente, assumir uma posição clara parece ter ajudado a fixar um registro na memória das pessoas. Numa propaganda em TV aberta e na internet para o Dia dos Namorados em 2015, a companhia ilustrou dois casais homossexuais. A campanha gerou alvoroço nas redes sociais e mais de 500 reclamações ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, todas julgadas improcedentes. Ao mesmo tempo, outro lote da ordem de 500 mensagens ao conselho expressava apoio aos anúncios. Na época, O Boticário reafirmou em nota apoiar as diferentes formas de amor. Nos anos seguintes, celebrou diferentes padrões de família ao falar sobre adoção e a relação entre enteados, padrastos e madrastas. “Temos nos esforçado para mostrar que a diversidade é algo normal”, diz Alexandre Bouza, diretor de marketing e comunicação do Boticário.
Incorporar perfis variados de modelos também tem tocado num ponto sensível para a indústria de cosméticos: tratar o envelhecimento como algo natural. Para divulgar a reformulação de uma linha de cosméticos, a Natura — segunda marca mais lembrada no estudo da Croma — veiculou em 2016 uma campanha que mostrava mulheres de 11 a 73 anos de idade. O discurso questionava o preconceito contra a velhice. Com vários exemplos, como assumir um romance depois de terminar um casamento de 30 anos, afirmava que nunca é tarde para fazer qualquer coisa que se deseje. A Natura mostra em sua comunicação mulheres reais no lugar de modelos há mais de 20 anos. “Incentivar a aceitação fortalece a autoestima”, diz Maria Paula Fonseca, diretora global da marca Natura. Nesse sentido, algumas marcas têm buscado envolver os clientes ativamente na comunicação. Na mesma vertente da longevidade, a fabricante de alimentos Nestlé convidou, em 2017, seus seguidores nas redes sociais a contar histórias de amor longevas, ou que começaram após os 50 anos de idade. Depois, gravou vídeos com os depoimentos mais emocionantes para divulgar sua marca de suplementos alimentares.
Entre as diversas maneiras de incorporar a diversidade ao discurso, uma das mais radicais é engajar-se numa causa. A fabricante de alimentos Pepsico fez isso em 2017, ao lançar um salgadinho Doritos na embalagem com as cores do arco-íris, uma alusão à causa LGBT. Colocou o produto à venda na internet pelo preço de 20 reais — e destinou todo o lucro para um centro de acolhimento de LGBTs que são expulsos de casa pela própria família. Em 2018, a Pepsico ampliará o programa para outras cinco instituições e treinou profissionais para a entrega de salgadinhos durante a Parada do Orgulho LGBT em São Paulo no dia 3 de junho. Há três anos a cerveja Skol, da fabricante de bebidas Ambev, patrocina o evento. Neste ano, a companhia decidiu lançar uma campanha aberta a outras empresas, com o intuito de doar dinheiro para ONGs ligadas à causa. A ideia surgiu depois de descobrir que 20% do público que frequenta a Parada LGBT é de heterossexuais. Entre as empresas que aderiram ao movimento chamado Marcas Aliadas estão a rede de lanchonetes Burger King, a fabricante de bens de consumo Mondeléz (com as marcas Bis e Trident), o banco Itaú e a rede de hotelaria AccorHotels.
A consistência — ou esvaziamento —da comunicação é percebida pelos consumidores. Na pesquisa, somente 28% afirmaram que as empresas são genuínas ao tratar de diversidade e longevidade. “Para as empresas sérias é um dilema permanente ser percebida como uma marca comprometida e não apenas com discurso oportunista”, diz Caio Magri, presidente do Instituto Ethos, especializado em responsabilidade corporativa. Uma das maneiras de demonstrar comprometimento é manter uma estratégia constante e não apenas fazer ações pontuais. A fabricante de eletrônicos Samsung usa a superação como fio condutor de sua comunicação. Desde 2006, patrocina a Olimpíada e a Paralimpíada, dedicando investimentos equivalentes para ambas. Na Rio 2016, publicou vídeos de atletas com deficiência convidando todos os espectadores a desafiar barreiras. No ano seguinte, desenvolveu uma tecnologia para que pessoas com deficiência auditiva assistam a peças de teatro sem a necessidade de intérprete de libras, por meio de um sistema que produz legendas em tempo real, projetadas nos óculos de realidade virtual. Desde março de 2018, a marca fala de bullying numa série de três vídeos veiculados na internet e em salas de cinema de São Paulo. Nessa série, Tite, técnico da seleção brasileira de futebol, treina crianças preteridas por colegas e fala sobre a importância de acreditar no próprio potencial. “A continuidade constrói nossa credibilidade”, diz Andréa Mello, diretora de marketing corporativo e eletrônicos da Samsung no Brasil. Para evitar errar o tom, a Samsung veicula os vídeos primeiramente para grupos segmentados. Uma série sobre empreendedoras, gamers e cientistas foi mostrada em primeira mão para as mulheres. Só depois desse crivo foi aberta a todos os públicos. Os três vídeos registram juntos mais de 20 milhões de visualizações desde 24 de abril.
Assumir riscos é parte da jornada das marcas que se engajam com causas. Mesmo consistentes, as empresas podem sofrer ataques de todo tipo — sobretudo por quem tem opiniões contrárias. A fabricante de bebidas Coca-Cola foi uma das primeiras a retratar negros como protagonistas em anúncios em 1955, em apoio à igualdade de direitos civis nos Estados Unidos. De lá para cá, continuou inserindo diversos perfis de pessoas em sua comunicação. Mas, em dezembro de 2017, ao colocar fotos de cantores brasileiros nas embalagens, a Coca-Cola recebeu críticas de consumidores e comerciantes pela presença da drag queen Pabllo Vittar. Os executivos da marca decidiram não responder aos comentários na internet e foram amparados pelo apoio espontâneo de fãs. “Queremos estimular a discussão e a reflexão”, diz Javier Rodriguez, vice-presidente de marketing da Coca-Cola Brasil. O discurso sobre o tema está tão em alta que qualquer um que se aproprie indevidamente de termos ligados às causas pode se dar mal. A fabricante de papéis Santher lançou em outubro de 2017 um papel higiênico na cor preta, com a marca Personal, para o segmento de luxo, com o slogan “Black is beautiful” (“Preto é bonito”, na tradução literal do inglês). Cinco dias depois, um ativista condenou o uso da frase, símbolo da luta racial nos Estados Unidos. Um post no Facebook resultou em 4 000 compartilhamentos instantâneos. No dia seguinte, a Santher pediu desculpas e retirou a frase de todas as mídias.
O clamor nas redes sociais também pode servir de inspiração para as empresas. Foi assim que o time de analistas da fabricante de bens de consumo Johnson & Johnson percebeu em março de 2017 que clientes questionavam o fato de a marca não mostrar bebês com síndrome de Down em seus comerciais. A empresa acatou a sugestão e, em quatro semanas, veiculou a primeira publicidade na TV e na internet a retratar um bebê com a síndrome como protagonista. Em 48 horas, a campanha, alusiva ao Dia das Mães, teve alta repercussão e chamou a atenção da matriz da multinacional nos Estados Unidos, que decidiu também divulgar o vídeo. Em apenas seis dias, o comercial impactou 9 milhões de pessoas no mercado americano e foi assistido pela internet por mais de 20 milhões de brasileiros. “Ajudamos a dar voz a um grupo que não se sentia representado”, diz José Cirilo, diretor de marketing da divisão de consumo da Johnson & Johnson. A estratégia coincidiu com a iniciativa global de medir a diversidade entre os funcionários.
Contratar pessoas com perfis diversos é uma maneira de trazer para dentro a visão de mundo e o conhecimento de públicos variados, algo que pode gerar benefícios diretos na hora de se comunicar melhor com todos eles. A fabricante de cosméticos Avon contratou 255 negras entre setembro de 2016 e junho de 2017 para a função de gerente de setor, responsável por coordenar as revendedoras. “Aumentamos em 30% a representação de negros para ser mais fiéis à realidade brasileira”, diz Marise Barroso, vice-presidente de marketing da Avon. A marca recentemente ampliou a oferta de produtos, como maquiagem para peles negras. Não é à toa. Dos quase 210 milhões de brasileiros, 55% se declaram pretos ou pardos. Há mais de dez anos a empresa de software alemã SAP tem executivos dedicados exclusivamente a garantir diversidade entre os funcionários. Em 2013, lançou um programa para contratar pessoas com autismo. “São profissionais geralmente muito atentos a detalhes, com uma capacidade superior de concentração, de memória e de encontrar erros, perseverantes em tarefas repetitivas”, diz Marcelo Vitoriano, diretor-geral no Brasil da Specialisterne, consultoria global especializada em autismo. A empresa ajuda a SAP na seleção, no treinamento e no acompanhamento de 138 funcionários, 12 deles no Brasil, como o estagiário Denis Sakuma, que tem entre suas tarefas checar a acuracidade das informações sobre os clientes. “Ter na empresa pessoas com diferentes jeitos de pensar nos ajuda a fazer produtos melhores”, diz Stefan Ries, diretor global de RH da SAP. Mais de 90% dos softwares da SAP são adaptáveis para atender às demandas de pessoas com “diferentes eficiências” — termo que a companhia usa no lugar de “deficiências”. Um exemplo é a leitura em áudio para cegos. No Google, tem havido um esforço para contratar e ao mesmo tempo desenvolver produtos para atender às necessidades especiais. Cerca de 15% da população mundial, o equivalente a mais de 1 bilhão de pessoas, vive com algum tipo de deficiência. No Brasil, são quase 13 milhões de pessoas com deficiência visual, auditiva, motora ou intelectual, número que deverá aumentar à medida que as pessoas viverem mais. De olho no próximo bilhão de clientes, o Google montou um setor de engenharia dedicado a estudar acessibilidade. A equipe é consultada pelos times de inovação e também lança as próprias criações. Em março, a atualização dos mapas do Google incluiu rotas acessíveis a cadeiras de rodas em cidades como Londres e Tóquio. Lançado em maio, outro aplicativo para celular reconhece objetos e pessoas e traduz as informações em som para deficientes visuais. “Diversidade é uma vantagem estratégica”, diz Daniel Borges, gerente de atração de talentos para a América Latina do Google. Para muitas empresas, é bem mais que uma questão de imagem.