Revista Exame

Luxo à prova de crise

As vendas dos carros voltados para os simples mortais andam fraquinhas. Enquanto isso, as três maiores marcas de veículos de luxo não têm motivos para reclamar

Francisco Alcântara: cliente vip da Mercedes-Benz em Fortaleza (Drawlio Joca/EXAME)

Francisco Alcântara: cliente vip da Mercedes-Benz em Fortaleza (Drawlio Joca/EXAME)

DR

Da Redação

Publicado em 24 de setembro de 2014 às 18h12.

São Paulo - Para os vendedores da única concessionária da montadora alemã Mercedes-Benz em Fortaleza, no Ceará, o homem da foto acima, o médico Francisco Alcântara, de 27 anos, é simplesmente “Chiquinho”. ­Isso porque Alcântara estabeleceu com eles um contato próximo.

Em agosto, ele adquiriu um Classe C, modelo da marca que custa cerca de 154 000 reais. Em janeiro, o médico já havia se tornado dono de um CLA A45 AMG, o superesportivo mais caro da Mercedes.

Desde então, ele participou duas vezes do Track Day — evento da marca em que não mais de 40 pessoas são convidadas a dirigir alguns modelos no autódromo Virgílio Távora, na região metropolitana de Fortaleza, ao lado de pilotos profissionais.

“É uma experiência e tanto testar a potência dos carros na companhia dos pilotos”, diz ele. Mas não são apenas os clientes ávidos por velocidade que a Mercedes tenta agradar em Fortaleza. Em julho, para lançar o modelo Classe S, a marca convidou 40 casais abonados da cidade para um coquetel.

Enquanto os homens se entretinham com o veículo, que custa mais de 600 000 reais, as mulheres menos empolgadas com o tema se divertiam com o lançamento de uma coleção de joias. Eventos como esses acontecem com frequência em Fortaleza e em outras capitais do Nordeste.

E são promovidos não apenas pela Mercedes mas também por outras marcas de carros de luxo que perceberam que o público disposto a desembolsar muito dinheiro num veículo é cada vez maior na região.

“Estamos aproveitando uma demanda reprimida, porque nossa presença aqui era muito tímida”, afirma Sérgio Gama, gerente da primeira concessionária da alemã Audi em Aracaju, que abriu as portas em maio. E que demanda reprimida. A Audi, cujos modelos oscilam de 86 000 a 600 000 reais, tem vendido a média de quase um carro por dia na cidade.

De 1994 a 2009, a marca teve apenas três revendas no Nordeste. Só nos últimos dois anos, outras quatro foram inauguradas. É um movimento de expansão semelhante ao da Mercedes, que durante quase uma década teve apenas duas concessionárias na região — em Salvador e em Recife.

De 2012 para cá, abriu mais três: em Fortaleza, Natal e Teresina. Até o fim do ano, a marca vai abrir sua segunda loja em Recife e mais duas, nas cidades de João Pessoa e São Luís. De janeiro a junho, as vendas da Mercedes-Benz no Nordeste cresceram 63%. Mas, sozinho, o aumento da cobertura do território não faz milagre.

Sem paparicação e muita pessoalidade no tratamento, as vendas no Nordeste não se concretizam. “O paulista não quer gastar tempo na concessionária nem ter intimidade com o vendedor. Já o nordestino gosta de ser tratado pelo nome e bater muito papo antes de comprar”, afirma Dirlei Dias, gerente de marketing e vendas da Mercedes. 

O fator Nordeste é apenas um dos motivos que explicam um fenômeno: a venda desses veículos de luxo está indo muito bem no país, a despeito do desempenho ruim do mercado de automóveis de maneira geral. Em 2013, as vendas de carros permaneceram quase estagnadas.

Enquanto isso, Audi, BMW e Mercedes-Benz cresceram 35%, 70% e 51%, respectivamente. Neste ano, mesmo com o marasmo da economia no país, o cenário deverá se repetir: de janeiro a agosto, as vendas de veículos sofreram uma retração de quase 10%. Mas as três maiores marcas de luxo estão dando sinais de que não vão desacelerar.

A Audi, por exemplo, registrou nos primeiros seis meses do ano crescimento de 120%. E, para entender o bom momento dos veículos de luxo, é preciso considerar também outros dados. Um deles é que essas marcas anunciaram em 2013 que teriam fábricas no Brasil. A da BMW, em Santa Catarina, começará a operar ainda neste mês.

A decisão de produzir aqui se deve não apenas ao potencial de nosso mercado, hoje o quinto maior do mundo — atrás de China, Estados Unidos, Japão e Alemanha — mas também ao Inovar-Auto, programa do governo federal que estabeleceu vantagens tributárias para as montadoras que instalassem suas fábricas no país.

Esse tipo de anúncio fez com que os consumidores passassem a ver essas montadoras com mais interesse. Uma fábrica em território nacional significa garantia de peças e menos dor de cabeça na manutenção.

Loja da Audi em São Paulo: anúncios na TV depois de dez anos (Alexandre Battibugli/EXAME)

A instalação de fábricas no país também desencadeou um esforço dessas empresas para aumentar sua rede de distribuição — a exemplo do que vem sendo feito no Nordeste — e fazer investimentos mais vultosos em marketing.

Há dois meses, a Audi inaugurou na rua Oscar Freire, um dos redutos de luxo da capital paulista, o Audi Lounge, espécie de showroom. Só há outros três no mundo — em Berlim, Londres e Nova York. Durante os meses de julho e agosto, a marca também veiculou na TV comerciais do modelo A3 Sedan, que será fabricado aqui em 2015.

“Há dez anos não íamos para a televisão. Estamos fazendo a maior campanha da história da marca no país”, diz o alemão Jörg Hofmann, presidente da Audi no Brasil. O passo de marketing mais ousado até agora, porém, foi dado pela Mercedes-Benz.

Em abril de 2013, a montadora produziu um vídeo para divulgar na internet o modelo Classe A ao som do funk carioca Passinho do Volante, do grupo Os Leleke’s. A peça publicitária, que gerou discussão na empresa por causa do estilo musical pouco refinado, se transformou num viral.

A Mercedes comemora duas conquistas. A primeira foi aumentar as vendas do veículo: a fila de espera para adquirir o modelo ultrapassou 90 dias. Outro benefício mais perene foi atrair novos consumidores — muitos deles de uma faixa etária mais jovem do que a de seu cliente habitual, que está na casa dos 50 anos.

Em 2012, 43% dos compradores de Mercedes não tinham adquirido nenhum veículo da marca em pelo menos cinco anos — boa parte deles era cliente pela primeira vez. Em 2013, esse percentual subiu para 71%.

Modelos mais baratos

As marcas de luxo também têm ganhado terreno no Brasil ao colocar no mercado modelos mais baratos para conquistar os consumidores endinheirados das marcas generalistas. Um caso emblemático desse movimento é o A3 Sedan versão Sportback 1.4 TFSI, um dos modelos de entrada da Audi.

Ele custa 93 500 reais e vem roubando possíveis consumidores do Corolla 2.0 Altis, da Toyota, e do Fusion 2.5 Flex, da Ford, ambos nessa faixa de preço. É claro que o barateamento do veículo implica perda de atributos tecnológicos. O A3 Sedan não tem, por exemplo, sensor de ré.

“Mas o motor continua sendo superior, e isso é parte do fascínio que essas marcas de luxo despertam”, afirma Leandro Mattera, consultor do setor automotivo. 

Atribui-se ao alemão Ferdinand Alexander Porsche, neto do lendário Ferdinand Porsche, fundador de uma das marcas mais cobiçadas do mundo, uma frase que capta bem a essência dos carros de luxo: “Produzimos carros que ninguém precisa, mas que todo mundo quer”. Ela continua atual como nunca — sobretudo no Brasil.

Acompanhe tudo sobre:AutoindústriaCarrosConsumoEdição 1074IndústriaIndústrias em geralLuxoVeículosVendas

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda