Palácio Gyeongbokgung, em Seul: o modelo econômico que fez a Coreia do Sul deslanchar está em xeque (The Yomiuri Shimbun/AP Images/Glow Images/Divulgação)
Filipe Serrano
Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 05h00.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h13.
A Coreia do Sul vive uma encruzilhada. O país é um dos maiores exemplos de sucesso econômico da segunda metade do século 20. Saiu de uma situação de pobreza nos anos 60 e enriqueceu em pouco mais de três décadas.
Hoje, os sul-coreanos podem dizer que vivem num seleto grupo de países que são, ao mesmo tempo, ricos e populosos — aqueles que têm uma renda per capita acima de 20 000 dólares e mais de 50 milhões de habitantes. Somente outros seis estão nesse patamar: Estados Unidos, Alemanha, Japão, Reino Unido, França e Itália. Agora, se o país rompeu a barreira do desenvolvimento, ele enfrenta outros desafios.
O primeiro é o rápido envelhecimento da população. A taxa de natalidade é de 1,1 filho por mulher, a menor do planeta e bem abaixo da taxa necessária para manter o número de habitantes estável, de 2,1. Por causa disso, a tendência é que a população comece a encolher. Os especialistas estimam que 2017 tenha sido o último ano em que houve crescimento do número de pessoas em idade ativa — entre 15 e 64 anos.
A partir de agora, ele deve cair. Para a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Coreia do Sul é o país que vai envelhecer mais rapidamente nas próximas décadas. Atualmente, 26 de cada 100 habitantes têm mais de 60 anos. Até 2050, a proporção será de 41 para 100 — a segunda maior do mundo, atrás apenas do Japão. A Coreia do Sul ficou rica, e hoje seus problemas são cada vez mais parecidos com os do Primeiro Mundo.
As mudanças demográficas têm dois tipos de consequência para a economia. Em primeiro lugar, quanto menor o número de trabalhadores, menor o crescimento do PIB no longo prazo. Isso já vem ocorrendo. Entre 2001 e 2005, a economia sul-coreana cresceu, em média, 4,7% ao ano. Já entre 2011 a 2015 o ritmo caiu para 3%.
A tendência é que a desaceleração continue. Com isso, será mais difícil continuar enriquecendo. O temor é que isso leve a uma estagnação ou até a uma queda na renda per capita. “Assim como ocorreu no Japão, a demanda doméstica na Coreia do Sul deverá ser cada vez menor”, diz o coreano Young Sun Kwon, economista sênior do banco japonês Nomura.
O segundo problema do envelhecimento é o aumento dos gastos públicos com saúde, assistência social e aposentadorias. A situação da Previdência no país não chega a ser tão grave quanto no Brasil, mas também há problemas. As aposentadorias são baseadas num fundo de pensão público criado em 1988 que usa os rendimentos das contribuições para pagar os benefícios aos aposentados.
Hoje, esse fundo administra 554 bilhões de dólares, o que faz dele o terceiro maior fundo de pensão do mundo. Até agora, as contribuições excederam as retiradas, mas a previsão é que isso se inverta em 20 anos. Se nada for feito, o fundo se esgotará em 2060.
É uma situação que prejudica as finanças e os idosos. Como é comum em muitos países, a aposentadoria não é suficiente para garantir o sustento, e grande parte dos idosos consumiu as economias investindo na educação dos filhos. As novas gerações, por sua vez, não conseguem sustentar os pais por causa do custo de vida elevado. O resultado é que quase metade dos sul-coreanos acima de 65 anos está abaixo da linha de pobreza — bem acima da média dos países da OCDE. O governo combate a pobreza na velhice ampliando os programas sociais.
Um deles é uma espécie de bolsa-idoso, que garante uma renda mensal de 178 dólares para aposentados de baixa renda. Até 2020, o valor deverá aumentar para 279 dólares (883 reais). Hoje, 4,8 milhões de pessoas — ou 66% da população acima de 65 anos — recebem o benefício. A meta do governo é chegar a 70%. Para cobrir os gastos, o governo do presidente Moon Jae-in, de centro esquerda, aumentou os impostos para empresas e pessoas físicas de renda mais alta.
Aumento de custos
Também faz parte do pacote social um recente aumento do salário mínimo. No dia 1o de janeiro, o valor subiu 16% de uma só vez: passou de 6,60 dólares por hora para 7 dólares. O plano do governo é chegar a 9,30 dólares até 2020. A medida busca elevar os rendimentos da população de baixa renda, incluindo os idosos, e também estimular o consumo. “Os sul-coreanos são conservadores e não gostam de ampliar os gastos públicos.
Mas o endividamento do país é tão baixo, de apenas 38% do PIB, que muitos economistas, incluindo do Fundo Monetário Internacional, dizem que a Coreia do Sul deveria gastar mais”, diz Scott Seaman, diretor para a Ásia da consultoria Eurasia. Os empresários pensam diferente. Numa pesquisa recente da Associação Coreana de Micro e Pequenas Empresas, 42% dos executivos entrevistados disseram que terão de fazer demissões por causa do novo salário mínimo. Comerciantes da capital, Seul, já começaram a fazer cortes e instalaram caixas automáticos em suas lojas.
Uma escalada nos custos também prejudica o principal motor da economia: as exportações. A venda de produtos, como carros e eletrônicos, para o exterior representa 42% do PIB. Com salários e impostos em alta, existe o risco de a indústria perder competitividade justamente no momento em que enfrenta uma concorrência cada vez mais acirrada de companhias chinesas. No fim de 2017, a chinesa Xiaomi se tornou a maior fabricante de smartphones da Índia, tomando o lugar que era ocupado pela sul-coreana Samsung há seis anos.
A concorrência não é a única preocupação externa. A economia também é amea-çada pelo protecionismo do outro lado do Pacífico. Em janeiro, os Estados Unidos impuseram uma tarifa de importação de até 50% para máquinas de lavar, uma medida voltada principalmente para a Coreia do Sul.
Em resposta, o país abriu uma queixa formal contra os Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio. A guerra das máquinas de lavar surgiu em meio a uma renegociação do acordo comercial entre os dois países, assinado no governo de George W. Bush, e muito criticado pelo presidente Donald Trump.
Não será fácil atravessar esse labirinto cheio de obstáculos. Na briga pelos mercados internacionais, as empresas sul-coreanas têm de melhorar a eficiência e reduzir custos.
Portanto, a Coreia do Sul não pode mais depender dos grandes conglomerados do país — como Samsung, Hyundai, SK e LG — para gerar empregos e aumentar a renda da população, como nos anos 80 e 90. Num estudo publicado em novembro, economistas do Fundo Monetário Internacional sugerem que o país busque um novo modelo de crescimento, com maior participação das pequenas e médias empresas na economia.
Mas, para isso, é preciso fazer reformas a fim de incentivar o livre mercado e o empreendedorismo, estabilizar o custo de vida e ampliar os programas sociais.
“É possível que esse redirecionamento leve a um grande desperdício de recursos, inclusive de dinheiro público”, diz o economista Moon Hwy-Chang, professor na Universidade Nacional de Seul e autor do livro The Strategy for Korea’s Economic Success (“A estratégia para o sucesso econômico da Coreia”, numa tradução livre).
O temor é que um aumento excessivo nos gastos do governo deixe a economia sul-coreana cada vez mais parecida com a japonesa, que tem o maior nível de endividamento do mundo (249% do PIB) e sofre há quase três décadas com a estagnação. São, bem entendido, problemas bem diferentes dos nossos.
A Coreia, assim como o Japão, é uma nação que já chegou lá: faz parte do punhado de países desenvolvidos. Mas seus desafios econômicos são uma lembrança que o sucesso tem de ser conquistado a cada dia. A Coreia pode, de novo, ser um exemplo para o mundo emergente.