Revista Exame

A humanidade está mais velha e mais pobre

Após o estouro da crise econômica nos Estados Unidos e nos países europeus, ficou evidente que a longevidade nem sempre significa maior qualidade de vida para os idosos

Itália: os idosos são 20% da população e, como ocorre em outros países da Europa, estão empobrecendo (Roberto Serra/Iguana Press/Getty Images)

Itália: os idosos são 20% da população e, como ocorre em outros países da Europa, estão empobrecendo (Roberto Serra/Iguana Press/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 15 de março de 2013 às 18h25.

São Paulo - O debate sobre o envelhecimento da população mundial costuma partir de uma premissa errada. Muitas vezes, trata-se o tema como um problema. O aumento da expectativa de vida é uma das maiores conquistas da humanidade. Hoje, a população mundial vive, em média, 69 anos, 18 a mais do que na década de 60 do século passado.

Na Alemanha, a expectativa de vida das mulheres subiu de 45 anos, em 1900, para 82, hoje. Além de viver mais, as pessoas estão vivendo mais tempo com boa saúde.

Tudo isso é positivo, mas impõe novos desafios: do planejamento financeiro na esfera pessoal — os trabalhadores precisam poupar mais — a reformas previdenciárias realizadas por governos para evitar o estouro das contas públicas. E é aí que cessam as boas notícias — e começam os problemas.

Nos países ricos, a necessidade de repensar a situação do que se convencionou chamar de terceira idade ficou ainda mais clara desde a eclosão da crise de 2008. Nos Estados Unidos, o número de pessoas acima de 65 anos em situação de pobreza aumentou 15% nos últimos anos.

Metade dos americanos que se aposentam hoje é obrigada a baixar o padrão de vida, diz um estudo da Universidade de Boston. Nos anos 80, para efeito de comparação, o indicador estava na casa dos 30%.

Para piorar a situação ainda mais, a crise financeira vivida pelo país nos últimos anos diminuiu em mais de 10% a renda média dos cidadãos que têm entre 55 e 65 anos. Esses americanos às vésperas da aposentadoria já são chamados de geração espremida. Têm de auxiliar financeiramente os pais, já muito idosos, e os filhos, que estão sofrendo com a falta de oportunidades no mercado de trabalho. 

Nem mesmo os idosos da Alemanha, o motor da economia europeia, estão imunes ao risco do empobrecimento. Dados recentes revelam que cerca de 400 000 aposentados do país não conseguem arcar com os custos de um asilo — número que aumenta 5% a cada ano. Diante da falta de opções, muitos idosos alemães têm se transferido para países do Leste Europeu, como Eslováquia e Bulgária.

Nos países mais afetados pela crise, como Grécia e Espanha, a taxa de idosos abaixo da linha de pobreza já chega a 27%. Em abril do ano passado, o aposentado Dimitris Christoulas, de 77 anos, chocou o mundo ao se suicidar na praça Syntagma, o grande palco de manifestações em Atenas.

Deixou a mensagem de que preferia morrer a ter de mendigar por comida. O dado mais recente indica um aumento de 40% no número de suicídios na Grécia, a maior parte deles envolvendo pessoas com mais de 50 anos. De certa forma, a crise colocou em evidência o fato de que as políticas destinadas aos idosos estão ultrapassadas. 


Nesse debate, Taro Aso, ministro das Finanças do Japão, e François Hollande, presidente da França, escolheram caminhos tortos e irresponsáveis. Em janeiro, o japonês teve a coragem de sugerir que o governo “desse condições para que os idosos morram rapidamente”, como uma forma de diminuir a pressão fiscal do sistema de saúde.

O político francês, justiça seja feita, não chegou a esse ponto. Mas logo após assumir a Presidência, no ano passado, reduziu a idade mínima de aposentadoria de 62 anos para 60 anos.

“Estamos no século 21 tentando resolver os problemas sociais com armas do século 19, quando o alemão Otto von Bismarck criou o primeiro sistema de previdência”, diz Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa de Envelhecimento e Ciclo de Vida da Organização Mundial da Saúde, e atual­ presidente do Centro Internacional da Longevidade, no Brasil.

A decisão de Hollande foi saudada por seus eleitores, mas o próprio governo reconhece que o déficit da previdência foi anabolizado. Em cinco anos, deverá pular de 14 bilhões de euros para quase 19 bilhões. O gasto médio com previdência na União Europeia é de 10% do PIB.  Existem casos como o da França e o da Itália em que o gasto chega a 14%. 

No fim, estaremos trabalhando?

Alguns países da Europa, onde a cada ano 2 milhões de pessoas ultrapassam a barreira dos 60 anos, já acordaram para o problema. A Holanda anunciou recentemente que a partir de 2023 só poderão se aposentar cidadãos com mais de 67 anos, mesma idade adotada na Alemanha, que tenta agora elevar a linha de corte para 69 anos.

Além de aumentar a idade mínima, vários governos estudam formas de incentivar as empresas a abandonar as aposentadorias compulsórias e contratar idosos. Até recentemente, para cada dez pessoas que entravam no mercado de trabalho mundial, uma se aposentava. Nos próximos 40 anos, se as leis não forem alteradas substancialmente, a proporção será de um para um.

A parcela de idosos da população mundial, um grupo de cerca de 500 milhões de pessoas hoje, deve chegar a 1,5 bilhão em 2050. Nos países ricos, a expectativa de vida vem crescendo desde 1840 a uma taxa constante de cerca de dois anos e meio a cada década.

Na maioria dos países em desenvolvimento, a expectativa de vida está aumentando, nas últimas décadas, numa velocidade ainda maior, aproximando-se da média dos países desenvolvidos. Mas há uma grande diferença.


As nações ricas tiveram mais tempo para planejar a velhice de seus cidadãos. Na França, o aumento do número de idosos com mais de 65 anos em relação à população total levou mais de 100 anos para passar de 7% para o patamar atual, de 17%. Os países em desenvolvimento terão de se preparar  num prazo muito mais curto.

“Além do aumento substancial no número de idosos, vários países emergentes, como China e Brasil, vão enfrentar índices de natalidade cada vez mais baixos”, diz Anthony Webb, pesquisador do Centro de Pesquisas para Aposentadoria da Universidade de Boston. Nesse sentido, não há muito espaço para otimismo: se os idosos estão sofrendo nos países ricos, é de imaginar quão dura será a vida dos velhos em países bem mais pobres.

Para escapar da armadilha da velhice na pobreza, a humanidade terá de voltar no tempo. Há um século, 75% dos idosos dos Estados Unidos e da Europa trabalhavam.

O desafio de paí­ses em diferentes estágios de desenvolvimento hoje é elevar a idade de aposentadoria sem que isso queira dizer trabalhar até o fim da vida ou exercer atividades não indicadas para idosos. Do ponto de vista das contas públicas e das finanças pessoais, essa é a melhor receita para um final feliz.

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