Revista Exame

Mais aposentados trabalham após os 65 anos (e são felizes também)

Cada vez mais aposentados estão descobrindo que não é preciso viver na praia para ser feliz depois dos 65. Saiba como chegar lá

Mick Jagger e os Rolling Stones: símbolos de uma era em que o trabalho pode avançar velhice adentro (Olivia Harris/Reuters)

Mick Jagger e os Rolling Stones: símbolos de uma era em que o trabalho pode avançar velhice adentro (Olivia Harris/Reuters)

GN

Giuliana Napolitano

Publicado em 19 de janeiro de 2017 às 17h07.

Última atualização em 19 de junho de 2017 às 18h31.

São Paulo — Quando tinha 30 e poucos anos, o roqueiro Mick Jagger disse que preferia estar morto a cantar Satisfaction, um dos maiores sucessos de sua banda, os Rolling Stones, quando tivesse 45 anos. Era a década de 70 e, na época, britânicos como ele viviam, em média, até os 72 anos — ou muito menos do que isso se estivessem à base de drogas e rock’n’roll. Passar dos 40 era sinônimo de começar a envelhecer, e parecia ridículo subir aos palcos e dar uma de rebelde nessa idade.

Jagger completou 73 anos em julho e, desde então, cantou Satisfaction em três shows. Também foi pai pela oitava vez — seu filho com a bailarina Melanie Hamrick, que tem 29 anos, nasceu no início de dezembro em Nova York. Ele ainda tem cinco netos e um bisneto. Em outubro, quando tocou ao lado de senhores como Paul McCartney (74 anos) e Bob Dylan (75), Jagger fez piada com a multidão que se aglomerava no festival de Coachella, na Califórnia: “Bem-vindos à casa de repouso de Palm Springs!”- Ele estava trabalhando, e estava adorando.

Mick Jagger acabou se tornando um dos expoentes de um fenômeno vivido por pessoas de diferentes origens e profissões ao redor do mundo. Nunca houve tantos engenheiros, publicitários, médicos, administradores, donos de empresas de todos os tamanhos, jornalistas e artistas trabalhando aos 70, 80 e até 90 anos. Parte deles está na ativa porque precisa do dinheiro, mas há quem trabalhe simplesmente porque gosta. Gente que poderia viver de viagem em viagem, passar os dias lendo, na praia ou fazendo cursos de história da arte, mas prefere continuar no mercado.

“Não dá para ficar em casa de pijama. Não quero morrer enquanto estou vivo”, afirma Jaques Lewkowicz, publicitário e um dos fundadores da agência Lew’Lara, que vendeu em 2013, quando tinha 69 anos. Logo depois de se aposentar, Lewkowicz passou alguns meses como estagiário no site de buscas Google no Brasil, onde ganhava cerca de 5 000 reais. Também fez cursos de cinema nos Estados Unidos e, hoje, prepara-se para produzir um curta-metragem em parceria com o filho, que é produtor de filmes.

Há muitos exemplos conhecidos nessa linha. O bilionário Abilio Diniz tornou-se um dos maiores acionistas da rede francesa de varejo Carrefour em 2015, quando tinha 78 anos. Lázaro Brandão, que preside o conselho de administração do Bradesco aos 90 anos, dá a palavra final em todas as decisões relevantes do banco.

O americano Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo, tem 86 anos e, até hoje, ninguém sabe quem vai sucedê-lo no comando da Berkshire Hathaway, sua empresa de investimentos que tem um histórico invejável de retornos. Seu sócio na companhia de alimentos Heinz é Jorge Paulo Lemann, o brasileiro mais rico, com um patrimônio de 28 bilhões de dólares — e 77 anos.

Até pouco tempo atrás, o aumento da longevidade era visto mais como um risco — uma bomba capaz de destruir as finanças públicas de qualquer país — do que como uma mudança positiva. Mesmo do ponto de vista pessoal, havia quem afirmasse que viver muito cria problemas, porque o dinheiro pode acabar cedo demais. “As pessoas não estão apenas vivendo mais, estão vivendo melhor, e isso gera oportunidades”, diz Maurizio Bussolo, economista do Banco Mundial.

Para alguns estudiosos, com os incentivos corretos, os países podem ganhar com o chamado terceiro dividendo demográfico, que acontece quando a população acima dos 65 anos cresce mais do que a média e, em vez de ficar jogando baralho, continua trabalhando, pagando impostos, em suma, contribuindo para a economia.

Estima-se que, apenas com trabalho voluntário e atuando como cuidadores informais de cônjuges e netos, os idosos contribuam anualmente com cerca de 200 bilhões de dólares para a economia de Estados Unidos e Reino Unido. Aqui, o tema ganhou relevância no fim do ano passado, quando o governo enviou ao Congresso a primeira versão da tão aguardada — e temida por alguns — reforma da Previdência.

Se passar pelo Congresso, será dificílimo ver jovens de 50 anos aposentados, como acontece hoje, o que é vital para equilibrar as finanças públicas. Para quem estava contando com esse dinheiro, porém, é hora de refazer as contas, como já vem acontecendo em muitos países.

Pesquisas mostram que os jovens já começam a se preparar para trabalhar por muito mais tempo — ou, pelo menos, a considerar essa possibilidade. Segundo um estudo da consultoria de recursos humanos ManpowerGroup, feito com jovens de 20 a 34 anos em 18 países, 12% dos entrevistados dizem que vão trabalhar para sempre (no Brasil, a taxa é de 10%) e 32% pretendem se aposentar apenas após os 70 anos.

Outro levantamento, feito com exclusividade pela consultoria de gestão BTA para EXAME com 776 presidentes, diretores e gerentes de empresas no Brasil, revela que 89% deles pretendem continuar trabalhando mesmo depois de se aposentar de sua atividade principal. A taxa chega a 93% entre os que têm de 55 a 60 anos.

“Quando entrei no mercado de trabalho, quem tinha a idade que tenho hoje estava se preparando para parar de trabalhar e não tinha a expectativa de viver muito mais”, diz Mauro Machado, que tem 53 anos e é consultor sênior de previdência da empresa de recursos humanos Mercer. “Isso mudou completamente.”

O Brasil ainda é um país relativamente jovem. A idade média dos brasileiros está em 31 anos e a fatia de idosos na população total é de 12%, enquanto nos Estados Unidos está em 21%, na França em 25%, na Alemanha em 28% e no Japão em 33%.

Mas projeções da Organização das Nações Unidas indicam que o Brasil está entre os países que deverão envelhecer mais rapidamente até 2050: a taxa da população idosa tende a chegar a 29% e, nesse caso, seria equivalente à de Estados Unidos, Canadá e França em 2050. “Haverá menos jovens entrando no mercado de trabalho e as empresas terão de se adaptar”, diz Gustavo Parise, diretor para a América Latina da consultoria de gestão de pessoas Korn Ferry Futurestep. E os futuros aposentados também.

Assim como existe o sonho de ter dinheiro suficiente para fazer o que bem entender na aposentadoria, quem pensa em trabalhar para sempre também costuma ter um ideal de trabalho. Só que a realidade pode ser cruel.

“Alguns empregos não dão nenhuma satisfação: ou porque o salário é baixo, ou porque é preciso gastar horas para chegar até lá, ou simplesmente porque os chefes não investem nos funcionários”, diz o médico Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade, com sede no Rio de Janeiro, e ex-chefe do programa de envelhecimento e saúde da Organização Mundial de Saúde.

“Nesses casos, ir além dos 65 anos é um martírio.” Também é complicado seguir adiante em trabalhos que exigem esforço físico ou implicam uma rotina extenuante de viagens e reuniões. Quem não se preparou para mudar de emprego, ou mesmo de profissão, poderá ficar num beco sem saída. Além disso, muitas empresas estipulam uma idade-limite para a aposentadoria de seus executivos — em geral, entre 60 e 65 anos — que não está aumentando com o envelhecimento da população.

O objetivo é não desestimular quem está entrando no mercado de trabalho. “As empresas devem se preocupar em ter um equilíbrio etário e mesclar a vitalidade dos jovens com a experiência dos mais velhos. Isso varia conforme o setor, mas pode fazer diferença nos resultados”, diz Betania Tanure, dona da consultoria BTA. Mas não há exemplos bem-sucedidos nesse quesito no Brasil. Em geral, dizem os especialistas, as empresas passam a prestar a atenção nos idosos em períodos de crescimento econômico e quando é difícil encontrar profissionais especializados. Numa recessão como a atual, as prioridades mudam.

O governo também tem sua parcela de responsabilidade. Leis trabalhistas mais flexíveis, que permitissem jornadas diferentes de trabalho, ajudariam o aposentado que quisesse ter uma rotina mais tranquila e também as empresas que quisessem contratar esses profissionais apenas para alguns projetos ou para treinar funcionários em períodos específicos (sem necessariamente precisar deles todos os dias, das 9 às 18 horas).

O instituto de longevidade da seguradora Mongeral Aegon, em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, elaborou um projeto de lei, que ainda não foi apresentado ao Congresso, sugerindo essas mudanças e também um regime alternativo em que os aposentados e as empresas que os contratam não precisem mais contribuir para FGTS e INSS (já que esse pagamento extra não faz nenhuma diferença na pensão pública que eles já recebem).

A proposta de reforma trabalhista anunciada em dezembro pelo governo pode ajudar os idosos a conseguir jornadas mais flexíveis, mas isso precisa ser negociado entre os sindicatos e as empresas. “Para o aposentado, de imediato, nada muda”, afirma Boriska Rocha, advogada trabalhista do escritório Lobo & de Rizzo.

Diante das dificuldades, o mais comum é que os idosos que decidem continuar trabalhando optem por soluções naturalmente mais flexíveis, como se tornar consultores, professores e conselheiros, ou decidam abrir a própria empresa. Seja qual for a decisão, é preciso se preparar — e, de maneira geral, esse não é o forte dos brasileiros. “A atitude em relação ao envelhecimento costuma ser preconceituosa e, por isso, as pessoas entram num processo de negação e não se preparam”, diz Alexandre Kalache.

Kalache tem uma visão interessante sobre a velhice, que vai além das contas financeiras. Para ele, é preciso acumular quatro “capitais” ao longo da vida para chegar bem à velhice — intelectual, social, financeiro e de saúde. O intelectual é o que determina quem conseguirá continuar trabalhando depois dos 60 anos. Foi o que fez o pediatra Jayme Murahovschi, de 81 anos.

“Comecei a me preocupar com isso ainda na década de 70”, diz ele, que é autor de cinco livros sobre pediatria. “Experiência é fundamental, mas não é suficiente. É preciso ter autocrítica, contato com os colegas e se manter sempre mais atualizado, por meio de leituras e cursos.”

Mas, claro, só tem condições de fazer cursos, trabalhar menos e, especialmente, no que realmente gosta quem conseguiu juntar dinheiro antes de se aposentar. O número mágico usado por alguns consultores financeiros é o 9: é preciso ter acumulado o equivalente a nove vezes a renda anual para conseguir manter o padrão de vida na velhice. Assim, quem recebe 30 000 reais por mês deveria ter pouco mais de 3 milhões de reais ao se aposentar.

Com esses recursos mais uma aposentadoria pública de cerca de 3 000 reais por mês, é possível ter uma renda equivalente a cerca de 75% da renda na ativa durante aproximadamente 20 anos. Segundo especialistas, esse percentual costuma ser suficiente porque o aposentado não precisa mais poupar para a velhice e, além disso, algumas despesas com lazer costumam diminuir levemente com a idade. Depois de 20 anos, porém, a reserva acaba. E o que acontece com quem precisar do dinheiro por mais tempo?

Ou tiver algum gasto extra, por exemplo, com saúde? “É preciso se preparar para a possibilidade de ter despesas fora do padrão assim que se aposentar”, diz Lauro Araujo, consultor de investimentos da Lockton, uma das maiores corretoras de seguros do mundo. Seu conselho é investir pelo menos metade do saldo do FGTS para esse fim e se preparar para vender bens ou, se possível, mudar para uma casa menor e usar o dinheiro quando necessário (para fazer essas projeções, especialistas estimam  um rendimento real de 3% ao ano para os investimentos).

Como o salário que vale para esse cálculo é o último recebido pelo investidor — e, para quem está a alguns anos da aposentadoria, pode ser difícil estimar quanto estará ganhando até lá —, o banco Itaú criou um sistema que facilita o acompanhamento do plano para a aposentadoria ao longo dos anos. Segundo o banco, quem tem aos 35 anos o equivalente a um salário anual investido para a aposentadoria está no caminho certo.

Aos 45 anos, a recomendação são três salários anuais e, aos 55 anos, seis salários anuais aplicados para essa finalidade. É possível chegar lá guardando 10% do salário dos 25 aos 65 anos. “Os juros compostos ajudam quem começa cedo”, diz Claudio Sanches, diretor de produtos de investimentos e previdência do Itaú.

Quem deixar para iniciar essa reserva aos 45 anos terá de poupar 35% da renda, segundo ele. Outra opção é arriscar mais e tentar obter rendimentos maiores, o que ajudaria a aumentar a poupança. “Quem ainda tem algumas décadas para se aposentar pode colocar parte dos recursos em renda variável, mas não deve contar com isso para dobrar o patrimônio em poucos anos”, diz Hugo Monteiro, responsável por produtos de investimento na assessoria financeira BullMark. Arriscar mais do que se deve pode ter o efeito contrário de piorar ainda mais uma situação já ruim.

O GOVERNO SALVA?

Ainda que todo mundo saiba que vai precisar de dinheiro na aposentadoria, pouca gente realmente faz alguma coisa a respeito. Uma pesquisa do instituto de envelhecimento da Universidade de Oxford com 1 500 brasileiros de classe média entre 40 e 49 anos mostra que 48% dos entrevistados não estão preocupados em “sobreviver financeiramente na aposentadoria”. Para eles, a principal fonte de renda na velhice deverá vir do governo.

A situação é ainda mais crítica na baixa renda. Segundo um levantamento da consultoria Plano CDE, apenas 1% de um total de 1 500 entrevistados com renda mensal de até 750 reais afirma que ter uma boa aposentadoria é uma de suas metas financeiras (os principais objetivos são comprar um imóvel ou terreno, pagar dívidas e mandar os filhos para a faculdade). Apenas 17% têm o equivalente a um mês de salário investido (o restante tem menos do que isso) e 73% afirmam não ter conseguido poupar nada no último ano.

Estudos no campo das finanças comportamentais indicam que muitas pessoas não guardam dinheiro para o futuro simplesmente porque não conseguem se imaginar na velhice. Em 2011, o psicólogo Hal Hershfield, da Universidade Northwestern, fez um experimento com 42 americanos: alguns receberam uma imagem de computador que os mostrava mais velhos e outros não receberam. Em seguida, foram feitas perguntas sobre investimentos aos dois grupos. Os que viram a imagem se mostraram mais dispostos a adiar gastos no presente para conseguir economizar para a aposentadoria.

A reforma

Quem decidir deixar seu planejamento do futuro nas mãos do Estado deverá estar preparado para as mudanças que podem vir por aí se a reforma da Previdência proposta pelo governo for aprovada. As principais alterações para quem contribui para o sistema público são o aumento da idade mínima para se aposentar para 65 anos e também a ampliação do tempo de contribuição — para receber o maior benefício, de 5 200 reais, será preciso trabalhar 49 anos, enquanto hoje é necessário ter, no máximo, 35 anos de contribuição (veja um resumo das mudanças no quadro da pág. 37).

A reforma não muda a vida de quem já está aposentado, mas o governo estipulou regras de transição para quem está prestes a parar de trabalhar. Para homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos, a reforma prevê um “pedágio” de 50% do tempo de contribuição que ainda falta para a aposentadoria com as regras antigas.

Assim, um homem com 55 anos que ainda tenha de trabalhar cinco anos para se aposentar terá de manter-se ativo por mais dois anos e meio. “O objetivo da transição é ter regras que sejam universais para os cidadãos em um prazo de 15 a 20 anos”, diz Marcelo Caetano, secretário da Previdência Social. Ainda que o projeto original do governo sofra alterações no Congresso, a maioria dos analistas acredita que será aprovado. Para a consultoria política Eurasia, a chance de aprovação é de 70%.

Do ponto de vista financeiro, pode não valer a pena contribuir para a Previdência caso as novas regras sejam aprovadas — embora quem trabalhe com carteira assinada não tenha a opção de não pagar o INSS. Se um jovem de 25 anos pudesse escolher entre recolher o INSS e receber o valor em dinheiro (tanto o que é pago pela empresa quanto o que é descontado de seu salário) e investi-lo, receberia mais ao aposentar-se no segundo caso, segundo o cálculo feito pela assessoria financeira Tag Investimentos.

Para quem é obrigatório contribuir para o INSS, o jeito é adaptar-se: pagar a parte do governo e, paralelamente, manter uma poupança privada. O mais importante, porém, vai além das contas financeiras: é descobrir prazer no trabalho por anos à frente. Muitos dos “idosos” de hoje já pensam assim. No final da década de 60, no auge dos Beatles, Paul McCartney compôs a música When I’m 64. O senhor de 64 anos que ele seria no futuro era alguém que se divertiria sentado numa poltrona com os netos no colo. McCartney tem 74 anos e acaba de encerrar mais uma turnê.

Acompanhe tudo sobre:AposentadoriaDinheiroGestão de pessoasPlanejamento

Mais de Revista Exame

Invasão chinesa: os carros asiáticos que chegarão ao Brasil nos próximos meses

Maiores bancos do Brasil apostam na expansão do crédito para crescer

MM 24: Operadoras de planos de saúde reduzem lucro líquido em 191%

MM 2024: As maiores empresas do Brasil