Revista Exame

Com equipes integradas, diretores tornam-se mais que vizinhos

Com cada vez mais equipes compostas de profissionais de várias áreas nas empresas, os diretores têm de trabalhar juntos e não só lado a lado

Os diretores da EDP Luis Gouveia e Fernanda Pires:   equipes multifuncionais (Germano Lüders/Exame)

Os diretores da EDP Luis Gouveia e Fernanda Pires: equipes multifuncionais (Germano Lüders/Exame)

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Aline Scherer

Publicado em 11 de outubro de 2018 às 05h46.

Última atualização em 11 de outubro de 2018 às 05h46.

Uma experiência nova vem mudando a rotina de dois diretores da multinacional de energia elétrica  EDP no Brasil neste ano. Desde janeiro, os executivos Luis Gouveia, diretor de transformação organizacional, e Fernanda Pires, diretora de recursos humanos, passaram a trabalhar com equipes e objetivos conjuntos. Eles comandam o andamento de 35 projetos que abordam oportunidades de melhoria de processos e criação de serviços em toda a companhia. A missão de ambos, além de identificar essas prioridades junto aos demais diretores, é negociar com os pares a cessão de profissionais especialistas em diversos temas importantes para a conclusão daquela determinada tarefa. Ao fim de 15 dias, o grupo se dissolve e tem a missão de apresentar uma conclusão — seja o protótipo de um novo produto, seja um novo processo.

Até agora cinco projetos foram concluídos nesse modelo, e três estão em andamento. Um deles diz respeito à redução de acidentes fatais nas linhas de energia e envolve desde um analista de dados da área de tecnologia até um gerente da área de distribuição. A ideia é ampliar a formação de times multidisciplinares para acelerar a mudança e a velocidade das decisões. A depender dos resultados, o modelo de trabalho pode se espalhar para as outras 14 operações da companhia portuguesa pelo mundo. “Ao contrário do que acontece nas estruturas hierárquicas tradicionais,  no novo formato os times têm bastante autonomia”, diz Fernanda. “Nós não damos a palavra final no projeto e levamos as conclusões para outros gestores decidirem o que fazer a seguir.”

O trabalho conjunto de Gouveia e Fernanda ilustra uma tendência nas companhias em todo o mundo. Uma recente pesquisa da consultoria Deloitte sobre gestão de pessoas, realizada com 11 000 executivos e profissionais de todos os setores em 124 países, concluiu que a integração do topo da hierarquia é a principal urgência para 85% dos entrevistados. No Brasil é o segundo ponto mais crítico, para 91% dos ouvidos, quase empatado com o primeiro: o equilíbrio entre vida pessoal e profissional (veja quadro). A prioridade vem da necessidade de refletir uma integração que já avança em nível operacional, com o surgimento de times multidisciplinares para a condução de projetos, inspirados no estilo de trabalho ágil das startups do Vale do Silício.

O levantamento da Deloitte constatou que as empresas nas quais os executivos trabalham com alto nível de colaboração entre si crescem 10% ou mais por ano. Mas essa ainda é uma realidade distante para a maioria: 73% dos respondentes dizem que raramente, ou nunca, atuam em conjunto com os pares em projetos ou iniciativas. E menos da metade se sente preparada para mudar. “A abordagem colaborativa, com decisões compartilhadas sobre os mesmos temas, já é realidade entre muitos times de gerentes, mas continua um desafio no topo das organizações”, diz Kelly Ribeiro, sócia da área de gestão de pessoas da Deloitte no Brasil.

Um dos entraves está no modelo tradicional da hierarquia, que favorece a centralização de poder. As diretorias pressupõem certa soberania sobre equipes daquela determinada área e decisões relativas àquele tema. No modelo tradicional, os projetos caminham pelas diversas áreas envolvidas, aguardando os trâmites e as aprovações de cada uma delas antes de passar para a próxima. Resultado: decisões lentas e mais retrabalho, já que não raramente a decisão tomada de modo isolado numa área se prova inexequível na vizinha. O novo modelo pressupõe a formação de times temporários, com autonomia para dar a palavra final sobre o objetivo proposto. Abrir mão de poder — seja sobre a própria equipe, seja sobre decisões —, portanto, é fundamental. No Brasil, há um obstáculo adicional para que a mudança ocorra sem sobressaltos. “Os líderes brasileiros em geral tendem a ser autoritários”, diz a especialista em comportamento organizacional e consultora Betania Tanure, com base numa série de estudos. No mais recente deles, realizado em julho, Betania ouviu 341 executivos sobre o que atrasa as mudanças necessárias em suas empresas. Excesso de burocracia, centralização de poder, conservadorismo e comunicação falha — nessa ordem — foram as respostas mais recorrentes.

Para enfrentar esse ponto, o comando brasileiro da varejista francesa de materiais de construção Leroy Merlin decidiu iniciar um treinamento para a liderança depois de introduzir em 2015 os times multifuncionais. Um exemplo do novo formato de operação está no projeto de integração dos canais de venda, que passou a permitir a retirada na loja de um produto comprado online.  O projeto envolve profissionais de áreas como finanças e gestão de fornecedores e é liderado pelo diretor de internet, que nesse tema se reporta ao diretor de marketing. No novo modelo, os funcionários deixaram de atender somente um chefe, uma área ou um departamento.

Em 2017, dois anos depois de começar a implementar o novo formato de trabalho, a Leroy Merlin iniciou um processo de desenvolvimento de seus 100 diretores. O programa dura seis meses e consome até 200 horas, com sessões de coaching, mentoria, treinamentos e leitura de uma bibliografia compulsória. “Precisamos que os executivos desapeguem de cargo, território e poder”, diz Weber Niza, diretor de RH da Leroy Merlin no Brasil.

Niza (à dir.), diretor da Leroy Merlin, entre seus pares: treinamento para mudar estilo da liderança | Germano Lüders

Além de abrir mão de poder, os diretores passam a ter o papel de criar condições para que os times atuem com agilidade. No caso da EDP, duas medidas práticas foram tomadas para isso. A primeira foi a decisão de deixar que os funcionários envolvidos nas equipes multifuncionais pudessem se dedicar exclusivamente a elas no período de realização dos projetos. Outra foi simplificar processos rotineiros para abrir espaço para mais projetos estratégicos. Um exemplo: a revisão reduziu o tempo de remanejamento de funcionários de área de 30 para dez dias.

SEM RADICALISMO

Ao adotar novos formatos de trabalho, algumas empresas foram mais radicais na eliminação de hierarquias. O caso mais emblemático é o da Zappos, do grupo Amazon, que em 2013 substituiu 150 departamentos por 500 redes para aumentar a colaboração. Embora a meta tenha sido cumprida, o sistema gerou confusão e culminou na evasão de 29% dos funcionários. Em 2016, pela primeira vez depois de oito anos, a Zappos saiu do ranking das 100 melhores empresas para trabalhar nos Estados Unidos, publicado pela revista Fortune.

Para John Kotter, guru de transformação organizacional há mais de 20 anos e professor de recursos humanos na escola de negócios da Universidade Harvard, o mundo atual dos negócios exige a soma dos modelos de hierarquia e gestão em redes — e não a substituição de um pelo outro. “As redes aumentam a agilidade, adaptando a empresa mais rapidamente às mudanças de mercados ou novas concorrências”, disse Kotter em artigo recente publicado no site de sua consultoria. “O problema é quando as empresas tentam substituir totalmente a hierarquia por redes.”

De acordo com David Snowden, especialista em complexidade e gestão do conhecimento e diretor científico da consultoria britânica Cognitive Edge, com sede na Singapura, para mudar rapidamente é preciso alterar as interações das pessoas. Numa aula magna sobre como líderes podem mudar a cultura da empresa por meio de pequenas ações, na Universidade Bangor, do País de Gales, Snowden disse: “As pessoas gostam de ficar em silos. Então, em vez de derrubá-los, é melhor centrar foco em conectar as pessoas e os silos”. 

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