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Luta contra a propina é a marca da década no mundo, diz Kaufmann

O economista chileno Daniel Kaufmann é uma das autoridades mundiais no combate à corrupção.

Daniel Kaufmann: “É importante que o combate aos desvios venha do topo 
do governo” (Divulgação/Exame)

Daniel Kaufmann: “É importante que o combate aos desvios venha do topo do governo” (Divulgação/Exame)

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Flávia Furlan

Publicado em 13 de julho de 2017 às 19h17.

Última atualização em 13 de julho de 2017 às 19h22.

São Paulo  — O economista chileno Daniel Kaufmann é uma das autoridades mundiais no combate à corrupção. De 2000 a 2008, ele foi diretor da área de governança e anticorrupção do Banco Mundial. Hoje, Kaufmann preside o Instituto de Governança de Recursos Naturais, organização sem fins lucrativos que ajuda os países a desenvolver o setor de recursos naturais, e é conselheiro da Secretaria Anticorrupção e de Integridade da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em entrevista a EXAME, Kaufmann atesta: a era em que a corrupção era tolerada chegou ao fim. Mas, enquanto a intolerância à roubalheira já muda o cenário político nos países desenvolvidos, na América Latina a mudança é mais lenta. “O desafio agora é reduzir os incentivos dos sistemas político e econômico à corrupção”, diz Kaufmann.

Exame - Existe um movimento global de combate à corrupção?

Kaufmann - Sim, é uma tendência mundial desta década. No passado, as pessoas ficavam indiferentes ou resignadas ao de-parar com o desvio de comportamento ético dos políticos. Isso mudou.

Exame - Qual é a origem desse movimento?

Kaufmann - Nas democracias latino-americanas, é o fim do superciclo das commodities que durou até o início da década. Sem ele, os governos e os políticos da região não estão recebendo mais o grande volume de recursos financeiros das atividades, como a extração de petróleo e a de minérios. Uma consequência disso é a piora dos serviços públicos. A classe média educada, que no tempo da bonança passou a fazer parte do mercado de trabalho, e a pagar impostos, começou a exigir transparência e resultados dos serviços públicos. Também houve a revolução da tecnologia da informação e das mídias sociais, que tornaram a mobilização mais fácil. Já na União Europeia a crise da dívida de 2008 é um ponto de virada crítico, porque as pessoas ficaram mais atentas aos abusos de poder. A classe média viu sua renda diminuir e passou a cobrar mais dos políticos europeus.

Exame - Quais têm sido as consequências políticas mais imediatas da maior cobrança da população?

Kaufmann - Como ocorreu na França, com a eleição do presidente Emmanuel Macron, os países europeus estão passando por uma forte transição política. Já na América Latina essa mudança radical de governo ainda não ocorre de forma tão clara, pois há uma tendência dos grupos políticos se manterem durante mais tempo no poder. Não podemos nos esquecer que, em países democráticos, embora esteja claro que os protestos nas ruas importam, não são eles que fazem a diferença no final, mas, sim, os votos nas urnas.

Exame - Qual é a opinião do senhor sobre a reforma anticorrupção do presidente francês?

Kaufmann - No caso de Macron, o mais importante é que a agenda contra a corrupção está vindo do topo, de um líder que acabou de vencer as eleições e conta com uma forte credibilidade para dar andamento às reformas. Essa agenda é encorajadora, porque todo país tem casos de corrupção. Agora, precisamos ver como a agenda será concretizada.

Exame - É possível afirmar que a França lidera o processo contra a corrupção no mundo?

Kaufmann - O mundo todo está procurando um líder, porque os Estados Unidos estão perdendo essa posição. O motivo foi a chegada de Donald Trump à Presidência americana. O código americano anticorrupção foi estabelecido nos anos 70, décadas antes da adoção da convenção da OCDE, que é de 1997. Neste momento, o governo Trump pensa em afrouxar as regras. O Congresso americano está sendo muito mais influenciado pelos interesses corporativos, que frequentemente conflitam com as regras de transparência. Com certeza, os Estados Unidos estão abdicando de sua liderança em relação à transparência e ao combate à corrupção. Então, existe uma busca por outra liderança mundial nesse campo. A França é uma boa promessa, embora ainda seja cedo para falar.

Exame - O que há em comum entre os países que têm os menores índices de corrupção?

Kaufmann - Eles têm transparência. Quando as informações estão disponíveis, as pessoas de fora do governo podem fiscalizá-lo. Algumas das melhores práticas são a publicação do patrimônio e dos rendimentos dos políticos; a abertura dos votos deles em projetos de lei; e a divulgação das contribuições para as campanhas eleitorais. Imagina quanto é possível ser analisado com as informações? Aplicar penas aos crimes de corrupção também é importante, porque ainda existe uma sensação de impunidade em muitos países.

Exame - O Brasil já adota muitas dessas práticas. A impunidade ainda é nosso grande problema?

Kaufmann - Sim. Acredito que o foco do combate à corrupção no Brasil tem sido acabar com a impunidade. O desafio agora é reduzir os incentivos dos sistemas político e econômico para a corrupção. Isso determinará se daqui a dez anos olharemos para trás e veremos esta fase como um ponto de virada. Para fazer isso, é preciso repensar o sistema de financiamento político. São as reformas institucionais que precisam ser feitas.

Exame - Essa é a agenda para a eleição de 2018 no Brasil?

Kaufmann - Quando os países enfrentam grandes desafios, a exemplo da corrupção, isso pode se tornar uma plataforma política importante para algum candidato. Em 2018, certamente haverá uma oportunidade para que o Brasil discuta esse tema. Só bons líderes e boas reformas podem diminuir os incentivos à corrupção.

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